SAÚDE
Centro de Parto Normal encerra atividades nesta semana em Salvador
Mesmo longe do ideal da OMS, os números da Bahia e da capital ainda são melhores que o nacional
Por Priscila Dórea
Na próxima quarta-feira, 20, o primeiro Centro de Parto Normal (CPN) do Brasil, localizado na Casa Mansão do Caminho (Pau da Lima), vai ter suas atividades encerradas, uma notícia que trouxe à tona uma pauta antiga da saúde: a epidemia de cesáreas no país. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), apenas 15% dos partos deveriam ser cesáreos. No entanto, em 2022, de acordo com a Secretaria de Saúde do Estado (Sesab), 39,3% dos partos da rede municipal e estadual de saúde foram cesarianos na Bahia, assim como 43,1% dos partos de Salvador.
Mesmo longe do ideal da OMS, os números da Bahia e da capital ainda são melhores que o nacional: de acordo com o Ministério da Saúde, 57,7% dos partos no Brasil foram cirúrgicos em 2022. “O parto cesáreo só deve ser uma opção quando os riscos iminentes justifiquem os eventuais riscos cirúrgicos. Nos últimos dez anos houve um aumento evidente tanto na procura por parto normal em Salvador, quanto no número de profissionais disponíveis para este modelo de assistência. Porém, ainda precisamos melhorar muito em relação à capacitação e preparação dos profissionais para uma assistência humanizada”, afirma a médica obstetra da Vervita Parto Humanizado, Camila Rabello.
Segundo dados da Sesab, até julho deste ano, 60,17% dos partos na Bahia e 56,14% dos de Salvador foram naturais. Hoje, só na rede estadual, existem 22 estabelecimentos de saúde que realizam partos - sete na capital -, e na maioria deles o número de partos naturais superou as cesáreas nos últimos anos. Entre 2010 e 2023, o Governo do Estado investiu mais de R$254 milhões no reforço da assistência na Bahia: cinco novas maternidades, dois CPN, uma Casa da Gestante, Bebê e Puérpera, e um Hospital Materno-Infantil, além de reforma e modernização de unidades já existentes.
E dentro dessas modernizações está justamente esse atendimento humanizado e educativo em prol do parto natural, que foi o que encantou Graziela Dias da Cunha Araújo, uma das últimas mães a parir no CPN da Casa Mansão do Caminho: sua filha, Zahira Guadalupe, nasceu na instituição no último dia 11. “Desde o momento que entrei ali até o dia do parto, fui tratada com muito respeito e amor, por isso me desesperei quando soube que iriam fechar. Fiz todo o meu pré-natal no Centro e era onde eu queria que minha filha nascesse, então fiquei com medo de que não acontecesse”, explica.
Realizar um parto natural veio do sonho de Graziela de “trazer uma vida ao mundo sem nenhum procedimento ou intervenção. É um momento lindo e inesquecível”, afirma. Esse também era o sonho da advogada que hoje trabalha com desenvolvimento humano, Yalle Santiago Roseno, mãe da Laura. Parte de todo o processo de gestação de Yalle está relatado em seu Instagram (@yalleroseno), inclusive tudo o que passou em seus oito anos de infertilidade e suas duas fertilizações in vitro (FIV).
Sem apoio ou mesmo amigas que tivessem passado por partos naturais, o caminho que Yalle seguiu foi o de pesquisar bastante sobre o assunto já durante os tratamentos de fertilidade. “Acredito que informação salva, então fui ler sobre parto natural e buscar profissionais que o defendem e incentivam. Após buscar essas informações, conversei com meu marido sobre o quanto isso era relevante para mim e mais seguro para o nosso bebê, então compramos a ideia de parir normal”, conta.
EQUIPE
A partir disso, relata Yalle, o foco seguinte foi encontrar uma equipe de confiança que, apenas se fosse absolutamente necessário, a faria passar por uma cesariana. O que não é tão fácil de encontrar, aponta o diretor-presidente da Casa Mansão do Caminho, Mário Sérgio Almeida, pois "a cultura das cesarianas está enraizada no Brasil". Mas uma busca árdua compensa para que o parto seja como a gestante deseja. Busca essa que foi um dos focos da empreendedora Joyce Beltrão, mãe da Maya, que não tinha um real desejo de ser mãe, mas se descobriu grávida mesmo tomando anticoncepcional.
“Porém, uma vez grávida, não conseguia nem pensar em me submeter a uma cirurgia do porte da cesárea. O ambiente estéreo me deixa muito ansiosa, por isso optei pelo parto natural. Na época eu estava morando há pouco tempo na Bahia e não conhecia a Mansão do Caminho, então tive que peregrinar de obstetra a obstetra para encontrar algum que não quisesse marcar a cesárea logo de cara e que aceitasse que eu queria o parto natural”, lembra Joyce.
A servidora pública federal, Lorena Lima Kalid, mãe do Marcos de sete meses, teve mais sorte nesse aspecto, pois já na primeira conversa com a obstetra concordaram que o parto natural seria mais prático e seguro para ela. “A cada consulta de pré-natal aprendemos mais sobre o processo inteiro. Pelo meu temperamento, acabei optando por ter uma equipe muito preparada e de confiança, que me liberasse de ter que buscar todas as informações para evitar alguma imperícia médica ou violência obstétrica. Preferi me permitir relaxar ao longo da gestação”, lembra.
Já no caso da dentista Lívia Aguilera Gaglianone, mãe de Gabriel e Felipe, parir de forma natural e em casa nunca havia passado pela mente dela, mas tomando como base as duas primeiras experiências de uma grande amiga, ela começou a analisar a possibilidade. “Para mim, optar pelo parto natural e domiciliar foi um processo construído a partir de muita pesquisa, estudo e relatos de outras gestantes em rodas de conversa”, relata.
Algumas das rodas de conversa que Lívia participou foram na Casa Mansão do Caminho, local que a fascinou pelo tratamento dado às gestantes. “É um serviço padrão ouro se tratando de SUS, respeito à mulher, e cuidado e carinho na recepção desses bebês. A estrutura física deles é incrível e a proposta do serviço é bastante humanizada. Seria de uma valia enorme se pudéssemos ajudar de alguma forma para que não fechassem, porque quem mais perde é a população carente, que não terá mais acesso a um serviço com essa qualidade", aponta.
COORDENADA
“O sentimento que temos é que o Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira já cumpriu o seu propósito. Foram mais de 20 mil partos nesses 12 anos, mas hoje somos responsáveis por apenas 0,95% dos nascimentos do estado. Agora precisamos atender a população de outra forma e o espaço do CPN irá se tornar um centro de atendimento psicológico”, afirma o diretor-presidente da Casa Mansão do Caminho, Mário Sérgio Almeida.
A Casa Mansão do Caminho já oferece atendimento psicológico e psiquiátrico, e realiza cerca de 360 atendimentos por mês, em dois consultórios. E essa demanda tem crescido muito nos últimos anos. “As pessoas chegam a esperar nove meses para marcar uma consulta com um psicólogo no SUS”, relata Mário Sérgio. Com a transferência das atuais pacientes do CPN - foi decidido pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) que elas irão para unidades de saúde estaduais e municipais -, o local passará por uma reforma e 20 consultórios serão construídos. A expectativa é realizar 1.800 atendimentos por mês.
“É realmente lamentável que o CPN precise fechar, ele foi o primeiro do Brasil, mas já estava comprometendo a Casa Mansão do Caminho. Quando o CPN foi criado não tínhamos a estrutura que temos hoje, o Governo do Estado tem feito um belo serviço na saúde e hoje há muito mais opções de atendimento do que antes. Então agora vamos nos focar em, mais uma vez, buscar atender uma grande demanda da população e nos voltar a saúde mental”, explica Mário Sérgio.
Menores taxas de complicações, melhor recuperação do corpo materno, mais facilidade no processo de amamentação, menor risco tromboembólico e menores taxas de internação em UTI neonatal, são apenas algumas das vantagens da realização de um parto natural. “O parto natural é uma via de parto que respeita a fisiologia do parir e, portanto, está mais associado a menores riscos para mãe e bebê”, explica a médica obstetra do Vervita Parto Humanizado (@vervitasalvador), Camila Rabello.
O parto cesariano, por sua vez, é um procedimento cirúrgico que deve ser priorizado diante de condições de risco para mãe ou bebê. “Situações essas em que os riscos iminentes justifiquem os eventuais riscos cirúrgicos bem documentados na literatura mundial”, salienta a obstetra. E por isso é essencial que as gestantes pesquisem a fundo cada aspecto e compreenda não só o processo do parto em si, mas também o caminho vivido e percorrido por ela e a vida que ela está gerando, até o grande dia do nascimento.
E isso não precisa ser feito apenas pela mãe - seja ela solo ou não -, mas também pelos profissionais de saúde envolvidos no parto. A disseminação da importância dos partos serem mais humanizados têm mudado a forma como as mulheres e os profissionais veem o nascimento de um bebê. “Um parto humanizado é antes de mais nada assistir ao parto de uma mulher empoderada, bem informada e consciente de suas escolhas. Diante desta mulher o nosso papel, enquanto equipe de assistência, é respeitar a fisiologia do nascimento e conhecer as suas variações”, afirma a obstetra.
A atenção constante nos sinais evolutivos e, principalmente, no bem estar materno e fetal, são os pilares da condução desses profissionais e dos bons resultados, aponta Camila Rabello. É essencial continuar estimulando as mulheres na direção do autoconhecimento, confiança na fisiologia, e preparo físico e mental para que sejam as protagonistas das suas histórias.
“O parto natural é estimulado em todo sistema de saúde decente mundo afora, mas por décadas em nosso país fomos ensinadas a desacreditar nesta opção. Então aproveitem a onda de incentivo ao parto vaginal, resgatada pelo movimento nacional de resgate à humanização do nascimento para buscarem informações de qualidade sobre o assunto, e se prepararem para uma jornada enriquecedora, transformadora e única, pois informação é poder, agrega sentido às nossas escolhas e estrutura os nossos desejos. Toda escolha bem analisada traz consigo uma força desconhecida”, afirma a médica obstetra.
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