SAÚDE
“Medo da Covid gerou proteção contra asma”, diz pneumologista
Por Jane Fernandes

Fundador do ProAR (Programa para o Controle da Asma na Bahia) e professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, o pneumologista e alergologista Álvaro Cruz conversou com A TARDE sobre a relação entre a asma e a Covid-19, e abordou outras doenças respiratórias que geram preocupação durante o inverno.
A asma foi uma das doenças que mais gerou dúvidas sobre os riscos de agravamento em pacientes com Covid-19. Como a doença se relaciona com a infecção pelo novo coronavírus?
No começo da pandemia, a gente sabia muito pouco sobre o novo coronavírus e a sua relação com outras doenças, e era natural que houvesse uma apreensão muito grande em relação à asma, que é uma doença respiratória crônica muito comum, a doença crônica mais comum na infância, por exemplo, e que tem alta prevalência, uma frequência muito grande. No Brasil, as estimativas são entre 10% e 20% da população adulta e criança, imagine a catástrofe se a Covid-19 afetasse muito gravemente os pacientes com asma. A gente sabe que um simples resfriado é a causa mais comum de exacerbação de crise de asma, levando a atendimento de emergência e hospitalização, então havia um receio muito grande que a Covid-19 trouxesse esse tipo de problema. Mas felizmente não foi isso que a gente observou. O que se tem observado na maior parte do mundo é uma redução de problemas relacionados à asma durante esse período, felizmente. Menos hospitalizações, menos atendimentos de emergência, menos crises... Em termos de números, os dados do DataSUS, que é a base de dados do Ministério da Saúde, comparando 2019 com 2020, o número de hospitalizações por asma nos seis meses do meio do ano, quando teve o pico da epidemia no ano passado, foi menos da metade do que houve no ano anterior. Não é que a Covid-19 faz bem à asma, mas a Covid-19 mudou comportamentos que levaram a uma proteção maior. O que se supõe é que as medidas de prevenção do contágio da Covid-19 preveniram os resfriados comuns, que são a principal causa de descompensação da asma. Além disso, as pessoas podem ter se cuidado melhor e usado medicação para tratar asma mais regularmente. No entanto, é preciso dizer que existem evidências claras de que a asma grave ou a asma não controlada está associada a um maior risco de morte. Por isso que houve uma prioridade para vacinação de pessoas com asma grave ou pessoas com histórico de hospitalização recente por asma.
O que caracteriza uma asma grave? Quais as características da versão leve?
São definições meio arbitrárias de experts que tentam dividir as coisas para orientar melhor o tratamento, mas os limites são mais difíceis entre asma leve e moderada, e entre asma moderada e grave, entre asma leve e asma grave não tem muita dúvida. A asma leve é aquela que é possível controlar com pouca medicação, às vezes sem nenhuma medicação regular, e o paciente tem sintomas intermitentes e que não atrapalham a sua vida. Com o tratamento, ele fica bem com dose baixa de medicação, então não tem risco de efeito colateral e pode ter uma vida normal, pode ser um campeão olímpico. A asma grave é aquela na qual o paciente só fica bem se for com dose máxima de medicação, dose essa que traz risco de efeito colateral. Tem uma organização não-governamental, que eu faço parte há mais de dez anos, que é uma iniciativa global contra a asma, que elabora e publica um relatório que sugere como deve ser feito o tratamento. Basicamente, o paciente com asma grave é aquele que precisa de muito remédio, tem risco de complicações pela asma e risco de efeitos colaterais das medicações.
Os pacientes com asma grave precisam de acompanhamento médico contínuo? Como os tratamentos foram impactados pela pandemia?
O paciente com asma grave precisa de uso regular de medicação, normalmente em dose alta. São medicações que não são muito baratas, mas de modo geral são oferecidas gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde. Havia algumas limitações para medicações novas, injetáveis, que são chamadas de imunobiológicos, mas isso está sendo resolvido. A Agência Nacional de Saúde também, que cuida da saúde suplementar, aprovou recentemente alguns desses medicamentos para asma grave, que são alternativas para a pessoa não precisar usar os corticosteroides, que funcionam, mas têm muito efeito colateral. Uma coisa muito importante é que os pacientes, sua família e os profissionais de saúde de forma geral identifiquem as pessoas com asma grave, pois nem sempre o paciente com asma grave é aquele que tem falta de ar sem parar. O paciente pode estar aparentemente bem em dado momento, até parar seu tratamento, mas fica voltando a ter crise, precisando de corticosteroide oral muitas vezes durante o ano. Nem sempre as famílias, os pacientes e os profissionais de saúde não especialistas estão atentos para isso e muitas vezes acham que usar corticosteroides cinco/seis vezes no ano é uma coisa que não tem problema, quando a gente sabe que essa medicação, usada de forma recorrente, cumulativamente, aumenta o risco de osteoporose, diabetes, hipertensão, obesidade, problemas gastrointestinais e problemas psiquiátricos.
O período do inverno, mesmo em cidades como Salvador, oferece mais desafios a quem tem asma?
As doenças respiratórias, de modo geral, tendem a piorar no inverno e isso não tem somente uma causa. Aqui em Salvador, por exemplo, não é a questão do frio diretamente, pois o frio daqui é leve. Mas temos coisas associadas ao frio, como as pessoas tirarem roupas que estão guardadas muito tempo sem usar, que estão mofadas, que acumularam ácaros. Então tem o lado da alergia, que é uma das coisas que está associada à asma, além de, tradicionalmente, as pessoas estão aglomeradas em ambientes mais fechados, seja pela chuva, ou frio, e isso favorece a transmissão de vírus dos resfriados, eventualmente, até gripe também. Há estatísticas claras de maior número de internações e consultas e problemas respiratórios, como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica. Da mesma forma descompensa nas crianças, mesmo que não tenham nada disso, e os idosos também sofrem bastante com essas situações relacionadas com infecções respiratórias que ocorrem mais frequentemente no inverno aqui no Brasil e em outros países.
Quais as principais doenças respiratórias que pedem atenção especial neste período de temperaturas mais baixas?
As principais doenças respiratórias crônicas são a asma e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). As pessoas podem estar estáveis, controladas, com medicação ou às vezes sem medicação, e um simples resfriado pode ser a gota d’água para descompensar tudo. Isso acontece também com rinite, pessoas que têm rinite crônica, alérgica ou não alérgica, têm um simples resfriado e descompensa aquele quadro. Vem uma sinusite, inicialmente de origem viral, e depois se complica com uma sinusite bacteriana. Da mesma forma isso acontece na asma e DPOC, um processo viral inicial pode exacerbar processos alérgicos ou uma infecção bacteriana pode levar à pneumonia, uma bronquite, que precisa usar antibiótico.
Asma é bastante conhecida pela população, o mesmo não ocorre com a doença pulmonar obstrutiva crônica. O que caracteriza a doença e quais os riscos oferecidos por ela?
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é a terceira causa de morte no mundo, é uma doença que está relacionada com a exposição a agressões vindas do ambiente, a principal delas é o cigarro, mas a poluição do ar, da atmosfera e a poluição intradomiciliar também são fatores muito importantes, em alguns países mais importantes do que o cigarro. A DPOC é uma doença que resulta de uma agressão do ambiente, pelo ar, pela poluição do cigarro, poluição atmosférica, poluição intradomiciliar numa pessoa predisposta, gerando uma inflamação crônica na tubulação que leva o ar para o pulmão, que são os brônquios. Isso acaba deformando essa tubulação ou destruindo parte do pulmão. Tem duas doenças que foram englobadas na DPOC, uma que se chamava de enfisema, onde há destruição do pulmão, e uma outra que se chamava bronquite crônica, onde há mais uma inflamação, com produção de secreção persistente. Ambas entopem a passagem do ar e por isso a doença foi designada como doença pulmonar obstrutiva
crônica, porque geralmente há uma mistura das duas.
Nesse contexto atual, que combina pandemia e inverno, quais cuidados a adotar para manter a saúde do sistema respiratório?
O aparelho respiratório é muito importante para a vida e nem sempre tem recebido a devida atenção. As doenças respiratórias nem sempre têm prioridade nas políticas públicas e na consciência das pessoas de modo geral. As doenças respiratórias são muito comuns. Elas juntas são responsáveis por quase 20% das mortes no mundo inteiro - as doenças cardiovasculares são responsáveis por em torno de 17%, um pouco menos - e não têm a devida atenção. Existe uma fragmentação entre doenças respiratórias infecciosas, como a tuberculose, como a gripe, e as doenças crônicas, quando na realidade é tudo junto. Qualquer variação de temperatura pode ser danosa para quem tem o aparelho respiratório mais sensível, tudo isso agrava a situação e traz mais problemas respiratórios. Sem dúvida, cada indivíduo e as autoridades de saúde pública, os pesquisadores devem estar atentos, porque se a gente não cuidar da poluição, a gente não prevenir as infecções respiratórias, a tendência é que os problemas respiratórios continuem piorando. Vimos agora o exemplo da Covid-19, como a gente fica vulnerável a infecções do aparelho respiratório, que é a área do corpo que está mais exposta ao ambiente. O aparelho respiratório tem uma superfície de, em torno de, 70 metros quadrados, onde há troca de oxigênio e de gás carbônico. A gente respira um volume muito grande de ar todo dia, isso expõe cada um de nós a partículas de poluentes, a gases poluentes e a microrganismos que podem destruir a nossa saúde.
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