SAÚDE
Neurocirurgia inédita promete revolução com biomodelo 3D
Por Aurélio Lima

A medicina baiana comemora importante avanço na área da neurocirurgia, com a bem-sucedida realização de um procedimento no qual se utilizou biomodelo 3D. A cirurgia inédita no estado foi realizada no último dia 8 de abril, no Hospital Geral do Estado (HGE), pela equipe da Fundação de Neurologia e Neurocirurgia - Instituto do Cérebro. A pouca visibilidade da conquista, publicada no site da própria instituição, se deve em grande parte a uma maior repercussão dos fatos relacionados à pandemia gerada pelo coronavírus.
Um paciente sofreu trauma raquimedular e foi submetido a uma artrodese de cervical, que vem a ser uma fixação cirúrgica de uma articulação. Pioneiro neste segmento da medicina, o neurocirurgião Júlio Cerqueira Sampaio informou que se trata de um profissional da construção civil, sequelado no momento do acidente com um saco de cimento que impactou a sua coluna.
“Ele foi vítima de trauma, após uma queda. Como consequência do impacto ocorreu uma subluxação (deslizamento) da primeira vértebra cervical (C1), também chamada de atlas, sobre a segunda vértebra cervical (C2), conhecida como áxis”, explicou o especialista. O deslizamento entre as vértebras provocou estreitamento no canal medular, comprimindo a medula espinhal, que deixou o paciente tetraparético.
Este tipo de lesão resulta na perda parcial da força muscular nos quatro membros, como informou o especialista. “O tratamento se faz através da descompressão da medula espinhal e estabilização da coluna cervical com a fixação de parafusos”, completou Júlio Sampaio.
O neurocirurgião disse que há uma série de procedimentos cirúrgicos à disposição, reunindo vantagens e desvantagens, mas pela dificuldade técnica e escassez de recursos enfrentadas pelos hospitais do SUS a que seria utilizada chama-se artrodose occípito-cervical. Esta técnica consiste em colocar parafusos e hastes de titânio desde a parte posterior do crânio occipital e em todas as vértebras cervicais.
A única exceção seriam a C1 e a C2. “Apesar de a lesão ser nas duas primeiras vértebras cervicais, colocar parafusos nestas duas áreas é sempre um desafio pela dificuldade técnica de lesões fatais”, afirmou o neurocirurgião. “Após análise do caso, optamos por realizar uma técnica mais complexa e com diversas nuances, porém que iria permitir o paciente manter praticamente toda a mobilidade do crânio e da coluna cervical”, completou.
O médico acrescentou que a cirurgia realizada foi uma fusão C1/C2, fator determinante para uma boa qualidade de vida. E revelou ter sido feita utilizando o biomodelo em 3D da coluna cervical, baseado na tomografia computadorizada do paciente. O modelo da coluna fielmente reproduzido com todos os detalhes em alta resolução, possibilitou simular passo a passo o procedimento e deu lucidez à equipe médica na hora de realizar a neurocirurgia.
“A visão em 2D dos exames de imagem impressos, em nada se compara à possibilidade de ver e estudar em 3D a anatomia específica do paciente. Em hospitais particulares esta cirurgia, na maioria dos casos, seria realizada com um arsenal de equipamentos para auxiliar o cirurgião na colocação dos parafusos”, dimensionou o médico.
Os custos gerados desse processo, na visão de Sampaio, seriam inviáveis para o orçamento do SUS. São necessários ao menos dois computadores potentes com softwares para produção e uma impressora 3D. O total investido em média para equipamentos como esse é de R$ 150 mil e o tempo só para modelagem e impressão totaliza 6 horas.
Os resultados práticos, segundo a análise do especialista, vão além da própria inovação cirúrgica apesar de estarem atrelados a ela. Em um breve resumo, Sampaio contabilizou tempo menor de realização do procedimento e internação, recuperação neurológica progressiva, preservação da mobilidade cervical e economia de materiais cirúrgicos, que apenas em parafusos se reduziu em cerca de 16 unidades.
Um dos integrantes da equipe responsável pela cirurgia, o interno da neurocirurgia Leonardo Fraga, afirmou que uma das inovações a se destacar ainda é que foram colocados quatro parafusos e o paciente continuou com a mobilidade da cabeça. Se prendeu uma vértebra na outra que estava embaixo com uma haste e um parafuso também. O parafuso fixado diretamente na vértebra com problema, fez com que ela não se movesse mais.
“Isso é mais complexo porque, como disse o doutor Sampaio, o perigo de se colocar um parafuso nessa região é de você pegar um vaso, uma artéria, porque o paciente pode morrer na cirurgia”, alertou Fraga. Segundo ele, doravante, usando-se essa tecnologia que possibilita estudar a anatomia antes da cirurgia, é possível prever estruturas que vão estar ali quando o profissional abrir e fizer a exposição do osso.
Além de posicionar o parafuso nesse protótipo, previamente, para antecipar-se a outros eventuais problemas. “O guia de parafusos o ajuda durante a cirurgia a colocar esse material na direção correta e a evitar que tenha alguma lesão em algum vaso, entre outras possíveis complicações”, exemplificou.
Fraga destacou ainda que o aparato tecnológico permitiu a aplicação de uma técnica cirúrgica mais complexa, preservando o movimento do pescoço e conferiu maior qualidade de vida ao paciente acometido pela rara patologia. Para essa neurocirurgia inovadora, a equipe da Fundação de Neurologia e Neurocirurgia - Instituto do Cérebro recebeu a doação de uma peça da empresa baiana DaVinciAnatomics, em parceria com a diretoria do HGE. A construção do biomodelo foi coordenada pela equipe de médico Márcio Brandão.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes