SAÚDE
O envelhecimento deve ser visto com naturalidade e mais respeito
Lucas Kuhn, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – Seccional Bahia
Por Jane Fernandes

Mestre em Ciências Médicas e preceptor da Residência em Geriatria das Obras Sociais Irmã Dulce, Lucas Kuhn é o atual presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – Seccional Bahia. Em entrevista ao A TARDE, o professor e geriatra falou sobre envelhecimento saudável, seus desafios e os preconceitos com os idosos.
Me parece que o avanço da idade tem alguns impactos naturais no organismo humano, então o que é considerado um envelhecimento saudável?
O envelhecimento populacional é uma realidade, hoje a gente tem quase 15% dos brasileiros na faixa dos idosos, são mais de 30 milhões de idosos. O envelhecimento saudável é envelhecer com uma boa funcionalidade, com uma boa aptidão física, com uma boa cognição, com uma boa saúde mental. É lógico que o envelhecer traz muitos desafios, algumas doenças são mais comuns no envelhecimento, algumas doenças que às vezes levam a incapacidades físicas ou alteração na nossa lucidez, na cognição, são as mais comuns. Isso não significa que o idoso que tem hipertensão ou que tem osteoartrite, que ele não possa ter um envelhecimento saudável, ele pode ter, contanto que ele tenha capacidade de se readaptar, a gente fala hoje da questão da resiliência, de se adaptar frente aos problemas e mesmo assim, com um pouco de limitação funcional, ele conseguir ter seus desejos, seus anseios, os seus objetivos de vida, conseguir ser uma pessoa feliz, ter um sentido para a vida. Isso é muito importante! Algumas coisas são naturais no envelhecimento e não são patológicas, né? O cabelo branco, a pele perde um pouco o tônu,s você tem um pouco mais de flacidez, a função dos rins diminui um pouco, se não fizer atividade física regular eu tendo a perder mais massa muscular, mas são coisas naturais do envelhecimento, que normalmente não vão lhe transformar numa pessoa doente, você vai continuar sendo um idoso saudável.
O que é importante para que se consiga este envelhecimento saudável?
O envelhecimento saudável está muito relacionado a hábitos de vida, infelizmente na população existe uma cultura de procurar soluções mágicas e soluções fáceis para questões que são complexas, que não são unifatoriais. Não existe uma coisa só que vai determinar que eu envelheça bem, é um conjunto de coisas que estão muito mais relacionadas a hábitos de vida. A gente vê muito na população geral, “ah, eu vou tomar um complexo de vitaminas”, “eu vou tomar uma pílula que a vizinha tá tomando, que é feita de uma especiaria de não sei aonde que disseram que ajuda a não envelhecer”, então a gente está sempre procurando soluções fáceis. Essa automedicação, com essas medicações ‘milagrosas’, esses multivitamínicos, não vão levar a um envelhecimento saudável. A reposição de vitaminas e algumas medicações são necessárias com indicação médica, e quando tem deficiência. O que vai trazer um envelhecimento saudável são hábitos de vida saudáveis e que não vão começar na terceira idade. Se eu trago o hábito saudável de minha adolescência, de minha vida adulta, a chance de me tornar um idoso com uma saúde física e mental melhor é maior. O grande exemplo disso é a atividade física, um dos pilares do envelhecimento saudável. A gente sabe que com o envelhecimento existe a tendência de perda de massa muscular e óssea, e das complicações maléficas que isso tem, a osteoporose, a perda de funcionalidade, o aumento de risco de queda, fraturas… mas se eu faço atividade física regular, eu vou ter uma massa muscular maior, uma chance maior de alcançar a longevidade com maior eficiência funcional, menor risco de queda, menor risco de osteoporose. A gente sabe, hoje, que a atividade física é uma das formas de prevenir demências, por exemplo, a doença de Alzheimer, e é uma coisa muito temida, a perda dessa lucidez. A atividade física também reduz o risco das doenças cardiovasculares, outro grupo de doenças que tira muita qualidade de vida do envelhecer, idosos ativos, que fazem atividade física regular, tendem a controlar melhor quando têm hipertensão, têm um risco menor de ter diabetes. A alimentação saudável é outro pilar importante, mas não seguindo modismos. É uma alimentação equilibrada, sem muito sal, sem excesso de gordura, rica em frutas, legumes, uma alimentação mais natural, mas também não ir para extremos, lembrar que a alimentação também é uma fonte de prazer. Outra coisa que eu quero falar é a busca da felicidade, tenho de cuidar do meu corpo e de minha alimentação, mas eu tenho que ter um sentido para vida, eu tenho que buscar a felicidade, eu tenho que ter objetivo, ter uma vida ativa, ter sonhos, ter desejo. Nos preocupa muito quando vemos aquele idoso muito isolado, sem atividade, sem um planejamento.
Em sua avaliação, a forma como a sociedade olha o envelhecimento alimenta a dificuldade das pessoas em lidar com esse processo?
Um dos fatores que influenciam as pessoas a terem uma visão negativa do envelhecimento é a forma como a sociedade vê, existe um preconceito com o envelhecimento, existe uma associação muito negativa. Na pandemia a gente pôde vivenciar isso, na forma como os idosos foram tratados, como se o idoso não tivesse o direito de decidir “olha, eu quero ir no mercado, tem um horário específico, vou colocar a máscara…”. A gente teve na pandemia exemplos claros de como não é respeitada essa autonomia do idoso, como é associado às vezes a coisas negativas. Tinha alguns comentários, “é um vírus que só mata idoso”, então a pandemia jogou isso em nossa cara, como a sociedade tem uma visão preconceituosa, até querendo proteger, muitas vezes existe muito desrespeito. Eu vivenciei isso, principalmente nos mais longevos, acima de 80 anos, eu tive familiares que basicamente determinaram que seus pais não iam sair de casa, sendo que seus pais estavam completamente lúcidos e ativos. Eu entendo a preocupação e o amor, mas eu tive de chegar para alguns filhos: ‘seu pai é uma pessoa lúcida, que está ativa, você não pode confinar ele num apartamento, não pode passar por cima da autonomia dele’. Tive pacientes que diziam: “doutor, meu filho falou que é só um ano”. Mas o que é um ano na vida de uma pessoa que já tem 85 anos? Então sem dúvida, eu acho que a gente tem que repensar como a gente vê o envelhecimento, ver com naturalidade e com mais respeito.
Quais são as doenças que mais desafiam os profissionais da geriatria na busca por esse envelhecimento saudável?
As doenças que estão mais associadas à perda de qualidade de vida no envelhecimento, que é um dos focos da geriatria, estão basicamente em grupos. As doenças osteoarticulares, a artrose é uma doença que acaba limitando, então fazer atividade física regular, ter um acompanhamento médico para evitar que essas doenças incapacitem. Às vezes aquela dor no joelho que não melhora, aquela dor no ombro que não melhora, que eu vou empurrando com a barriga e não resolvo, quando precisaria fazer um fortalecimento muscular, talvez perder peso, fazer uma fisioterapia, para que daqui a cinco, dez anos, meu braço, minha perna, continue com a mesma funcionalidade. As doenças cardiovasculares, que são muito perigosas porque a gente tem doenças silenciosas, então os hipertensos, os diabéticos, os dislipdêmicos, que têm colesterol alto, eles muitas vezes são assintomáticos, não sentem nada… A atividade física faz parte, a reeducação alimentar, até o tratamento medicamentoso com orientação profissional, senão pode ter um risco maior de ter um acidente vascular cerebral, uma doença que pode piorar a qualidade de vida dele muito rápido, fazer com que ele perca o movimento de um lado do corpo, fazer com que ele evolua para um quadro de demência. Outro grande desafio, porque está entre as principais causas de mortalidade no envelhecimento são as doenças oncológicas, o câncer. A gente sabe que o envelhecimento é um fator de risco para câncer e a gente sabe que tem como prevenir o câncer de mama nas mulheres, com a mamografia, o câncer de intestino no homem e na mulher, com a pesquisa de sangue oculto nas fezes, com uma colonoscopia, tendo acompanhamento com urologista… O cigarro, que está muito associado a vários tipos de câncer, então a gente conversar com nossos pacientes, orientar sobre os riscos e tentar fazer com que eles parem de fumar. As doenças neurodegenerativas, outro grupo que também apavora, principalmente quando a gente usa aquela palavra Alzheimer. Uma das coisas que mais assustam os idosos é perder a lucidez, e essas são doenças muito prevalentes com envelhecimento. Para essas, infelizmente, a gente não tem armas de prevenção tão importantes como na oncologia tem, como as doenças cardiovasculares têm, mas a gente já sabe muitas coisas sobre elas, então a gente volta para aquela questão básica dos hábitos de vida. A gente sabe que o idoso ativo, que faz atividade física regular, o idoso que se alimenta bem, o idoso que tem uma saúde mental boa, que não tem muita solidão, que tem uma vida social, ele tem um risco menor de ter essas demências e outras questões da saúde mental, como a depressão, que também afeta principalmente os idosos com comorbidades e piora muito a qualidade de vida. Então a gente sabe que ter uma vida social ativa, essa questão das atividades em grupos, tanto atividade física como atividade da faculdade da terceira idade que a gente tem aí hoje, tudo isso vai atuar preventivamente sobre esses grupos de doenças que tanto afetam a qualidade de vida no envelhecimento.
E quais são os principais avanços na área de geriatria nos últimos anos?
Na área de geriatria, os avanços são nessa direção de como ajudar esse idoso a ter um envelhecimento saudável, não necessariamente em tecnologias, em procedimentos ou em novas medicações, mas em ajudar esse paciente idoso a ter hábitos saudáveis, a fazer atividade física regular, a ter uma boa alimentação, a buscar sentido para a vida dele. A gente fala muito, o idoso que tem uma vida ociosa, o idoso que é muito só, é muito solitário, os estudos mostram um adoecimento maior. Da evolução da medicina, as vacinas são um grande avanço para a gente evitar doenças, a pneumonia, a gripe, acabamos de ver o covid, a importância que a vacina teve, mesmo sendo desenvolvida de forma tão rápida. Além disso, tem a evolução em outras áreas, fazendo com que os idosos consigam viver mais. Antigamente os quimioterápicos eram muito tóxicos, então fazer quimioterapia para um idoso era complexo, hoje com a evolução da quimioterapia, com a terapias-alvo, com a imunoterapia, tem idosos que conseguem combater o câncer, viver mais tempo com qualidade de vida, graças à evolução dos tratamentos quimioterápicos. Os procedimentos cirúrgicos eles estão cada dia menos invasivos, antigamente a gente precisava cortar a barriga, 10, 15, 20 centímetros, hoje em dia a gente tem a cirurgia videolaparoscópica, a gente tem as cirurgias endovasculares, que são menos invasivas e que conseguem resolver problemas que antigamente a gente precisava de procedimentos muito invasivos. E por que isso é importante na geriatria? O idoso é mais sensível aos procedimentos invasivos, a quimioterapias agressivas, eles sofriam mais, tinham um risco de morte maior, perda de qualidade de vida. Hoje a medicina olha para isso, tanto a oncologia, como a cardiologia, como a cirurgia vê o paciente idoso como um paciente especial, que merece um cuidado maior.
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