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Próteses mudam a vida de pacientes e elevam a autoestima

Os recursos para oferecer a reabilitação facial são obtidos por meio de doação

Publicado segunda-feira, 15 de abril de 2024 às 05:47 h | Atualizado em 15/04/2024, 06:37 | Autor: Jane Fernandes
Custo da prótese é elevado e repasse do SUS muito baixo
Custo da prótese é elevado e repasse do SUS muito baixo -

Pessoas que passaram por remoção de tumores de pele ou de boca e vítimas de acidentes diversos são os principais beneficiados pelo conjunto de procedimentos denominado de reabilitação facial. Uma das etapas fundamentais do processo de recuperação funcional de um rosto com alguma mutilação é a implantação de uma prótese facial, cujo acesso ainda é restrito no Brasil.

Este é o processo no qual Marlene Farias de Menezes, 67 anos, está imersa atualmente, com previsão de conclusão no início de julho. As sequelas que motivam a reabilitação facial foram decorrentes da recidiva do câncer em 2008 - o primeiro tumor surgiu em 1999, foi tratado até a remissão completa e a paciente recebeu um enxerto.

Há 16 anos, Marlene perdeu o globo ocular e as pálpebras superior e inferior do olho esquerdo. Desde então, fez inúmeras tentativas de conseguir a prótese reparadora pelo SUS (Sistema Único de Saúde), sempre sem sucesso. Vale lembrar que essa reabilitação também não é coberta pelos planos de saúde.

Uma nova esperança surgiu em 2018, quando ela viu uma reportagem na TV falando sobre o Instituto Mais Identidade. A Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) só conseguiu uma sede em 2021, mas luta pela ampliação do acesso à reabilitação desde 2016. Marlene é a segunda pessoa da Bahia a ser contemplada.

Marlene foi a São Paulo para fazer a colocação dos pinos de fixação da prótese e agora está em Salvador aguardando a cicatrização. No final de junho ela retornará à capital paulista para realizar a cirurgia de implantação da prótese. “O uso de tampão ocular agride e irrita muito a pele. No tempo de calor, a pele fica muito vermelha”, conta, acrescentando o impacto que a reabilitação terá sobre sua autoestima.

Se tudo correr como planejado, o acesso à reabilitação facial será reforçado na Bahia. O Mais Identidade está alinhando uma parceria com o Hospital Aristides Maltez (HAM), unidade de referência no tratamento de câncer, para simplificar o atendimento de pacientes do estado, com a realização das intervenções em Salvador mesmo. No momento, todas as etapas do tratamento requerem o deslocamento para São Paulo.

Custo elevado

O HAM realiza procedimentos do tipo, mas em escala bastante reduzida, segundo o coordenador do Departamento de Cabeça e Pescoço, Lucas Silva. Ele explica que o custo das próteses é bem elevado e o repasse do SUS é muito baixo, frente ao investimento em material e tecnologia para a produção dessas peças. Uma vez que a parceria seja consolidada, o acesso às próteses deve ser ampliado e treinamentos com a equipe serão realizados.

Embora o público leigo muitas vezes pense nas próteses como soluções estéticas, o resultado é sobretudo funcional. “A gente não se imagina sem um olho, sem o nariz, sem uma orelha. Se você imaginar que, sem isso, a pessoa vai na rua e todo mundo vai ficar ali olhando… Então é reinserção social, você voltar à sua vida normal”, defende.

“Da mesma forma com uma prótese na boca. O paciente precisou tirar o céu da boca, o palato, ele não vai conseguir se alimentar direito, a voz dele vai ficar fanhosa, então com a prótese ele vai ser reabilitado, vai voltar a comer melhor, vai voltar a falar melhor. Então a prótese é reabilitação!”.

Presidente do Instituto Mais Identidade, o cirurgião-dentista Luciano Dib reforça o argumento, comentando ter acompanhado várias histórias de pessoas “que tinham uma atividade de contato com público e não podiam no período em que estavam sem a reabilitação”. Após a colocação das próteses, etapa central do processo, esses professores, recepcionistas e músicos mencionados voltaram a trabalhar normalmente.

Um exemplo é o primeiro paciente atendido pela entidade na Bahia, o assistente social Fábio Eça de Oliveira, 46, morador de Apuarema, a 340 km de Salvador. Após a cirurgia para retirar um tumor no maxilar esquerdo - na quarta recidiva desde o seu primeiro diagnóstico de câncer - ele ficou com a visão monocular e uma mutilação no rosto. Só conseguiu retomar o seu trabalho e sua vida social plena após conseguir a prótese, que não lhe devolveu a visão, mas reabilitou sua face.

Segundo Dib, a parceria com o Aristides Maltez se dará nos moldes já realizados com um hospital de Natal (RN) e o Hospital do Amor, localizado na cidade paulista de Barretos, a pouco mais de 400 quilômetros da capital. “A gente vai até lá, realiza os procedimentos pré-cirúrgicos, os procedimentos de escaneamento da face e vem para São Paulo”, conta.

No retorno ao Instituto, é feita a impressão do protótipo, para então a equipe retornar ao município onde o paciente estava em tratamento e fazer a implantação da prótese. Referindo-se aos casos citados acima, Dib completa: “Fizemos o que a gente podia fazer a distância, depois voltamos para entregar essa nossa tecnologia, que a gente chama de tecnologia Mais Identidade”.

Recursos para próteses são obtidos em doações

Embora a implantação da prótese seja o ponto central do processo de reabilitação, seu sucesso depende de diversas outras etapas, envolvendo uma equipe multidisciplinar. Outro ponto importante é a necessidade de acompanhamento vitalício, pois o indicado é que a prótese passe por manutenção a cada dois anos, período no qual às vezes é necessário até mesmo realizar a troca.

Segundo o presidente do Instituto Mais Identidade, Luciano Dib, o atendimento oferecido pelo Instituto é integral, incluindo cuidado psicológico e serviço social, com a identificação de benefícios aos quais o paciente às vezes não sabia ter direito. “Além da reabilitação física, a gente trabalha muito com o psicossocial, que representa um número grande de atendimentos para cada paciente”, comenta.

A depender da área específica reabilitada pode haver a necessidade de fisioterapia, a exemplo dos casos nos quais o abrir e fechar a boca ficou debilitado após a ocorrência que gerou a demanda por prótese. Nestas situações, conta o cirurgião-dentista, é preciso uma fisioterapia mastigatória.

Atualmente, 40 pessoas do estado de São Paulo estão cadastradas no Instituto à espera de uma prótese, situação compartilhada por 18 moradores de outras partes do Brasil. Dib comenta que a demanda é muito grande, bem superior à capacidade de atendimento da entidade, que desde 2021 reabilitou cerca de 200 brasileiros oriundos de diversos estados.

O processo digital para desenvolvimento das próteses simplificou o processo e reduziu o tempo necessário, mas os custos de produção continuam sendo elevados.

“Os materiais são importados, corantes, pigmentos, o próprio silicone”, ressalta Dib, acrescentando que o trabalho de reabilitação envolve uma equipe de quase 20 pessoas dedicadas exclusivamente ao atendimento dos pacientes no Instituto.

Os recursos para oferecer a reabilitação facial são obtidos por meio de doação de pessoas físicas e jurídicas. Os interessados em apoiar o Mais Identidade devem acessar o site maisidentidade.org.br.

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