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Uso da ozonioterapia como tratamento divide opiniões entre entidades

Sanção presidencial autorizando técnica como prática complementar é alvo de críticas e posicionamentos

Publicado segunda-feira, 14 de agosto de 2023 às 06:40 h | Autor: Jane Fernandes
Técnica só pode ser feita com aparelho regularizado pela Anvisa 

Sanção de Lula reabre debate sobre a ozonioterapia, mas não amplia os usos para além da odontologia e estética

Na foto: Máquina de ozônio

Foto: Olga Leiria / Ag. A TARDE

Data: 10/08/2023
Técnica só pode ser feita com aparelho regularizado pela Anvisa Sanção de Lula reabre debate sobre a ozonioterapia, mas não amplia os usos para além da odontologia e estética Na foto: Máquina de ozônio Foto: Olga Leiria / Ag. A TARDE Data: 10/08/2023 -

A sanção presidencial da Lei 14.648/23, autorizando a prática da ozonioterapia como procedimento de caráter complementar, trouxe à tona o debate sobre o método que consiste na aplicação, por diferentes vias, do gás ozônio no organismo humano. A decisão contraria a carta aberta publicada pela Academia Nacional de Medicina pedindo que o presidente Luís Inácio Lula da Silva vetasse a lei aprovada pelo Congresso no mês passado. 

A Academia sinalizou não ter conhecimento de trabalho científico que comprove a eficácia da terapia com ozônio em nenhuma circunstância e defende a prática como nociva e com risco à saúde. Após a aprovação, a Associação Médica Brasileira também divulgou um posicionamento contrário, apontando a falta de evidências científicas para que o tratamento deixe de ter caráter experimental.

O Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), em nota, reforça que o texto da legislação não “contradiz os termos da Resolução nº 2.181/2018, do Conselho Federal de Medicina (CFM), que continua em vigor, sendo que a autarquia mantém grupo de trabalho específico que avalia a eficácia e a segurança do uso da ozonioterapia”. 

A resolução citada decide “considerar a ozonioterapia como procedimento experimental para a prática médica, de acordo com as fundamentações contidas no anexo desta resolução, só podendo ser realizada sob protocolos clínicos de acordo com as normas do sistema CEP/Conep (instância avaliadora da ética em protocolos de pesquisa), em instituições devidamente credenciadas”. 

A Lei 14.648 determina que a ozonioterapia só pode ser realizada por “profissional de saúde de nível superior inscrito em seu conselho de fiscalização” e que o responsável pela aplicação deve informar ao paciente sobre o caráter complementar do procedimento. Além disso, a legislação determina que a aplicação da técnica só pode ser feita com equipamento regularizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). 

Conforme divulgado pela Agência, até o momento, os equipamentos aprovados possuem somente indicações nas áreas de odontologia e estética. Na primeira, os usos citados são tratamento da cárie dental - ação antimicrobiana, prevenção e tratamento dos quadros inflamatórios/infecciosos, potencialização da fase de sanificação do sistema de canais radiculares e auxílio no processo de reparação tecidual pós-cirurgia. Na estética, a aplicação é de auxílio à limpeza e assepsia de pele.

“Apesar de não haver equipamentos de produção de ozônio aprovados pela Anvisa para uso em indicações médicas no Brasil, visto que ainda não foram apresentadas evidências científicas que comprovem sua eficácia e segurança, novas indicações de uso da ozonioterapia poderão ser aprovadas pela Agência, no caso de novas submissões de pedidos de regularização de equipamentos emissores de ozônio, desde que as empresas responsáveis apresentem os estudos necessários à comprovação de sua eficácia e segurança”, completou a Anvisa. 

Apesar das observações, antes mesmo da regulamentação da prática, a ozonioterapia foi incorporada à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, junto com a constelação familiar, a imposição de mãos e a hipnoterapia, entre outras. Na portaria 702/2018, o ozônio é apresentado como indutor de “estresse oxidativo controlado e moderado quando administrado em doses terapêuticas precisas”.

Segundo explicado no documento: “a molécula de ozônio é molécula biológica, presente na natureza e produzida pelo organismo sendo que o ozônio medicinal (sempre uma mistura de ozônio e oxigênio), nos seus diversos mecanismos de ação, representa um estimulo que contribui para a melhora de diversas doenças, uma vez que pode ajudar a recuperar de forma natural a capacidade funcional do organismo humano e animal”.

Aplicações

A  ozonioterapia tem uso regulamentado pelo Conselho Federal de Odontologia desde 2015. O necessário é que o profissional faça um curso de capacitação na técnica, conta o presidente do Conselho Regional de Odontologia da Bahia, Marcel Arriaga. “Tem vários dentistas fazendo procedimentos que têm dado certo. Como todo procedimento, tem gente mal preparada que faz e tem gente bem preparada que faz”, pondera.

Professor da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, o cirurgião bucomaxilofacial Márcio Marchionni explica que os resultados do ozônio são provocados pelo estímulo à resposta do organismo humano. “Como ele é um agente é oxidante, ele estimula os agentes antioxidantes que nós temos nas células, principalmente no interior das mitocôndrias”, o que leva a uma melhora do desempenho das células. 

Entre as aplicações, Marchionni ressalta o emprego da ozonioterapia no controle de infecções, por conta do seu poder bactericida, e sua ação como agente anti-inflamatório, modulando inflamações, especialmente na fase aguda, além de acelerar o processo de cicatrização. Segundo afirma, nas grandes plataformas de literatura médica não faltam pesquisas respaldando o uso do método. 

“Nós já temos alguns artigos publicados também tanto de experimentos clínicos, quanto de experimentos científicos”, argumenta o professor, lembrando que “o ozônio não é um tratamento por si só, é um tratamento adjuvante”. Na sua prática clínica, as formas mais comuns de ministrar a ozonioterapia são com uso de óleo ozonizado e insuflando o gás em tecidos moles. 

Para o cirurgião, um aspecto fundamental para o sucesso da ozonioterapia é a dosimetria adequada, pois como agente oxidante, é um agressor. “Tem que ser aquele estímulo que seja uma agressão mínima para que os tecidos reajam”, enfatiza. Outro ponto é o grau de debilitação do paciente, pois se ele não tiver “respaldo biológico”, as células do seu corpo não conseguirão reagir ao estímulo. 

Técnica é utilizada em vasta gama de tratamentos estéticos

Enfermeira esteta que realiza tratamentos com ozonioterapia há quatro anos, Odete Silva destaca o uso no combate à gordura localizada, flacidez e estrias, e no processo de emagrecimento. Nos primeiros exemplos, a aplicação do gás é subcutânea, com uma seringa e uma agulha, mas para perda de peso a ação precisa ser sistêmica, então o ozônio é aplicado por via retal. 

Embora o comunicado da Anvisa sobre os equipamentos já aprovados mencione apenas as funções “de auxílio à limpeza e assepsia de pele”, as clínicas de estética anunciam e realizam uma vasta gama de tratamentos. 

Vários usos

“Eu digo para as clientes que ozônio é vida, porque a gente associa para poder tratar. Primeiro a gente sara, deixa o corpo saudável, e depois fica bonita”, declara Odete, contando que o método está presente em praticamente todos os planejamentos.

Óleos ozonizados são utilizados para fins estéticos, explica a enfermeira esteta, ressaltando a aplicação do óleo de rosa mosqueta com esse preparo no processo de cicatrização de pacientes que a procuram após a realização de cirurgia plástica. Num extrapolamento da estética, ela conta que também ministra ozonioterapia por via auricular, com envio do gás para o interior dos ouvidos, como tratamento terapêutico de doenças das vias aéreas superiores. 

A aplicação de ozonioterapia em animais foi regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária há quase três anos, conforme Resolução 1.364/2020, e a realização do procedimento é exclusividade dos profissionais da área. A resolução determina que o uso da técnica deve ser “autorizada expressamente pelo proprietário, responsável ou tutor do animal, mediante Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”. 

“As indicações da ozonioterapia são variadas e devem sempre seguir critérios técnicos que garantam a segurança e eficácia para o tratamento da doença ou agravo específico, na dose e via indicada, seja de forma isolada, adjuvante ou complementar”, explica a vice-presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária da Bahia, Rebeca Dantas Xavier Ribeiro. A avaliação deve ser feita caso a caso, sempre buscando garantir a segurança e a eficácia, complementa.

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