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SAÚDE

“Vamos ser otimistas e esperar que isso passe", diz cientista e médico baiano

Por Luiz Lasserre

18/05/2020 - 13:41 h | Atualizada em 18/05/2020 - 19:49
Dr. Elismar é formado em Farmácia e Medicina pela Universidade Federal da Bahia, com pós-graduação em Endocrinologia na Universidade de Sorbonne (França) e no Instituto Rockfeller (EUA).
Dr. Elismar é formado em Farmácia e Medicina pela Universidade Federal da Bahia, com pós-graduação em Endocrinologia na Universidade de Sorbonne (França) e no Instituto Rockfeller (EUA). -

O cientista e médico baiano Elsimar Coutinho chega hoje aos 90 anos. Figura de destaque na cena científica brasileira e internacional, o dr. Elsimar é uma daquelas figuras ousadas que despertam reações distintas por conta de trabalhos inovadores desde o início da carreira, entre a contestação e a admiração. Mas ninguém há de negar a importância deste baiano na cena da Medicina, com atuação destacada atendendo pacientes, na cátedra universitária, autor de mais de 400 trabalhos publicados em revistas internacionais e seis livros.

Nascido em Pojuca, é formado em Farmácia e Medicina pela Universidade Federal da Bahia, com pós-graduação em Endocrinologia na Universidade de Sorbonne (França) e no Instituto Rockfeller (EUA). Atualmente, preside o Centro de Pesquisas e Assistência em Reprodução Humana (Ceparh) e é diretor da Clínica Elsimar Coutinho. Nesta entrevista, em que respondeu por áudios no WhatsApp a perguntas encaminhadas por e-mail, ele fala da trajetória em mais de seis décadas de atividade ininterrupta, da oposição enfrentada pelas ideias inovadoras e também do difícil momento na saúde pública com a crise do novo coronavírus.

Após tantos anos de atuação como cientista e médico, o que o sr. destaca como maior legado de seu trabalho?

Tendo desenvolvido formas de tratar diversas patologias, poderia selecionar alguma e dizer: “Olha, isso aqui foi muito importante ou aquilo”. Mas eu atuei em diversos ramos da Medicina, particularmente os relacionados com doenças endócrinas. A Endocrinologia, que é a minha especialidade, estuda os hormônios, que regulam o comportamento do animal, incluindo o sexual e reprodutivo, Sem hormônio não haveria reprodução. Tiveram momentos em minha vida em que cada coisa que eu fiz de novo teve uma repercussão extraordinária.

Como foi o começo?

O primeiro trabalho que teve repercussão gigantesca foi o desenvolvimento de um anticoncepcional injetável que não existia, quando descobri que eu usando uma progesterona modificada podia fazer com que as mulheres não engravidassem porque paravam de ovular. Isso trazia outras consequências além do efeito contraceptivo: a mulher ficava sem a tensão pré-menstrual (TPM), com comportamento de grávida, sem ovular nem menstruar. Então me especializei na área do governo hormonal na mulher e aprendi um monte de coisas com as minhas pacientes.

Isso tudo em um contexto bem diferente do que se pensa hoje...

Naquela época, ninguém tinha proposto suspender a menstruação, achavam que era uma coisa “saudável” – se a mulher chegasse aos 15, 16 anos sem ter menstruado diziam “ah, ela tem alguma coisa errada”... Não viam os benefícios, porque a menstruação é a principal causa de anemia nas mulheres, e anemia não é pouca coisa: a mulher anêmica é menos inteligente, tem menos memória, menos beleza física, menos disposição até para namorar. Então, eu comecei a estudar bastante a menstruação, e no momento que eu perguntava aos meus professores, eles diziam: “Claro que a menstruação é uma coisa boa, isso é a saúde da mulher”, tinha até um remédio com esse nome, que as mulheres tomavam para poder menstruar direitinho (risos). Então, eu já comecei na polêmica – e de forma espetacular, porque quando vi que eu podia suspender a menstruação e as mulheres melhoravam, e que eu podia fazer isso pelo tempo que eu quisesse, dependendo da dose de progesterona, foi uma coisa que me tirou o sono por dias: como é que eu ia colocar isso em uso? Eu tinha uma clientela enorme na maternidade em que trabalhava, tinha a proteção do diretor, que era o professor de obstetrícia Deodato Filho, que compreendeu que, se eu tivesse sucesso, ele também ia ficar famoso porque era no serviço dele que aquilo estava sendo desenvolvido. E eu comecei a oferecer às minhas pacientes que se queixavam muito de hemorragia, a dar uma injeção da progesterona cujo efeito anovulatório eu descobri. Essas pacientes que não estavam grávidas e que eu dava o remédio para que não menstruassem me diziam que era uma coisa maravilhosa, e eu pensei: “Estou com alguma coisa aqui que realmente não existe na Medicina”.

Mas o sr. tinha noção do que enfrentaria com suas ideias, sim?

Sim, eu sabia que seria polêmico porque os meus colegas mais velhos diziam: “Você pode fazer mal a elas”. E eu perguntava: “Qual? Elas são mulheres anêmicas, elas vão é ficar curadas da anemia”. E eles: “Ah, você está mexendo com a natureza, a mulher tem que menstruar”. Por isso resolvi estudar a menstruação, li tudo que existia na literatura médica. E ouvi a defesa que os meus mestres faziam da menstruação como uma “sangria terapêutica”. A sangria era um instrumento que meu pai usava. Como qualquer outro médico do tempo dele, levava sempre uma lanceta, porque como não tinha remédio para baixar a pressão, sangrava-se o paciente, todo médico aprendia a sangrar: cortava uma veia e deixava sangrar até a pressão baixar. É uma história comprida, mas não é nada comparado com o que eu fiz depois. Porém, foi por aí que começou a aumentar a minha confiança e eu ia soltando a coisa aos pouquinhos, nas minhas aulas na faculdade, eu era assistente de ginecologia obstetrícia e era professor de bioquímica na Faculdade de Farmácia, ensinava nas duas e tinha, portanto, know how para poder fazer remédio que não existisse.

O sr. enfrentou muitas adversidades?

Sim. Estava desenvolvendo o método anticoncepcional injetável, quando os fabricantes lá nos Estados Unidos ainda nem pensavam em contracepção, e aí o dono da empresa veio aqui com a equipe dele toda, em avião fretado, para me convencer a não divulgar que o produto impedia a ovulação porque eram católicos e a Igreja era contra o uso da pílula anticoncepcional, lançada há pouco tempo. A coisa piorou alguns anos depois quando biólogos nos Estados Unidos demonstraram que o hormônio injetado em cobaias provocava câncer. E eles de novo vieram atrás de mim para fazer a defesa, porque eu já usava o produto há quase dez anos e nunca tinha tido um só caso de câncer. E eles me chamaram para fazer uma exposição para senadores e deputados no Congresso norte-americano. E eu fui para Washington, pequenininho ainda, novo, e passei dois dias lá fazendo a defesa. O produto foi liberado e essa defesa está em um livro regularmente republicado por lá.

Como o sr desenvolveu a técnica dos implantes?

Os implantes vieram depois, eu usei justamente para minimizar os efeitos negativos do uso de hormônios por muito tempo. Se eu tivesse um veículo que impedisse que o hormônio fosse metabolizado in totum quando fosse ingerido ou injetado, eu podia dar pequenas doses, como o ovário faz, como o testículo faz, liberando o hormônio devargazinho. Conheci implantes em tubos de polietileno em uma aula sobre tratamento de câncer, em que o cirurgião mostrou um tubo de silicone usado na liberação de substâncias tóxicas para eliminar células cancerígenas e pensei: “Isso vai ser ótimo para eu colocar testosterona em homem!”. A testosterona não funciona bem por via oral e a gente aplicava uma injeção intramuscular, doía muito e o efeito durava no máximo 72 horas. Arranjei umas cobaias entre os meus colegas mesmo e funcionou bem, embaixo da pele, na nádega, no começo eu botava no braço. E tinha um obstáculo, pois quando dava a primeira injeção para anestesiar o local em que ia colocar o tubinho, muitos homens passavam mal. É muito mais difícil tratar homens que mulheres, eles se emocionam, às vezes até desmaiavam só de ver a seringa em minha mão [risos]. Depois, comecei a colocar os anticoncepcionais também dentro dos tubinhos para as mulheres deixarem de tomar a pílula todos os dias, ou não esquecerem de tomar. Os implantes passaram também a ser amplamente usados, desenvolvi meia dúzia de anticoncepcionais que são colocados com implantes. E não só anticoncepcionais, como por exemplo os hormônios que mulheres usam na menopausa para não acabar o casamento, estradiol e testosterona, que a gente implanta uma dose mínima, corresponde a um comprimido por ano.

Alguma tese do sr. com o tempo foi revista e deixada para trás?

Nenhuma. As teses que eu defendi, e que eram combatidas, não são mais porque os médicos que faziam objeção a elas, que estavam acostumados com o que encontraram quando se formaram, eles reviram a interpretação que eles tinham a respeito do fenômeno. Por exemplo, suspender a menstruação foi muito combatido naquela época, a Igreja era contra, os outros médicos diziam que era “coisa da natureza”, mas que natureza? Então, morrer é bom porque é da natureza? Essa tese foi reconhecida como o maior avanço do século na fisiologia. A Medroxiprogesterona é hoje o anticoncepcional mais usado do mundo, barato, de longa duração, não falha. Hoje, todos os países da África oferecem como anticoncepcional gratuito.

Como cientista médico, o que o sr. recomenda para combater a crise da Covid-19? O isolamento social é mesmo necessário?

Não é só necessário: é a única coisa que a gente tem com certeza para combater o contágio. Só depende de querer fazer. A gente não tem antibiótico que funcione, não tem sulfas que tenham um efeito que possa ser diversificado para todo mundo que tiver a doença. Enquanto não houver realmente uma conscientização da população para evitar o contágio, a gente vai continuar com esses números. Mas também não vai continuar eternamente, porque com a presença constante do vírus na população, irá começar a aparecer resistência à doença, e aí se poderá tirar proveito disso. A Medicina está trabalhando intensamente nisso. O que enriquece laboratório farmacêutico no mundo é desenvolver produto em um momento como esse, porque eles vão vender ao mundo todo, pelo preço que pedirem, isso enriquece a indústria farmacêutica e eles estão loucos, procurando, testando, verificando o que fazer. Eu acho que antes do fim do ano a gente vai ter antibiótico ou algum derivado, uma sulfonamida, alguma coisa dessa que funcione no caso desse vírus. Outra coisa é que o próprio vírus que vai se multiplicando, ele pode perder a virulência dele, é um desgaste. Como nas famílias em que nascem atletas, por exemplo, mas depois os descendentes não vão ser os mesmos atletas do passado porque se comportam, digamos assim, de maneira diferente na ingestão e no uso da comida. Quem já leu a respeito das pestes provocadas por vírus sabe que o negócio acontece assim e depois acaba. Estão saindo alguns livros, inclusive eu mandei buscar um que saiu agora nos Estados Unidos e que já está sendo lançado no Brasil, fazendo comparação com outras pestes do passado, a bulbônica etc.

Como o sr. avalia o momento atual?

Estamos no pico da crise, que é mais médica do que outra coisa, pois tendo médicos e hospitais disponíveis, isso aí alivia bastante. Nenhum país escapou dessa peste, ninguém pode dizer que o Brasil foi uma vítima, coitado... Deu na América do Sul, na África, América do Norte, países ricos da Europa, todos sofreram as consequências, o número de pessoas mortas tem sido mais ou menos o que está ocorrendo no Brasil, o percentual maior de pessoas idosas ou que tenham outros problemas de saúde. E observem que não se dá um desconto: dizem morreram 200 mil, mas não dizem quantos já morreriam se não tivesse essa peste – e você teria um desconto aí de pelo menos 30%. Mas, de qualquer maneira, eu sou otimista. Acho que nós iremos sair dessa como saímos das outras. E que, mais cedo ou mais tarde, nós iremos ter, se não uma vacina, algum outro tipo de tratamento que atenue as consequências de ser portador do vírus. E ficar em casa é a primeira medida que as pessoas têm que prestar atenção. Não saiam da televisão para saber em que pé estão as coisas e, certamente, deixem as festas para depois que o vírus passar. Evitem qualquer tipo de acúmulo de pessoas. Eu estou fazendo aniversário, mas não vou festejar, minha família é grande, todos gostariam de estar comigo, como estão todo ano, mas este ano nós não vamos ter contato físico. Eu não estou perto, mas continuo ao alcance do telefone e todos os meus pacientes continuam sendo atendidos em todos os consultórios (São Paulo, Salvador, Brasília, Rio, Belo Horizonte). Então, vamos ser otimistas e esperar que isso passe. Porque vai passar.

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