VESTIBULAR
"Sicko", de Michael Moore, faz crítica ao sistema de saúde norte-americano
Por João Carlos Sampaio
Quando o cineasta norte-americano Michael Moore ganhou popularidade com o sucesso de Tiros em Columbine, em 2002, surgiram também os primeiros detratores do seu trabalho. O documentário, que tratava do porte de armas de fogo na sociedade norte-americana, foi acusado de uma visão passional e manipuladora. Cinco anos e dois filmes depois a discussão parece esvaziada, especialmente com Sicko - S.O.S. Saúde.
O título deste filme é uma variação do termo sick, que quer dizer "doente". De cara, o cineasta já expõe a sua opinião sobre o tema deste seu terceiro documentário de longa-metragem, que trata sobre seguridade social e saúde nos Estados Unidos. Ao emitir uma constatação pessoal, Moore sublinha o seu jeito de se aproximar dos assuntos que aborda, sempre com uma intervenção particular e direta.
O polêmico Michael Moore também costuma aparecer em frente às câmeras em todos os seus filmes, ele é o protagonista de todos os documentais. Não pelo tempo em que é visto, mas porque opta pelo discurso em primeira pessoa, com suas mordazes observações pontuando e comentando as suas narrativas. Por isso não cabe comparar este tipo de documentário que ele propõe com o formato tradicional, onde existe uma simulação e um jogo que tenta esconder o olhar do diretor.
Puro – Partindo da idéia de que ao definir um tema e trabalhar com as suas variantes e recortes escolhidos é uma intervenção, é óbvio que não existe o documentário puro, livre da presença do seu autor. Nem mesmo a respeitada linha do Cinema Direto, que surgiu na própria escola documental norte-americana, alcança essa limpidez da observação. Moore assume isso e usa a sua figura para aquecer o debate.
Sicko - SOS Saúde tem Moore o tempo inteiro. É a sua obra mais madura, muito superior ao anterior Fahrenheit 11 de Setembro (2004), que foi duramente condenado pela maneira como a informação é manipulada pelo diretor, embora tenha alcançado bilheterias enormes, especialmente por ter sido lançado no ano da última campanha presidencial nos EUA.
Sicko - SOS Saúde questiona as razões pelas quais os Estados Unidos, a nação mais rica do mundo, é também uma das poucas a não socializar a saúde pública. Mostra casos extremos das armações secretas dos planos de saúde para evitarem os gastos com os segurados. Denuncia como o governo trata os doentes e como questões meramente econômicas são colocadas em primeiro plano, muito acima da vida e morte das pessoas.
COMENTÁRIOS – Moore não se isenta de comparar o sistema norte-americano com o vizinho Canadá, e com países europeus, como a França e a Inglaterra, onde a saúde é gratuita e de elevado padrão. Ao tempo em que se aprofunda no funcionamento dos sistemas dos outros países, surgem os comentários irônicos e as demonstrações de surpresa e indignação, que se sobressaem durante todo o discurso.
Na mais ousada iniciativa do filme, Moore viaja de barco com um grupo de heróis do 11 de Setembro que foram abandonados pelo governo e estão doentes. A proposta é ir até o presídio de Guantánamo, supostamente o único lugar em solo americano que oferece tratamento de saúde de graça e com qualidade.
Atrás da irônica idéia de que os heróis merecem, pelo menos, o mesmo tratamento que recebem os supostos terroristas, Moore reserva uma passada surpreendente em Cuba, país que sofre com os embargos econômicos de Tio Sam. Até em terras aparentemente inóspitas para os americanos, o diretor e os doentes que transporta são melhor tratados do que em seu próprio país.
Moore articula o discurso não como quem apresenta informações e registros documentais conferidos em pesquisas. Ele tem uma tese e a partir dela busca os argumentos para a sua defesa. Pode-se questionar a legitimidade da prática, mas nunca a habilidade do diretor para criar uma narrativa atraente e até divertida.
Os seus filmes têm essa marca, de não abdicarem da comicidade - muitas vezes do humor negro - para tratar de assuntos polêmicos, sérios e contundentes. Outra vez Michael Moore acerta no tom e no ritmo.
Consegue criar uma obra informativa, como devem ser os documentários, mas contaminada pela sua própria presença, que está sempre entre acidez crítica e a ironia quase cínica. Há o mesmo sentido de adesão que as outras obras pedem, mas desta vez com uma leveza maior e espantosamente divertida diante de um tema grave.
sicko - s.o.s. saúde | De Michael Moore | Multiplex Iguatemi 1, SaladeArte-Cinema da Ufba e SaladeArte-MAM | Livre
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