DESCASO
Poluição da Tronox condena gerações no litoral norte; Veja a denúncia
Fábrica de pigmentos contamina o ar e o lençol freático há décadas e ignora legislação
Por Alan Rodrigues
Na comunidade de Areias, localizada no distrito de Arembepe, em Camaçari, várias gerações de moradores padecem de doenças gravíssimas. Câncer, problemas respiratórios, de pele, têm uma incidência muito acima do normal.
Todos são unânimes em apontar a poluição emitida pela fábrica de pigmentos, instalada em 1966 às margens do litoral norte, como responsável pelos prejuízos à saúde da comunidade ao longo das últimas décadas.
E não é difícil perceber que a desconfiança tem fundamento. Hoje conhecida como Tronox, a fábrica que já teve os nomes de Tibrás, Millenium e Cristal, é alvo de uma denúncia movida pelo Ministério Público (MP), por descumprimento de um TAC (termo de ajustamento de conduta)
No acordo, firmado há 10 anos, a empresa se compromete a monitorar a emissão de poluição no ar e no subsolo. Em maio deste ano, o MP reabriu o inquérito que deu origem ao TAC, após reportagem do jornal A TARDE. O objetivo era comprovar o cumprimento das ações pactuadas.
Ao longo desse tempo, a empresa tem obtido repetidas licenças ambientais junto ao Inema (Instituto Estadual do Meio Ambiente). Desde que foi notificada pelo MP, a empresa vem relutando em apresentar laudos que comprovem o controle dos resíduos lançados no ar e no subsolo.
Os representantes legais da Tronox alegam que laudos foram entregues ao Inema que, por sua vez, sempre responde que os documentos utilizados para a concessão e renovação das licenças se encontram em poder da “área técnica”.
Olho nu
No meio desse jogo de empurra, os moradores do entorno continuam a conviver com a poluição e as doenças. Funcionários do posto de combustíveis que funciona em frente à empresa confirmam o forte odor que vem da fábrica e contam que, nas primeiras horas da manhã, uma verdadeira nuvem de fumaça se espalha por todo o local, deixando a vegetação esbranquiçada.
A poucos metros dali, moradores de Areias acumulam relatos de problemas de saúde. Severina Alves veio da Paraíba aos 12 anos e vive no local há 44 anos. Há 20, teve câncer de tireóide e, desde 2018, convive com um câncer de mama. Ela conta que muitas pessoas preferem esconder a doença.
“Muita gente aqui tem (câncer) mas não querem falar, mas tem muitos que fazem tratamento comigo no Aristides Maltez”, diz Severina, que, assim como a maior parte dos moradores mais antigos, bebeu água de cisterna, portanto, do subsolo, por anos. “(A Tronox) sempre pegavam amostra da água, mas nunca voltaram pra dar resultado”.
Eugênio Neves não teve câncer, as sua vida foi marcada pela doença e ele não tem dúvidas de que a Tronox, ou a antiga Tibrás, está diretamente relacionada com as suas perdas.
“Perdi uma esposa, perdi um filho. Moro em Areias há 42 anos e sempre teve essa poluição. Eles ficam mentindo para a população que tirou, mas continua a poluir”.
Apesar de consumir água encanada, Eugênio ainda tem em casa a cisterna que por anos abasteceu sua família e fica indignado quando faz a limpeza do equipamento, devido ao acúmulo de ácido no fundo. “Se beber água da cisterna fica doente. Todo mundo que bebeu água de cisterna aqui ficou doente”.
Campo do aço
E não é apenas pelo consumo de água que a contaminação se dá. Maria Lúcia dos Santos se mudou para Areias em 1992 e lembra das descargas de fumaça liberadas pela antiga Tibrás na madrugada. Depois de anos respirando esse ar contaminado, ela apresentou fraqueza nas pernas, sangramento nos ouvidos, tosse seca e, após muitos exames, recebeu o diagnóstico. Dois pulmões comprometidos. “A médica perguntou se eu fazia uso de alguma substância e disse que se eu não morresse ficaria com sequelas”.
Agnaldo da Silva trabalhou 26 anos na Tibrás e, como ele mesmo conta, soube de muita coisa que não podia falar. Perdeu a mãe para o câncer e viu muitos outros padecerem da mesma doença. “Morreu muita gente de câncer no sangue, problemas nos ossos”, recorda.
Outro ex-funcionário da empresa é Manoel Tavares. Quando trabalhava na Millenium, era responsável pela manutenção das bombas que extraíam resíduos do subsolo, hoje desativadas, após a mudança de nome para Tronox. Uma dessas bombas fica no antigo campo de futebol de Areias.
“A gente jogava aqui e com o tempo foi sentindo choque debaixo dos pés. Tinha uma cisterna que a moça foi lavar o cabelo e a água deixou ela careca”, conta Manoel. O local, hoje cercado, integra uma área de proteção ambiental (APA) e exibe os vestígios da contaminação. Parte do solo está revestida por uma crosta metálica. Em alguns pontos alagados pela água da chuva, uma espécie de resina de aspecto brilhante, flutua em meio à vegetação e um forte odor se alastra por todo o local. Esse acúmulo de água e resíduos tem como destino o rio Capivara, que deságua em Arembepe.
Carlos Cardoso, músico, vive na comunidade desde 1994 e, em 2008, teve diagnosticado um câncer nos ossos, que resultou na amputação de uma de suas pernas. Para ele, resultado direto do consumo de água de cisterna, quando ainda não havia abastecimento de água em Areias.
No terreno onde ele mora, o acúmulo de água torna visível a contaminação, com uma nata brillhante e o mal cheiro que impregna todo o ambiente. “O grande erro da empresa foi não ter alertado as pessoas para não beberem água do subsolo que estava contaminado, o que já é evidente aqui”.
Confira a reportagem produzida pelo A Tarde Play mostrando as denúncias envolvendo a empresa Tronox:
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