MAR DE DIVERSÃO
A Pequena Sereia traz oceano de diversidade e acerta com Halle Bailey
Mesmo com falhas, filme já é um dos melhores live-actions da Disney
Por Bianca Carneiro
Cada novo anúncio de live-action da Disney é acompanhado de reclamações. De um lado, adultos receosos, que querem que nada seja mudado em seus queridos clássicos de infância. Do outro, críticos de cinema que, em contrapartida, apontam falta de ousadia nas adaptações. Mas nenhuma produção recente do estúdio gerou tanto burburinho quanto “A Pequena Sereia”, que chega às telonas no Brasil, nesta quinta-feira, 25, ao qual o Cineinsite A TARDE assistiu a convite da Disney.
O anúncio da atriz e cantora Halle Bailey, dessa vez, foi alvo da descrença, mais por parte do público. Usando a mera desculpa de que a Ariel da animação de 1989 é branca e ruiva, a internet foi palco de pactos racistas que falavam em “lacração”, “falta de representatividade ruiva” e até “racismo reverso”. Pois bem, perde apenas quem escolher não ver o novo filme por simples preconceito de uma sereia preta, afinal, a ótima performance de Bailey mostra que o seu nome foi uma decisão mais do que acertada para o longa, que já é o melhor live-action da Disney desde Aladdin.
E tirando a diferença na aparência, que em nada prejudica o filme, o enredo, inspirado no conto de Hans Christian Andersen, é praticamente o mesmo da animação de 89. A sereia Ariel (Bailey) se sente um peixe fora d'água por causa da sua curiosidade pelo mundo humano. O excesso de proteção despejado pelo pai, o Rei Tritão (Javier Bardem), e o amor pelo príncipe Eric (Jonah Hauer-King) fazem a jovem buscar a ajuda nada confiável da bruxa do mar, que por acaso é sua tia, Úrsula (Melissa McCarthy). Mas o preço é alto: para subir à superfície, ela deve abrir mão da própria voz, e se não conseguir fisgar o príncipe em três dias, será condenada a virar uma serva eterna da vilã.
Mas isso não quer dizer que o live-action não traga novidades. A produção corrige trechos machistas e problemáticos na animação de 89. Se a Ariel de antigamente levava a má fama de “princesa menos feminista”, por abandonar o belo fundo do oceano como cantarola Sebastião em “Aqui no Mar” (Under the Sea) - por um príncipe, a sereia de Halley é mais audaciosa, sonha com o mundo humano antes disso e quer outras possibilidades. Para isso, por exemplo, foram cortados trechos do musical “Pobres Corações Infelizes” (Poor Unfortunate Souls), de Úrsula, que diziam que homens preferem mulheres “quietinhas”.
E a Ariel, além do amor por Eric, continua sendo bem explorada até nos momentos em que ela mesma fica sem voz. Na parte mais desafiadora da história, os roteiristas Jane Goldman e David Magee pensaram bem ao utilizar recursos como os diálogos internos da sereia. A canção autoral e exclusiva "For the First Time" faz um grande acerto ao trazer o primeiro contato de Ariel, uma criatura que vive no fundo do mar e sempre sonhou em conhecer o mundo dos homens, com esse universo.
Para além da própria independência de Ariel, o filme também aprofunda a relação dela com Eric. Halle e Jonah tem uma química forte em cena e convencem como almas inquietas, conectadas e perfeitas uma para a outra, trazendo ainda uma pitada de mistério sobre a origem do príncipe. A releitura também dá mais motivação para Tritão desprezar os seres humanos e, consequentemente, querer proteger Ariel, e transforma a confusão com Úrsula em “caso de família”, afinal, o filme agora deixa claro que a bruxa do mar é irmã do rei dos sete mares e tia de Ariel.
Mergulho certeiro
Um grande acerto do filme é a repaginada no príncipe Eric, que ganha mais personalidade, especialmente em seu solo inédito, do veterano de musicais, Lin Manuel Miranda, “Wild Uncharted Waters”. A canção, inclusive, pode ser uma aposta para o Oscar. A trilha sonora original de Alan Menken, responsável pela animação de 89, está lá com atualizações nas performances, algumas funcionam bem, mas outras nem tanto.
Mostrando que foi uma escolha mais do que acertada, Halle Bailey brilha em Part of Your World, alcançando com facilidade as notas mais altas. Não faltam carisma e desenvoltura da atriz nas cenas em que ela contracena com os personagens imaginários em CGI, algo que deixou a desejar na performance de Emma Watson como Bela em “A Bela e a Fera” (2017).
Falando do CGI, A Pequena Sereia se sai melhor do que “Rei Leão” (2019) ao conseguir trazer animais com feições realistas, mas com mais expressividade. A dinâmica entre Sebastião (Daveed Diggs) e Sabidão (Awkwafina), assim como na animação, segue como uma das melhores do live-action. No entanto, a decisão de tirar a função de “maestro marinho” de Sebastião é questionável, ao passo em que faz dele apenas a babá de Ariel.
A voz de Awkwafina causa estranheza na dublagem e a atriz e rapper acaba refém da persona cômica no pássaro, até na canção autoral "Scuttlebutt", interpretada por ela.
Quanto a Javier Bardem como Rei Tritão não há muito o que falar. A interação dele com Bailey é boa, mas a sensação é de que o personagem poderia aparecer um pouco mais. Melissa McCarthy não entrega muito diferente da caricatura do que a própria ùrsula é, em si, tanto em trejeitos, quanto em atuação. O bônus fica por conta do roteiro nesta parte, que ao intensificar o conflito entre a bruxa do mar e o rei, acaba exigindo um pouco mais dos artistas.
Faltou aprofundar
O carisma de Sebastião e Sabidão não chegou, infelizmente, a Linguado (Jacob Tremblay), que, assim como na animação de 89, ficou de lado em boa parte do filme, mas dessa vez, sem o visual fofo que fez o peixinho uma das pelúcias com maior sucesso de vendas da Disney. A falta do traço cartunesco dos três escudeiros de Ariel, é aliás, um dos pontos que podem incomodar aos mais nostálgicos. As formas mais realistas de Linguado e Sabidão exigem tempo para se acostumar. No entanto, Sabichão se sai bem, talvez por o público já estar acostumado com pássaros semelhantes vistos em outros live-actions da Disney como “Mogli” e “Rei Leão”.
Apesar de devolver o protagonismo a Ariel, a batalha contra Úrsula volta a terminar de maneira apressada e conveniente. Na verdade, o terceiro ato, em si, denuncia uma falta maior de planejamento que abafa os principais acontecimentos e o medo de ousar no roteiro pode ser mais sentido nessa parte.
Os cenários no fundo do mar e seu CGI em alguns momentos exigem da visão do espectador, devido aos cenários escuros. Mas a falha é compensada pelas sequências ensolaradas, e felizmente, o número de Aqui no Mar traz, em grande parte, o mesmo colorido da animação 2D, embora primeiro comece sem graça e só depois empolgue. De resto, não faltam cabelos esvoaçantes embaixo d’água e um bom uso dos tentáculos de Úrsula, que são quase membros à parte do corpo da vilã.
E afinal, para quem protestou contra uma Ariel preta, pode se preparar, pois a Disney trouxe um oceano inteiro de diversidade: com sereias e realezas negras, asiáticas e indianas. A Pequena Sereia não pretende reinventar a roda, e mesmo com as falhas estruturais, vale o mergulho nos cinemas. Já entra dignamente na disputa, junto com “Mogli” (2016), “Cinderela” (2015), "A Bela e a Fera" e "Aladdin" (2019) pelo título de melhor live-action da Disney.
Confira os horários das sessões do filme no Cineinsite A TARDE.
Assista ao trailer
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