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ROUBAR A QUEM SE AMA

Elis & Tom - Só Tinha de Ser com Você revisita disco marco

Doc de Roberto de Oliveira traz imagens de todo o processo de criação e deixando um gosto de quero mais

Por João Paulo Barreto | Especial A TARDE

24/09/2023 - 0:30 h
Paulinho Braga, baterista de Elis: “O Tom abraçava a Elis e eles ficavam em um amor. Mas aquilo é um outro tipo de amor”
Paulinho Braga, baterista de Elis: “O Tom abraçava a Elis e eles ficavam em um amor. Mas aquilo é um outro tipo de amor” -

“Só se pode roubar a quem se ama”. A frase é do compositor e maestro russo Igor Fyodorovich Stravinsky. Proferida por Tom Jobim, durante uma conversa com Elis Regina, em 1974, ela ganha contornos de um Brasil essencialmente musical quando o maestro soberano canta, ao lado da pimentinha, a canção Caco Velho, de Ary Barroso, outro mestre.

“Você gosta do Ary Barroso?”, pergunta Elis. Tom, naquele jeito conhecidamente cativante de olhar para cima enquanto sorri, responde: “Adoro!” Entre risos, ela replica: “Você gosta mesmo é do Villa-Lobos, né”?

Continuando a afinar o violão que acabara de tocar, Tom reflete por um par de segundos e diz: “Eu gosto muito do Villa-Lobos. Villa-Lobos, o Ary Barroso, o Pixinguinha são meus monstros sagrados. São as pessoas a quem eu copio. Só se pode roubar a quem se ama”, crava Jobim, bebericando de um copo de uísque – seu olhar encontrando a câmera.

O momento foi captado por Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay, que estavam presentes em um estúdio de Los Angeles há quase cinquenta anos, e registravam, em imagens que seriam eternas, um potente recorte da música brasileira.

No caso, trata-se da gravação do disco Elis & Tom (1974), que reuniu os dois símbolos em um uníssono. Elis & Tom - Só Tinha de Ser com Você, filme lançado comercialmente agora por Oliveira, apresenta ao espectador parte dessas imagens capturadas em estúdio.

Ao serem analisadas sob uma tentativa de se ficar distante de qualquer romantismo poético, tais imagens registram o caminho de "pau, pedra e resto de toco" que se percorre para o alcance de uma obra-prima.

“Toda obra de arte tem essa tensão, esses momentos de conflito. Isso é normal em toda obra coletiva”, afirma Roberto de Oliveira em entrevista ao jornal A TARDE.

“A euforia que veio depois é a partir do momento em que os talentos reconheceram e tudo começou a ficar muito bonito. A montagem (do filme) veio de um material que era muito fragmentado, porque a gente estava lá meio como voyeurs dentro do estúdio. Isso porque era um estúdio de gravação de áudio. Então, a câmera não tinha como se movimentar muito. Não podia fazer barulho. Por isso, estávamos muito discretos. Quase como clandestinos, sabe? Com imagens roubadas, assim”, relembra o diretor que, também, era amigo pessoal de Elis e trabalhou como seu empresário.

Paus e pedras

A euforia que Oliveira cita se faz presente nos momentos de alegria em que Tom, Elis e toda a equipe técnica por trás do disco escutam a versão finalizada de Águas de Março, cuja letra, em uma liberdade narrativa utilizada aqui, simboliza um pouco do processo de criação desse disco pilar.

Elis & Tom - Só Tinha de Ser com Você aborda muito dessa busca de um equilíbrio entre os dois. Passa por caminhos de paus, pedras e tocos para alcançar uma estrada suave.

Em falas captadas hoje por pessoas como o arranjador e pianista César Camargo Mariano, marido de Elis à época e que, agora, comenta no filme sobre o clima da reunião inicial com Tom Jobim, esses espinhos no caminho se apresentaram de forma bastante pontiaguda.

O maestro, profundo conhecedor do mercado musical estadunidense e do processo de gravação em estúdios locais (lá se iam muito anos de experiências do criador da Bossa Nova com diversos nomes, tais quais Dizzie Gillespie, Charlie Byrd, Gerry Mulligan e Frank Sinatra, para citar apenas alguns), fez questão de deixar claro que Mariano seria humilhado pelos executivos locais ao se propor, com vinte e poucos anos, a ser o arranjador de um disco de Tom Jobim.

Para o maestro, aquele não era um disco de Elis com Tom sendo um convidado, mas, sim, um trabalho que teria ele como arranjador e pertencente aos dois. Mariano, no entanto, acabou sendo o arranjador da obra.

O filme aborda um pouco do processo de criação tenso entre Regina e Jobim trazendo, em depoimentos de Cesar Camargo Mariano, um pouco da tensão oriunda das cobranças de Tom, como quando ele se surpreendeu pela presença de um baixo elétrico ao invés de um acústico, bem como de um piano elétrico, ao qual ele se referiu utilizando junto ao que chamou de "piano de pau", o que gerou tanto surpresa quanto ironia em Tom Jobim por ouvir aquela descrição para um instrumento que ele julgava maravilhoso.

Elis, entre esse conflito dos dois, absorveu a tensão daqueles dias, o que acabou por tornar o processo ainda mais difícil para ela, que aparece roendo unhas no estúdio, exalando nervosismo e, em alguns momentos, em embates junto a Tom. Conhecida por ser uma mulher de personalidade forte (o apelido "Pimentinha", que lhe foi dado por Vinicius de Moraes, confirma isso), chegou a cogitar voltar ao Brasil, abandonando o projeto. Mas logo o processo avançou.

Doce Elis

Roberto de Oliveira, amigo de longa data de Elis, rebate essa impressão de que ela era uma pessoa difícil, trazendo, aqui, uma exata definição do sentimento de autoproteção que a cantora sempre buscou.

“A Elis era uma pessoa muito doce, ao contrário do que parecia. Na verdade, ela levou muita porrada a vida inteira. Foi muito assediada. Porque ela era uma criança prodígio. Ela cantava daquele jeito desde pequenininha. Se você procurar no YouTube, tem lá uma gravação dela imitando cantoras da época. E é impressionante! Ela devia ter 14 anos”, pontua o diretor.

“A Elis chamava muito atenção. Ela era muito assediada. E ela não tinha uma estrutura de proteção em torno dela, sabe? Então, a maneira que ela tinha era dar pontapé, bater, chutar para se defender (risos). E isso a marcou muito. Mas ela era uma pessoa muito doce. Tão doce como a música dela, como a arte dela, e as pessoas vão perceber isso no filme", define o cineasta.

Elis & Tom - Só Tinha de Ser com Você, em sua montagem, acaba, também, por trazer um foco dramático a essa trajetória de Elis, abordando logo em seu primeiro ato a partida precoce da cantora em 1982, apenas oito anos após a gravação do disco. A escolha causa estranheza, mas acaba não ofuscando o resultado final, uma vez ainda teríamos muito das imagens da gravação do disco ainda a serem trazidas pelo documentário.

Mesmo que a expectativa prévia ao lançamento comparasse o filme ao Get Back, que Peter Jackson lançou em 2021, a proposta de Roberto de Oliveira, aqui, é outra.

E mesmo que Tom e Elis sejam artistas de um apelo internacional, focar somente no encontro dos dois em estúdio, sem as inserções de entrevistas e contextualizações temporais, talvez não funcionasse como sendo o produto final. Trazer a história deles de maneira individual ajuda o filme a criar um diálogo com novas gerações, vale salientar.

Em certo momento, quando vemos a versão de O Que Tinha de Ser, clássico de Tom e Vinicius, Elis canta com tamanha paixão que explode de alegria ao terminá-la, abraçando e beijando Jobim em comemoração pelo êxito.

É daqueles momentos que valem todo o filme. Aquele amor puro entre dois gênios perfeccionistas e que enterra qualquer rumor imbecil de ódio entre ambos. “O Tom abraçava a Elis e eles ficavam em um amor. Mas aquilo é um outro tipo de amor que às vezes é difícil de entender. Isso é um outro amor. É um amor musical que transcende. Acho que é o amor mais puro que tem”, frisa Paulinho Braga, baterista da banda de Elis e um dos entrevistados do filme.

“Só se pode roubar a quem se ama”, disse Tom parafraseando Stravinsky. Elis roubou de Tom. Tom roubou de Elis. Tá explicado.

Elis e Tom, Só Tinha de Ser com Você / Dir.: Roberto de Oliveira / Com Elis Regina Antonio Carlos Jobim, César Camargo Mariano, Frank Sinatra / Salas e horários: cinema.atarde.com.br

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