ENTREVISTA EXCLUSIVA
Em Salvador, diretor Kleber Mendonça celebra novo filme e Cine Glauber
Diretor fez cinema histórico lotar, na noite de terça-feira, 23, e conversou com público
Por Bianca Carneiro
O Cine Glauber Rocha ficou pequeno para a pré-estreia de “Retratos Fantasmas”, na noite desta terça-feira, 22. A sessão especial contou com a presença do diretor Kleber Mendonça Filho, que, em seguida, participou de um bate-papo com o público, junto com Emilie Lesclaux, produtora do longa-metragem.
Aplaudido no último Festival de Cannes, a obra traz o passado e o presente de cinemas de rua do Centro de Recife, transformados em ruínas, igrejas ou lojas. Ao Cineinsite A TARDE, ele disse não ser contra o cinema multiplex de shopping, mas sim, um defensor da “diversidade das salas de cinema”.
“Eu acho que o ideal na vida é você equilibrar várias coisas, não é? Você ter diversidade, ainda mais na nossa sociedade que é diversa. O Brasil tem múltiplas camadas sociais, e o cinema de multiplex ele chegou já como uma coisa da elite. Os ingressos são muito caros, a pipoca é muito cara. O estacionamento do shopping é caro, então é muito importante que as cidades tenham uma outra possibilidade de ver cinema. Eu não sou contra o multiplex, mas eu não gosto do multiplexer ser a única possibilidade disponível”.
Glauber Rocha é uma presença incontornável no cinema brasileiro
“Eu tenho ouvido muito a pergunta, por causa do filme agora: ‘você acha que as salas de rua vão voltar?’ Eu não acho que elas vão voltar. Elas são fruto de um momento do século 20, onde, na verdade, elas eram pontos de venda, não do mercado. Mas as cidades mais inteligentes e mais sensíveis conseguiram salvar salas históricas”, completa.
“Retratos Fantasmas” entra em cartaz oficialmente no Brasil e em Portugal, nesta quinta-feira, 24. Em setembro, o longa participará do Festival de Toronto, no Canadá, na categoria Wavelengths, para “filmes que expandem nossas noções sobre cinema”.
Apesar de ser nomeado como pertencente ao gênero de documentário em sites de cinema, Kleber rejeita o rótulo. O diretor diz ainda que o filme se comunica com diversas cidades de dentro e fora do Brasil, que possuem uma realidade parecida com Recife em relação aos cinemas de rua e as outras diversas tramas abordadas.
“As pessoas vão preparadas para ver um documentário, não é exatamente um documentário, é uma outra coisa. Não sei exatamente ainda o que é. Mas eu estou muito feliz com o lançamento, de ver porque também tem uma coisa: é um filme sobre o Recife, mas você vai pegar o Recife e adaptar para Salvador que existe em você, entendeu? Ontem eu estava em Fortaleza, falaram a mesma coisa. Gente que falou lá nos Estados Unidos. Então existe uma possibilidade de você se identificar. Muitas histórias são contadas no filme”, explica.
Alçado a eventos e ao sucesso internacional com o meteórico “Bacurau”, em 2019, Kleber sai da ficção para entrar no mundo real na produção. Ele diz que tem se surpreendido com a lotação das salas para o filme.
“Eu tento não construir expectativas, mas o que eu posso dizer é que eu tenho ficado bem impressionado com a reação ao filme. A gente vem mostrando já há quase duas semanas nas salas, a maior parte, todas elas lotadas até agora. Eu acho que as pessoas. Ficam um pouco surpresas com o filme, não é? Não é Bacurau 2”, alerta ele.
Essa presença na Praça Castro Alves, de frente para a Bahia, é algo muito especial. Eu não conheço outra sala de cinema num lugar histórico, no entorno histórico e de frente para uma baía como esse
Os Glauber de Mendonça
Coincidência ou não, a pré acontece justo no dia 22 de agosto, aniversário de 42 anos da morte do baiano Glauber Rocha. Isso também no cinema que homenageia o diretor, localizado no Centro Histórico de Salvador. Kleber, que disse não acreditar em coincidências, afirmou que vê características dos filmes de Glauber em Bacurau.
“Glauber Rocha é uma presença incontornável no cinema brasileiro. E é curioso porque, por questões típicas do cinema brasileiro, eu só fui conhecer Glauber já adulto, eu não cresci vendo Glauber porque não estava disponível [...] Muito interessante como o ‘Dragão da Maldade' [O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de 1969], eu acho que ele está de alguma maneira em Bacurau. E é algo completamente incontrolável, que vem naturalmente, como se fizesse parte do DNA”, diz.
Mas além do Glauber cineasta, outro Glauber, dessa vez, o espaço do Cine, também foi marcante para Kleber. Ao Cineinsite A TARDE, ele compartilhou suas memórias sobre o local e relembrou quando o cinema, em ruínas, exibiu uma projeção da sua obra “Vinil Verde”.
“Eu vim aqui quando ainda era as ruínas do Guarani. Houve um tipo de despedida e de reinício a partir do projeto que ia começar. Então, houve uma projeção ainda com as paredes, mas sem teto. E você conseguia ver perfeitamente o cinema, as pinturas de Carybé na parede, que sobreviveram lá embaixo [...] Essa presença na Praça Castro Alves, de frente para a Bahia, é algo muito especial. Eu não conheço outra sala de cinema num lugar histórico, no entorno histórico e de frente para uma baía como esse. Todos os meus filmes passaram aqui”, afirma.
As pessoas vão preparadas para ver um documentário, não é exatamente um documentário, é uma outra coisa
Em um paralelo com o próprio lançamento, “Retratos Fantasmas”, o diretor destaca que a preservação do Glauber, um cinema de rua, é fundamental para manter viva a diversidade de produções cinematográficas e proporcionar um ambiente de formação e descoberta para jovens interessados em cinema.
“É um espaço que deve ser não só festejado, mas protegido pela cidade de Salvador, pelo governo baiano, não é? Porque é um espaço de cultura. O filme é muito sobre isso também, o retrato fantasma numa época onde a cultura, ou pelo menos a ideia de cinema, foi deslocada para o shopping center, que é um espaço privado, que parece com qualquer lugar no mundo, não é? E o Glauber não parece com nenhum outro lugar no mundo, não é pelo tipo de prédio, mas pela presença do Centro Histórico. Então, é um lugar que prega a diversidade no cinema, você vê de filme australiano, dinamarquês, francês e brasileiro a filme da Barbie. Eu gosto dessa diversidade, é um espaço de formação. Onde você tem muito estudante, muita gente jovem descobrindo o cinema no Centro Histórico de Salvador. Então é incrível esse lugar”, diz.
Confira o trailer de Retratos Fantasmas:
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