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Filme com Anthony Hopkins aborda dilemas sociais nos EUA dos anos 1980
“Armageddon Time” é obra clássica de amadurecimento que possui forte subtexto racial
Por Rafael Carvalho | Crítico de cinema
Nos Estados Unidos do nascer dos anos 1980, o jovem Paul (Banks Repeta) cresce em uma família judia em meio à Guerra Fria e às portas da eleição do republicano e conservador Ronald Reagan. “Armageddon Time”, filme do aclamado cineasta norte-americano James Gray, exibido na Mostra de Cinema de São Paulo, é uma história de formação e amadurecimento conduzida com classe e apuro técnico.
Paul é um garoto esperto, um tanto atrevido e questionador, mas em certa medida gentil. É sob seu olhar que o filme registra uma época de mudanças na sociedade americana e faz isso questionando certos valores morais que serão postos no caminho do personagem. Logo de início, vemos o garoto começando as aulas em uma escola pública, dada a condição financeira emergente de sua família – imigrantes poloneses que vieram fugidos da ameaça nazista tempos atrás.
Ali na escola, Paul constrói uma amizade com Jhonny (Jaylin Webb), um garoto negro de uma família muito humilde. É o tipo de amizade aparentemente improvável, mas que ganha corpo pela união espontânea dos dois, já que ambos sofrem bullying no colégio. É claro que por motivos diferentes, já que a questão racial impacta mais a vida de Jhonny. O filme observa essa relação com apreço e simpatia, mas sem deixar de sublinhar as brutais diferenças sociais que existem entre eles.
Enquanto crescem os embates ideológicos e comportamentais de Paul com seus pais (vividos por Anne Hathaway e Jeremy Strong), o garoto desenvolve laços muito fortes com seu avô, interpretado pelo grande Anthony Hopkins. O patriarca da família parece ser a única pessoa que Paul escuta na sua sanha rebelde de questionar certas moralidades de uma sociedade prestes a entrar em um momento de maior conservadorismo com a chegada de Reagan ao poder.
Este é certamente o filme mais político de James Gray. Seus dramas intimistas já foram mais intensos, em filmes anteriores como “Amantes” e “Ad Astra”, enquanto “Armageddon Time” possui uma estrutura mais clássica e uma cadência mais branda, mas nem por isso deixa de ser uma obra menor do cineasta. Gray usa a história de Paul – que se mistura às suas próprias lembranças quando criança – para observar um ponto de virada de uma sociedade e suas desigualdades latentes. É o retrato de uma época, um filme de formação, mas sobretudo um peça moral sobre os valores que queremos construir como coletivo social.
O peso da guerra
Outro retrato de juventude, dessa vez mais brutal e inserido em um contexto totalmente diverso, é apresentado no drama de guerra “Nada de Novo no Front”. A obra é dirigida pelo cineasta alemão Edward Berger e, produzida pela Netflix, já está disponível na plataforma de streaming.
O filme é mais uma adaptação do aclamado livro homônimo escrito por Erich Maria Remarque no final dos anos 1920 sobre a Primeira Guerra Mundial – a obra já tinha ganhado uma ótima adaptação para o cinema com o filme norte-americano de Lewis Milestone, em 1930. Esta nova versão é uma bela e portentosa revisita ao material original que coloca em xeque os valores da guerra, sobretudo em relação à vida dos jovens.
É bastante conhecido o fato de que muitos alemães, a maioria deles adolescentes que mal tinham terminado seus estudos, alistaram-se no exército com muita empolgação e vontade de lutar pela pátria. Imaturos, mal sabiam eles dos horrores e provações que teriam de sofrer nas trincheiras. É com essa animação que Paul (Felix Kammerer) e seus amigos se alistam – ele chega a falsificar a assinatura dos pais para poder se apresentar ao exército, à revelia da família, num arroubo de malandragem adolescente que lhe custaria muito caro.
“Nada de Novo no Front” é um filme muito eficiente ao retratar, de um lado, essa sanha juvenil que vai dando lugar ao sofrimento e à destruição do sonho patriótico, e do outro, os esforços oficiais para se encerrar aquele conflito que estava levando a Alemanha à bancarrota, além da perda de milhões de vidas dos soldados.
O ator Daniel Brhül vive um político alemão que tenta negociar o armistício com o lado francês, na corrida contra o tempo para que a carnificina não seja maior. Mas o grande destaque do filme fica por conta de Paul e de seu brutal amadurecimento diante dos horrores da guerra.
*O jornalista viajou com apoio da organização do evento.
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