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SILÊNCIO NO SET

Henrique Dantas finaliza filmagens de Jardim do Silêncio

Cineasta vai lançar seu 1º longa de ficção, uma abordagem sobre as reconstruções possíveis a partir do luto

Por João Paulo Barreto | Crítico de cinema

21/05/2023 - 9:00 h | Atualizada em 21/05/2023 - 11:55
O ator baiano Fabricio Boliveira, protagonista, e seu par romântico no filme, interpretado pela atriz italiana Frederica De Benedittis
O ator baiano Fabricio Boliveira, protagonista, e seu par romântico no filme, interpretado pela atriz italiana Frederica De Benedittis -

Profícuo documentarista, com filmes como Filhos de João - Admirável Mundo Novo Baiano (2009), Sinais de Cinza - A Peleja de Olney contra o Dragão da Maldade (2013), A Noite Escura da Alma (2015) e Dorivando Saravá - O Preto que Virou Mar (2019), o cineasta Henrique Dantas, ao falar sobre o que o atraiu a se lançar em seu primeiro projeto de ficção, explica que foi algo para além da atração que o levou à execução de Jardim do Silêncio, estreia ficcional com sua assinatura tanto na direção quanto no roteiro.

“Não posso chamar de atração. Talvez seja melhor empregar a palavra necessidade”, afirma Dantas em entrevista exclusiva ao A TARDE. A ideia de abordar o processo do luto, tema central de Jardim do Silêncio, longa-metragem cujas filmagens terminaram recentemente e, agora, segue em fase de montagem, surgiu de uma experiência pessoal do diretor à época em que trabalhava em Sinais de Cinza.

“[Na época], começou um processo muito estranho de mortes sucessivas em torno de mim e que me deixou muito confuso. Eram tios, o filho de amigos, a avó de minha companheira, amigos. Depois da quinta morte, eu não conseguia mais chorar nos enterros, independente do grau de parentesco que tivesse com a pessoa”, relembra Henrique.

“Tive que parar a montagem e, como meus filhos estavam pequenos, fiz um tratamento de amor com eles. De colo, de afeto. Um intensivo de amor de família, mesmo. Minha família acabou me curando de minhas aflições”, pontua o diretor.

Lidar com a morte

Jardim do Silêncio, que tem a produção executiva de Eliane Ferreira, começou a ser construído na mente do cineasta na época em que o longa sobre Olney era exibido em festivais. O filme surgiu como uma reflexão de Henrique sobre as questões existenciais atreladas à morte e ao luto, além de uma construção de personagens cujos traumas oriundos da ditadura militar no Brasil afligem não somente aqueles que sofreram torturas como, também, seus descendentes.

“Como meus trabalhos são muito envolvidos com a ditadura militar, comecei a criar a história de Tuã, um médico negro, baiano, que vive na Europa desde o final da década de 1970, por conta do assassinato de seu pai e das torturas que sua mãe sofreu ao ser presa. Ele se especializa em oncologia infantil”, explica Dantas. “Com isso, se torna uma pessoa mais fria diante da morte por conta do próprio cotidiano onde seus pacientes têm um alto índice de mortandade. O filme começa com o suicídio da mãe dele, Iara, que nunca conseguiu se recuperar das torturas que sofreu”, salienta o diretor.

No papel do médico oncologista Tuã, Fabrício Boliveira recorda que teve acesso à primeira versão do roteiro há alguns anos e que, conhecendo a carreira de documentarista de Henrique Dantas, não teve dúvidas para aceitar o convite de protagonizar Jardim do Silêncio. "Eu já conhecia os trabalhos de Henrique em seus documentários e sempre gostei. Acho o trabalho dele muito artesanal, que vai com muita minúcia na construção da história que ele quer contar. Um exemplo é Dorivando Saravá, que tem toda uma construção na Direção de Arte. É tudo muito minucioso dentro da história", explica Boliveira, que analisa essa primeira incursão de Henrique no cinema ficcional como algo que já estava nessa construção advinda da direção de arte e que se faz presente, também, em seus documentários.

“Ele já tinha muito forte essa punção para a coisa da ficção. Já tinha isso nessa outra área de diretor de arte, já tinha esse olhar para a coisa do documental, ter sempre uma história com um personagem específico. Há uma dedicação muito grande por esse personagem, por esse protagonista que ele vai observar dentro dessa história. Isso é algo que já tinha nos seus documentários. Na ficção, ele escreve o roteiro e dirige. São muitas camadas desse diretor dentro da história. Esse olhar de diretor de arte, esse olhar de documentarista e de um roteirista que ele traz é bem minucioso. Algo de quem acompanha de verdade a narrativa de alguém. E foi assim o nosso processo desde que eu entrei nesse filme”, relembra Fabrício.

Para Henrique, o personagem de Tuã se desenvolveu na escrita do roteiro através de muitas conversas entre ele e o ator que o interpreta. Boliveira leu a primeira versão do roteiro há cinco anos.

“Conversamos muito sobre qual Tuã queríamos. Eu e Fabrício mergulhamos no entendimento dessa estrutura, dessa costura entre eu, ele e uma invenção”, relembra Henrique. “A premissa é de um personagem que não embarca no luto, mas, sim, evita viver sofrimentos que surjam com a morte. De certa maneira, como ele teve que aprender a conviver com a falta, ele investe em virar uma pessoa 'amortizada' pelas mortes que passou. Uma coisa curiosa é que as vidas dos personagens, dos atores e do roteirista se misturaram diversas vezes. Tuã é uma construção que existe em algum lugar entre eu e Fabrício. Trouxemos muito do que somos para esse personagem”, explica o cineasta.

Cinema e política

Na história do médico que retorna a Ilhéus após viver por anos na Itália, a trágica perda da mãe o faz revisitar laços familiares que pareciam quase perdidos por traumas do passado. De volta ao Brasil, Tuã reencontra a avó Sina, vivida por Helena Ignez.

Em seu roteiro, Henrique constrói tais laços de maneira a pontuar reflexões que envolvem aspectos étnicos e de pertencimento dentro da religiosidade de matriz africana, além da luta contra uma sociedade racista que busca coibir pessoas negras de se destacarem profissionalmente.

“Não gosto de falar sobre se o Cinema tem ou não a obrigatoriedade de fazer alguma coisa. Mas o meu Cinema, sim! Esse tem a obrigatoriedade de trazer questões políticas e sociais para os filmes”, afirma.

“Então, colocar um médico negro e um fazendeiro negro (papel de Luiz Pepeu) em posições sociais distintas das que vivi, é lutar contra esse clichê racista que vemos ainda se repetir no cinema brasileiro. Sobre isso, Joel Zito (Araújo, cineasta mineiro) fala muito bem no seu filme A Negação do Brasil (2000). Mas é algo que ainda tem pouca atenção do cinema médio brasileiro, que, vez por outra, se aventura a fazer denúncias e acaba fazendo fetiches a partir de um olhar de classe média alta que, no Brasil, é branca”, opina o diretor.

Com parte de sua trama se passando na cidade de Orvieto, na Itália, e outra em Ilhéus, Henrique lamenta que tenha encontrado tantas dificuldades burocráticas para filmar na região do sul da Bahia, local onde cresceu. “Dialogar com a cidade de Ilhéus foi um processo muito ruim, desgastante, infértil. Tive e tentei reuniões com secretários inócuos que não tiveram e não têm nenhuma dimensão da importância de um filme de ficção, que tem uma co-produção com a Europa, para a divulgação da cidade”, denuncia o diretor.

“Para não ser de todo injusto, depois deles baterem fotos com a equipe e divulgarem apoio ao filme nas suas mídias sociais, dois empresários locais, sensibilizados pelo meu esforço e histórico no cinema, nos deram apoio. Um é meu primo, Rodrigo Mendes Mendonça; o outro é um primo de segundo grau, Zé Luiz Falcão. Sai de Ilhéus com o gosto amargo de ver a Cultura da cidade completamente abandonada, com o Teatro Municipal fechado, nenhuma sala de cinema pública, a Biblioteca Municipal sendo cedida para a polícia militar, e bandas, grupos de teatros, cineastas passando a ver navios transatlânticos nos belos horizontes de Ilhéus”, lamenta Henrique.

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