Iñárritu investiga a identidade mexicana em filme pessoal e delirante | A TARDE
Atarde > A TARDE + > CINEINSITE

Iñárritu investiga a identidade mexicana em filme pessoal e delirante

De tom felliniano, “Bardo – Falsa Crônica de Algumas Verdades” estreia em novembro nos cinemas

Publicado segunda-feira, 24 de outubro de 2022 às 13:32 h | Autor: Rafael Carvalho | Crítico de cinema
“Bardo – Falsa Crônica de Algumas Verdades” é o novo filme do aclamado cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu
“Bardo – Falsa Crônica de Algumas Verdades” é o novo filme do aclamado cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu -

Uma mulher acaba de dar à luz a uma criança sadia, mas o médico informa que o bebê está comunicando que não quer viver naquele mundo horrível e sim voltar para a barriga da mãe, desejo logo acatado pela equipe médica que empurra a criança de volta ao útero materno. Essa e outras cenas no mínimo bizarras marcam a tônica de “Bardo – Falsa Crônica de Algumas Verdades”, novo filme do aclamado cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu, apresentado na Mostra de Cinema de São Paulo.

Quatro vezes vencedor do Oscar (tem um prêmio de Melhor Filme por “Birdman (A Inesperada Virtude da Ignorância)” e outro de Melhor Diretor por “O Regresso”), Iñárritu encabeça a lista de cineastas mexicanos que fizeram a glória em Hollywood (seguido por Guillermo del Toro e Alfonso Cuarón).

Através da história do jornalista e premiado documentarista Silverio Gama (vivido por Daniel Giménez Cacho), prestes a receber um prêmio em Los Angeles por conta de seu trabalho de cunho social e denuncista, “Bardo” se mostra o filme mais pessoal de Iñárritu, uma vez que incorpora uma série de angústias que parecem ser do próprio cineasta, na medida em que Silverio incorpora o alter ego do diretor

Depois de 15 anos morando nos EUA, o documentarista retorna ao México e repassa sua trajetória, pessoal e profissional, num caleidoscópio de memórias e reflexões que se acumulam pelas quase três horas de filme. Como reafirmar a sua identidade mexicana (seja lá o que isso signifique) é a grande pergunta que o personagem se faz. O movimento de retorno a casa, adorado por muitos, desprezado por mais alguns, como na parábola do filho pródigo, faz acender todos os questionamentos do ser.

O grande atrativo do filme é a maneira sempre muito original e inventiva que Iñárritu encontra para traduzir em som e imagem as crises existenciais do protagonista (que são as suas próprias). É uma obra delirante, de base onírica, embaralhando realidade e imaginação, grandiloquente tal qual um filme felliniano em que não pesem os limites para a criação.

Imagem ilustrativa da imagem Iñárritu investiga a identidade mexicana em filme pessoal e delirante

Muitos podem chamar de pretensão e egotrip a sua encenação excêntrica – longos planos-sequência labirínticos, a representar a própria confusão mental do protagonista; outros podem vislumbrar a sagacidade criativa do cineasta na maneira de expurgar seus fantasmas por meio de filme tão estranho e elaborado. Mas o certo é que Iñárritu não nos deixa nunca indiferentes. “Bardo” estreia no próximo dia 17 de novembro nos cinemas, para chegar à Netflix pouco tempo depois.

Cinema de encontros

Outro nome que faz a cabeça dos cinéfilos de plantão é o do cineasta sul-coerano Hong Sang-soo. Difícil pensar numa edição da Mostra de São Paulo sem um filme dele, ainda mais porque o diretor é conhecido por lançar uma nova obra (às vezes duas) a cada ano. O longa da vez é “O Filme da Escritora”, mais uma peça singela e profundamente intimista que já se tornou a marca do cineasta.

Ano passado, Hong lançou “Introduction”, longa-metragem que aqui no Brasil recebeu o título de “Encontros” – e que estreou nos cinemas há pouco tempo. Curioso pensar nesse título porque “O Filme da Escritora” é claramente um filme de encontros e, mais do que isso, sua trama se potencializa porque eles são muito mais reveladores dos caminhos a serem traçados pela protagonista, uma escritora que há muito tempo não lança uma nova obra, mas gostaria de transformar um de seus livros em filme.

O cinéfilo mais acostumado ao cinema prolífico do cineasta sul-coreano talvez possa argumentar que todos os filmes de Hong são ancorados nos encontros (e, por conseguintes, nos desencontros também), na força dos acasos do cotidiano. Mas aqui, o que se passa com Junhee (Lee Hye-yeong) é que uma simples visita a uma antiga amiga, agora dona de uma pequena livraria, a leva a uma série de mudanças na maneira de ver as coisas.

A protagonista também vai se encontrar com um famoso diretor (vivido por Hae-hyo Kwon, ator habitual nos filmes de Hong), que outrora iria dirigir um filme baseado em um de seus livros, o que acabou não acontecendo. O reencontro dos dois sugeriria uma retomada no antigo projeto, mas a conversa entre eles acaba revelando rancores e desconfianças que se notam pela ironia dos diálogos.

Mas é justamente esse encontro que possibilita outro – passeando na rua, o grupo esbarra com uma jovem atriz (Kim Min-hee) e da sua conversa com a escritora, faz-se brotar uma nova oportunidade de fazer um filme, dessa vez dirigido pela romancista. No cinema de Hong Sang-soo, as possibilidades do emaranhado do cotidiano são muitas. Um viva aos acasos!

*O jornalista viajou com apoio da organização do evento.

Publicações relacionadas