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Inferninho abre a Mostra Cinema Conquista

Publicado segunda-feira, 02 de setembro de 2019 às 09:54 h | Atualizado em 02/09/2019, 09:57 | Autor: Rafael Carvalho | Especial para A TARDE | Foto: Divulgação
O filme se passa todo dentro de um bar chamado mesmo de Inferninho
O filme se passa todo dentro de um bar chamado mesmo de Inferninho -

Inferninho foi o longa-metragem exibido na noite deste domingo durante a abertura da Mostra Cinema Conquista, evento que acontece na cidade de Vitória da Conquista, distante 520 km da capital baiana. Dirigido por Guto Parente – que esteve presente durante a abertura – e Pedro Diógenes, o título do filme poderia indicar uma obra pesada e perversa, com ares de certo cinema marginal, mas o certo é que Inferninho é um filme muito amoroso.

A dupla de diretores cearenses fazia parte do coletivo Alumbramento, responsáveis por obras de baixo orçamento e alto teor de experimentação, sempre com boa circulação em festivais de cinema, dentro e fora do Brasil. Essa seria outra pista a indicar em Inferninho um trabalho de difícil assimilação, algo que também não procede. O filme é uma grata surpresa, muito consciente do seu lugar de fabulação, apostando na irreverência e na dinâmica dos atores em cena para contar uma estranha história de amor e companheirismo.

O filme se passa todo dentro de um bar chamado mesmo de Inferninho. Personagens excêntricos fazem parte do seleto grupo de frequentadores do lugar, desde um homem vestido de coelho, meio gago, passando pelos boêmios de cara embriagada e fantasiados, até a performer Luiziane (Samya de Lavor) que canta no bar todas as noites. No comando do local está Deusimar (Yuri Yamamoto), à frente do negócio que era de seu pai, tudo que a família lhe deixou.

Financeiramente, as coisas não estão nada bem para os negócios de Deusimar. Duas visitas inesperadas abalam o cotidiano desse ambiente: primeiro chega ali o marinheiro Jarbas (Demick Lopes), homem bem apessoado por quem Deusmiar logo se encanta; ele passa a alugar um quarto nos fundos do bar e o envolvimento com a dona do estabelecimento segue com facilidade. No entanto, ele guarda certos segredos.

Passa por ali também um misterioso homem de negócios, representante do governo do Estado, com uma oferta robusta em dinheiro para a desapropriação do local: um amplo estacionamento será construído para servir a um centro de entretenimento que já está sendo projetado na região. Com isso, aos conflitos pessoais dos personagens somam-se um maior: a possibilidade do Inferninho deixar de existir.

Toda a construção narrativa do filme passeia pelo cartunesco, por certo exagero visual – o bar é como um microcosmo de um lugar idílico, celebrado em ambiente retrô, longe da realidade crua do centro urbano. A luz artificial e o visual kitsch do bar ajudam a dar um toque de melodrama oitentista, numa estética à lá brega-chique. O ar teatral é sentido o tempo todo no longa, do gestual dos atores até a predisposição para que as ações e acontecimentos se dêem de modo pontual e concentrado em poucos espaços.

E isso não é gratuito. Inferninho foi todo pensado e escrito pelos diretores em parceria com o Grupo Bagaceira de Teatro, também sediado em Fortaleza. Os atores são, em sua maioria, provenientes do grupo e participaram até mesmo da feitura do roteiro que ia amadurecendo e se completando durante os ensaios. 

Isso faz de Inferninho um trabalho coeso de encenação, criando e administrando um universo próprio onde acreditamos que aqueles personagens coexistem e trafegam com certa leveza, ainda que carreguem seus atritos e percalços – eles brigam bastante entre si, mas nota-se ali uma constituição quase familiar na maneira como se acolhem, especialmente na adversidade.

Evoé Ava Rocha 

Após a exibição, a celebração de abertura da Mostra Cinema Conquista continuou com o show intimista de Ava Rocha, filha do cineasta Glauber Rocha, homenageado desta edição do evento – faria 80 anos em 2019 se estivesse vivo. 

No entanto, Ava dedicou o show a sua avó, dona Lúcia Rocha, falecida em 2014. “Esse show de hoje é especialmente dedicado a minha avó, que pariu Glauber, é a mãe dele e é a mãe, de certa forma, do cinema brasileiro. E, portanto, ao meu pai, a minha tia e todas as pessoas queridas da minha família, a minha memória e as minhas raízes”, pontuou em entrevista coletiva na tarde deste domingo.

No palco, o mínimo possível. Acompanhada do músico conquistense Filipe Massumi – ele, que revezava entre o violoncelo e o violão –, Ava hipnotizou o público com sua presença performática e uma voz potente. Também se fez acompanhar de uma série de objetos de cena com os quais interagia: a cabeça de uma boneca que reproduzia seu próprio rosto, um chapéu de feltro vermelho, um cocar confeccionado com facas ao invés de penas, um copo com água. 

O show mesclou músicas do disco mais recente da cantora, Trança – de onde saiu o hit Joana Dark –, com algumas canções do disco anterior, Ava Patrya Yndia Yracema., como Auto das Bacantes e Mar ao Fundo. De qualquer forma, estava presente no palco a cantora marcada em seu trabalho pelos símbolos do feminino, da ancestralidade, das raízes latinoamericanas, influências xamânicas e afrobrasileiras.

Irreverente, Ava lançava mão dos elementos de cena para ressignificar as letras das músicas e brincar com seu próprio repertório e os signos múltiplos que sua música alcança. O show, como celebração, foi também uma forma de benção, como no momento em que Ava “benzia” a platéia com a água do copo. Mas benta, mesmo, era sua voz.

A Mostra Cinema Conquista segue até a próxima sexta, 6, e toda a sua programação é gratuita.

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