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19/01/2022 às 7:30 - há XX semanas | Autor: João Gabriel Veiga*

REINADO SOMBRIO

Joel Coen filma obra de Shakespeare em ‘A Tragédia de Macbeth'

Mesmo em uma abordagem fria e cerebral, diretor faz filme que vale ser visto

Certas histórias são contadas e recontadas tantas vezes que penetram a mente coletiva, espalhando suas raízes pela cultura e inspirando outros trabalhos até inconscientemente. A extensa bibliografia de William Shakespeare – que dispensa apresentações – é talvez um dos exemplos mais notáveis disso. Elas se repetem tanto, seja nas telas quanto nos palcos, que se tornam quase uma profecia autorrealizável, um texto que todos conhecem muito bem, ou pelo menos acreditam conhecer.

É surpreendente, então, quando alguém é capaz de se apossar das palavras de um autor tão reconhecido como O Bardo e criar algo novo, como alguém que esfrega duas pedras até faíscas e fogo surgirem. Quase quatro séculos depois de sua primeira publicação, é isso que o diretor Joel Coen faz com Macbeth. Mais conhecido por seu trabalho em dupla com o irmão Ethan em Fargo (1996) e Onde Os Fracos Não Têm Vez (2007), Coen se aventura pela primeira vez como único diretor e roteirista do filme com uma grande responsabilidade.

A Tragédia de Macbeth é um filme excêntrico. Em termos de trama, é extremamente fiel ao texto de Shakespeare. O personagem titular está em campo de guerra quando recebe da boca de três sinistras bruxas (vividas de forma fantasmagórica e de cair o queixo por Kathryn Hunter) uma profecia que mais parece um pacto macabro: que ele se tornará duque de um vilarejo mais nobre e, então, rei da Escócia. Ele e sua esposa, a impiedosa Lady Macbeth, passam a tramar a morte do então rei, o que inicia um declínio de poder e loucura entre o casal.

O roteiro de Coen é fiel ao ponto de preservar o diálogo original da peça, em formato de poema com linguagem medieval. No entanto, é justamente na mise en scène que Joel Coen vira Macbeth de cabeça para baixo, criando um belo e intrigante monstro de Frankenstein. Se Shakespeare normalmente é associado à pompa e grandes teatros, aqui o texto é despido de sua roupagem clássica.

O cineasta busca inspiração visual no Expressionismo Alemão, com sets de filmagens minimalistas fotografados em alto contraste em um esquema gélido de preto & branco. Muito lembra um palco de teatro, sempre preenchido por névoa. A Tragédia de Macbeth parece uma história gótica de fantasmas encenada dentro de um globo de neve.

Sotaque americano mesmo

Há também outra decisão do diretor que dá ao texto uma nova camada. Geralmente interpretados por atores mais jovens, os papéis de Macbeth e sua esposa são assumidos aqui por Denzel Washington e Frances McDormand (em comparação com Michael Fassbender e Marion Cotillard, últimos atores a viverem uma adaptação hollywoodiana da peça, eles são 20 anos mais velhos).

Sem filhos (ou melhor, herdeiros) e já tendo atravessado a linha da meia-idade, o casal se sente mais pressionado e ameaçado em sua trama pelo trono. Além disso, é interessante ver dois rostos tão inegavelmente americanos darem vida à nobreza europeia e recitarem os diálogos medievais com seus próprios sotaques. Há uma ousadia nesta decisão, o que somado a tantas outras escolhas de direção salienta a ambição iconoclasta de A Tragédia de Macbeth.

Mesmo não tendo muita química, a dupla desempenha muito bem seus respectivos papéis. Denzel Washington injeta uma intensidade necessária ao arco do frustrado pretendente a rei. Sua entrada em uma espiral de culpa e loucura é assustadora de assistir, e Denzel passeia livremente entre lucidez e delírio. Além disso, o intérprete dá ao personagem seu devido peso e gravidade. E acostumada a incorporar o sal da Terra em filmes como Nomadland e Três Anúncios Para Um Crime, Frances McDormand surpreende ao mostrar uma outra faceta, abraçando os ares maquiavélicos e insanos de Lady Macbeth.

No entanto, A Tragédia de Macbeth é um filme desafiador, sendo na maior parte do tempo uma experiência mais intelectual e estética do que emocional. Seu tom é calculado, frio e distante. Sua artificialidade intencional e seu ritmo peculiar se tornam cansativos após certo tempo, já que a direção tenta levar o texto em uma direção oposta, mesmo quando a trama se encontra em momentos de suspense ou de emoções mais viscerais. Assim como um globo de neve, o longa cria uma bela barreira entre si e o público.

Assim como o pacto feito pelo casal Macbeth, a película de Joel Coen têm grandes ambições e um preço alto a pagar por isso. Extremamente auto-analítico, A Tragédia de Macbeth é um filme igualmente interessante de se discutir e destrinchar, porém sua leitura cerebral não é exatamente prazerosa ou fácil. É impossível não respeitar e admirar o que o cineasta alcança com sua releitura inovadora e inteligente de Shakespeare, porém seus recursos chamam atenção demais para si mesmos e dificultam uma imersão profunda.

A Tragédia de Macbeth convida seu público a desconstruir o dramaturgo britânico, colocando as preocupações narrativas em segundo plano. O filme é um grande estudo de caso, em que cada detalhe é brilhante e carrega grande significado simbólico, mas seu esforço quase acadêmico tira muito da organicidade do desenrolar da trama. Cada cena e cada diálogo é ensaiado e calculado a um nível que é difícil simplesmente assistir os eventos de Macbeth de fato acontecendo – um paradoxo com a quantidade de intrigas e suspense contidos no texto.

Esses elementos podem afastar um público menos interessado em uma leitura semiótica e subversiva de Shakespeare, que busca algo mais próximo da narrativa de intrigas palacianas e batalhas épicas que inspiraram outras obras como Game of Thrones. No entanto, não ser o típico filme para se assistir em uma sexta-feira à noite não diminui o tamanho colossal da reinvenção feita por Joel Coen. Seu filme é um tubo de ensaio, um experimento de um cientista maluco com som e fúria que vira Macbeth pelo avesso e cria uma nova criatura.


Serviço

O quê: A Tragédia de Macbeth () / Dir.: Joel Coen / Com Denzel Washington, Frances McDormand, Alex Hassell, Bertie Carvel, Brendan Gleeson, Corey Hawkins / Disponível para assinantes no streaming Apple TV+

*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.

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