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"O cinema ainda é um espaço para poucos", diz produtora da mostra MIMB

Mostra Itinerante de Cinemas Negros Mahomed Bamba começa nesta terça-feira, 16

Publicado terça-feira, 16 de abril de 2024 às 07:00 h | Autor: Rafael Carvalho
‘Deixa’, com Zezé Motta, será exibido na mostra
‘Deixa’, com Zezé Motta, será exibido na mostra -

Após os últimos dias de programação virtual, começa amanhã, presencialmente em Salvador, a Mostra Itinerante de Cinemas Negros Mahomed Bamba (MIMB), evento que destaca e impulsiona a produção de conteúdo audiovisual feito por pessoas pretas, indígenas e quilombolas. O evento chega à sua 5ª edição, ampliando olhares e oportunizando o surgimento de novas vozes para o cinema.

A partir de amanhã, serão mais 11 dias de programação intensa que se espalha por diversos pontos da capital baiana. “A itinerância surge da ideia de que o cinema ainda é um espaço para poucos. Tem lugares em que vamos e muita gente sequer entrou numa sala de cinema. A ideia é fazer uma formação de público para que se comece a entender como podemos ocupar outros espaços, fazendo isso de modo bem fluido”, afirmou Daiane Rosário, idealizadora e produtora executiva do festival, em conversa com A TARDE.

Ao se unir com outras mulheres que idealizaram o evento, Rosário conta que cada uma morava em um lugar diferente da cidade. Daí surge a necessidade de pensar uma descentralização das atividades.

A MIMB tornou-se hoje um evento muito mais amplo, que começou apenas como um encontro de amigos para falar de cinemas negros até se tornar um festival de cinema de fato.

“Vimos que havia uma demanda muito maior. Havia a questão da formação, de se encontrar para discutir temas ligados ao cinema negro, a importância da autorrepresentação, pensar a técnica, a circulação das obras. Com isso foram nascendo as nossas necessidades”, complementou Rosário.

Na sua trajetória, a MIMB foi estabelecendo parcerias até chegar ao formato que tem hoje. Além das exibições, já começaram a ser oferecidas oficinas, laboratórios de imersão e masterclasses, além de uma série de atividades que serão continuadas nos próximos dias.

A abertura acontece no Sesc Pelourinho, às 18h30, com a exibição dos filmes A Menina que Queria Voar, da realizadora baiana Tais Amordivino, e Sèt Lam, produção da Ilha da Reunião dirigida por Vincent Fontano. Além disso, haverá apresentações musicais de Rachel Reis e DJ Nai Kiesse.

Nos dias seguintes, a MIMB passará pelo Quilombo do Quingoma, em Lauro de Freitas, pelo espaço cultural Boca de Brasa, em Cajazeiras, fará uma sessão especial no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, além de concentrar atividades no Goethe Institut e no Teatro Gregório de Matos.

Sobre essa circulação, Rosário pontua: “A MIMB se relaciona não só com os espaços culturais, mas também com a própria comunidade. O festival trabalha o cinema nas telas com essa ideia de memória. Uma memória não só do cinema, mas a memória preta, baiana, conectada com a História. A gente não está inventando nada, estamos apenas afiando novos mecanismos para nos reconectarmos”.

Ao longo do evento, serão exibidas cerca de 60 obras de cineasta negras e negros, em sua maioria brasileiras, mas também de outros países.

A programação completa pode ser acessada no site oficial do evento e é totalmente gratuita.

Formação e continuidade

Uma grande novidade nesta edição da MIMB é o espaço ampliado para a sessão de mercado, o Mercamimb, que se forjou em conversa conjunta com os Estúdios Globo, um dos principais parceiros a apostar no ambiente de mercado, dentre outros.

“Em edições anteriores da MIMB, eles nos procuraram porque queriam se conectar com iniciativas de fortalecimento ao cinema negro e à formação de jovens. Daí surgiu essa parceria e fomos criando em conjunto esse espaço de formação”, explica Rosário.

Para aqueles que foram selecionados com seus projetos, o Mercamimb vai oferecer uma série de atividades, a começar pelas rodadas de negócios, onde se criam espaços de network, desenvolvimento e venda dos projetos através do contatos com empresas e players externos.

Os participantes também terão a oportunidade de apresentar seus projetos para o público (pitching) e ainda farão encontros exclusivas de consultoria com profissionais do mercado audiovisual.

Outras atividades formativas também marcam a MIMB, algumas delas já tendo começado nos dias anteriores. O Lab Visões Pretas, por exemplo, promove encontros imersivos com jovens que inscreveram projetos de ficção e documentário, discutidos a partir das áreas de produção executiva e de roteiro.

Também já aconteceu a Oficina de Introdução à Cinematografia com Celular, onde jovens aspirantes a realizadores apreendem ferramentas de produção e criação audiovisual e tiveram de realizar um filme de até um minuto para participar de uma seleção posterior. “A ideia é estimular esses jovens a fazer filmes. Temos uma parceria com a Globo que vai oferecer uma semana de imersão nos seus estúdios, tudo custeado por eles. Vamos selecionar três jovens diante do processo preparatório da oficina. Além disso, há um premiação em dinheiro no valor de R$ 1.000 reais para os dez filmes mais votados pelo público”, explica Rosário.

Outra atividade da Mostra são as masterclasses, que já começaram na versão online do evento. Presencialmente, Lyara Oliveira vai falar sobre leis de incentivo e ações afirmativas. E uma das mais aguardadas vai contar com a vinda a Salvador de Mohamed Saïd Ouma, cineasta queniano e diretor executivo da DocA – Documentary Africa, festival de cinema documentário pan-africanista. Ele falará sobre o tema “Cinemas Africanos – O Renascimento?”.

Daiane Rosário, além de destacar a importância de receber Ouma no Brasil pela primeira vez, não deixou de notar a semelhança do seu primeiro nome com o nome do eterno homenageado da MIMB, Mahomed Bamba, professor da Faculdade de Comunicação da UFBA e grande divulgador dos cinemas negros.

“Esse é um lugar da memória, para que os nossos não fiquem na invisibilidade. Bamba foi um grande pensador e pesquisador, professor da maioria das mulheres que desenvolveram o festival. Ele ampliou nosso olhar para pensar o povo preto nesse espaço de cinema, pensar a recepção, a análise crítica das obras. Foi um dos poucos professores pretos que a gente tinha na faculdade que falava sobre cinemas negros e transitava sobre essas pautas de forma muito fluida. Ele nos ajudou a pensar nossa pluralidade através da ótica do que nos mobiliza”, arremata.

Inscrições, programação: @oficialmimb e mimb.com.br.

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