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O provocador cineasta Michael Haneke decepciona com filme pouco inspirado

Por Rafael Carvalho* | Especial para A TARDE

O cineasta alemão, naturalizado francês, Michael Haneke tornou-se um queridinho do circuito de mostra de cinema, sempre competindo com seus filmes no Festival de Cannes – já venceu duas Palmas de Ouro, uma por “A Fita Branca” (2009) e a segunda por “Amor” (2012).
Ele voltou este ano ao festival com “Happy End”, ainda interessado em discutir os dilemas e intransigências da classe burguesa, frente à crise da imigração na França, mas o resultado está muito aquém do talento do diretor, à luz daquilo que ele já apresentou antes em sua carreira.
Passamos a acompanhar uma família abastada, dona de uma construtora que acaba de perder um de seus funcionários por conta de um acidente. Quem administra o negócio com mãos de ferro é Anne Laurent (Isabelle Huppert), já que seu velho pai (Jean-Louis Trintignant) começa um processo de demência e invalidez.
As desgraças não param por aí. A ex-mulher do irmão de Anne (vivido por Mathieu Kassovitz) tenta suicídio, e a filha de 13 anos deles vai morar com o pai no imenso casarão da família – e não demora muito para que a jovem garota descubra segredos obscuros do pai. Há ainda um terceiro irmão que começa a ter comportamentos psicóticos, enquanto o patriarca da família tem desejos de morte.
Ninguém vai bem nesse filme. Está armado o jogo para que Haneke exerça seu senso de crueza a partir das mazelas que vão surgindo na vida desses personagens tortos. Ele mira claramente numa ideia de “hipocrisia burguesa”, mas faz isso da forma mais rasteira e sem originalidade nenhuma.
No fundo, todas as questões que “Happy End” tangencia já foram melhor exploradas por Haneke antes. Ele já falou com mais propriedade da crise da imigração em “Caché” (2005), da perversão sexual em “A Professora de Piano” (2001), da morte como salvação em “Amor”.
Sobra então a vontade de ser provocador, de espezinhar os abastados brancos da França racista e xenofóbica, mas sem ir a fundo nas questões a que se propõe, preferindo a superficialidade das situações. A jovem atriz que interpreta a garotinha, Fantine Harduin, é a melhor coisa do filme. Pena que o restante não a acompanha.
As consequências do desamor
Outro drama familiar causou maior sensação na Mostra SP – muito por conta dos ingressos concorridos da única sessão do filme no festival. O russo “Loveless” também veio da competição do Festival de Cannes, de onde saiu com o Prêmio do Júri.
Há ali também uma família em pedaços, mas a partir de uma situação bem pontual: o casal Zhenya (Maryana Spivak) e Boris (Aleksey Rozin) estão se separando, mas nenhum deles gostaria de ficar com a guarda do filho. Eles vivem juntos, mas se odeiam e já começaram outros relacionamentos, enfim, uma nova vida, que não tem a participação do garoto.
O clima é tenso entre eles e quem sofre, como sempre nessas situações, é a criança. Até o dia em que ele foge de casa, desaparece e deixa a todos consternados. O diretor Andrey Zvyagintsev, que já havia feito o maravilhoso “Leviatã”, sabe como ninguém criar essa atmosfera de crueza e dor causada pelas atitudes do outro. O jovem sofre calado, e o filme precisa de poucas cenas na casa para revelar toda a amargura que envolve as relações entre eles.
O diretor consegue ainda ser muito perspicaz ao dar a dimensão da personalidade e comportamento dos pais antes de instaurar o clima de apreensão e busca pelo garoto. A partir disso, o filme se aprofunda sobre a história dos dois personagens e faz um verdadeiro estudo sobre as consequências do desamor (como bem indica o título do filme), algo que precede a crise do casal.
Quando eles vão ao encontro da avó do menino, mãe de sua mãe, na esperança de que ele tenho fugido para lá, o filme no apresenta uma conversa cortante entre as duas, via destempero e rudeza da irada senhora. É quando percebemos que a estrutura de família já estava ruída desde antes. O que se segue é somente a destruição iminente daquelas relações.
“Loveless” consegue manter a atenção do espectador até o fim, e o faz sem maniqueísmos ou truques de roteiro. Tudo é muito verossímil e calcado na força das ações desses personagens impositivos, apesar do drama que se instala ali. O filme não deixa de refletir um sentimento de dureza na maneira conservadora como a Rússia trata a instituição familiar. Enquanto isso, algumas são demolidas pela impossibilidade do amor.
*O jornalista viajou a convite da organização da Mostra.
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