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Ousado, Eternos se distancia de fórmula da Marvel e tira fãs de heróis da zona de conforto
Por Bianca Carneiro
Explosão de cores, ação desenfreada, pouco desenvolvimento de personagens e piadinhas superficiais. Esses são alguns dos elementos da chamada “fórmula Marvel”, padrão pelo qual a maioria dos filmes do estúdio eram criticados. Produções até imponentes, mas sempre repetitivas e despretensiosas com a finalidade apenas de agradar a grandes públicos.
Fazendo jus a própria missão de inaugurar uma nova fase para o universo cinematográfico da Marvel, o longa ‘Eternos’, lançado nesta quinta-feira, 4, foi o que mais trouxe frescor e se distanciou da fórmula. O mérito é da diretora Chloé Zhao, cineasta premiada no Oscar 2021 por Nomadland, uma estatueta histórica, já que a chinesa se tornou a segunda mulher nos 93 anos de cerimônia a levar na categoria e a primeira asiática.
Eternos conta a história de um grupo de heróis imortais criados por uma entidade alienígena superior, um "Celestial", com o objetivo de proteger e auxiliar a humanidade ao longo da sua evolução. Nesta jornada, eles precisam lutar contra os "Deviantes", criaturas bestiais que embora também tenham sido criadas pelo mesmo ser divino, se tornaram uma ameaça por evoluírem além do devido.
O filme é o 26º da franquia da Marvel Studios, sendo baseado nos quadrinhos de mesmo nome, criado por Jack Kirby. São nada mais, nada menos que dez eternos: Sersi (Gemma Chan), Ikaris (Richard Madden), Ajak (Salma Hayek), Thena (Angelina Jolie), Kingo (Kumail Nanjiani), Makkari (Lauren Ridloff), Phastos (Brian Tyree Henry), Sprite (Lia McHugh), Gilgamesh (Don Lee) e Druig (Barry Keoghan).
Não dá para falar de Eternos sem citar o aspecto que mais chama a atenção: a diversidade de personagens. O filme foge de um padrão estético e apresenta personagens com corpos reais e de etnias diferentes. Não só isso, ele retrata ainda uma heroína surda e outra com uma espécie de doença mental. O empoderamento feminino, com mulheres ocupando papéis de liderança, é outro mérito do filme.
Como se previsse o futuro, Eternos traz para o live action um assunto que tem causado polêmica no mundo e ganhou as manchetes no Brasil: a diversidade sexual no mundo de super-heróis. Em tempos onde atletas, políticos e artistas praticam homofobia disfarçada de “opinião”, ver um personagem gay sendo explorado ao máximo possível, com direito a beijo - em primeiro plano, sem deixar nada subentendido e família com filho - é um alívio perceber que a Marvel, uma das mais influentes empresas de entretenimento do mundo, está disposta a sair do conforto e lutar contra o preconceito. O preço é alto: o filme já acumula críticas em sites especializados, antes mesmo do lançamento, justamente por abordar a homossexualidade.
No entanto, mesmo que as diferenças entre Eternos e os demais filmes da Marvel sejam claras, alguns ingredientes da fórmula se mantêm presentes, sendo o mais evidente o alívio cômico, desta vez, a cargo de Harish Patel. Mas agora, até as piadas ganham um contorno mais maduro, e há referências - pasme - as produções da maior rival do segmento de super-heróis: a DC Comics.
As referências à DC não param por aí. Em diversos aspectos, o longa lembra mesmo algumas produções do estúdio. Talvez a mais proeminente seja a fotografia, repleta de tons escuros - que passam longe das cores vibrantes dos quadrinhos de Jack Kirby e até incomodam em certo ponto por prejudicar a visualização dos Deviantes - ou até mesmo as cenas contemplativas ao pôr do sol. A câmera lenta durante as lutas, bem coreografadas, por sinal, também está presente. No enquadramento é possível perceber que Chloé Zhao quis enfatizar a relação de poder e adoração pelos Eternos: a câmera evoca grandiosidade para o grupo de heróis no momento em que se apresentam aos humanos em sua enorme nave.
Um dos maiores desafios do roteiro é desenvolver o escopo extenso dos dez personagens. Em alguns momentos, ele falha, deixando alguns deles à sombra. Pela complexidade de cada um, os diálogos são mais profundos, girando sempre em torno do futuro como grupo e pelo debate do que faz os humanos serem importantes para os heróis. Quem espera um filme com mais ação pode se decepcionar ao se deparar com uma produção mais preocupada em discutir questões existenciais. A solução do problema no final foi um pouco fácil demais e merecia ter sido melhor trabalhada.
Mas se o filme não entrega a ação já conhecida pela Marvel, por outro lado, ele é um prato cheio para reviravoltas. Nada estabelecido no início é fixo e as tramas estão em constante mudança, reflexo das dualidades de cada personagem. Apesar de parecerem deuses, nenhum deles é perfeito ou livre de erros, o que os torna humanos, mesmo não sendo.
Apesar de deixar ganchos para uma sequência, Eternos funciona sozinho, cumprindo bem a missão de ser uma história de origem, mas que sustenta seu encerramento, ao tempo em que dá as boas-vindas à fase 2. De enredo complexo, com personagens profundos, o filme se destaca dentro da filmografia Marvel por tirar os fãs de super-herói da sua zona de conforto sem perder em qualidade narrativa. Sem dúvidas, é um dos melhores filmes da Marvel. O desafio agora é ver até em que ponto o público acostumado com a mesmice da fórmula vai dar uma chance ao longa.
Vale lembrar que Eternos possui duas cenas pós-crédito que se relacionam com as próximas produções da fase 2. Clique aqui e confira as sessões do filme em Salvador.
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