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Shang-Chi e A Lenda dos Dez Aneis é sem dúvida divertido, mas escorrega na computação gráfica

Por João Gabriel Veiga*

16/09/2021 - 6:06 h
Até outro dia desconhecido, o ator Simu Liu é Shang-Chi | Foto: The Walt Disney Company | Divulgação
Até outro dia desconhecido, o ator Simu Liu é Shang-Chi | Foto: The Walt Disney Company | Divulgação -

Com um leque infinito de personagens, o universo cinematográfico da Marvel tem aperfeiçoado sua equação milimétrica para misturar a fórmula de filmes agradáveis, porém uniformizados com elementos de gêneros e estéticas mais ousados. Em Thor: Ragnarok (2017), o deus nórdico ganhou um tom cômico de Flash Gordon (1980), Viúva Negra (2020) segue os passos de suspenses de espionagem como A Identidade Bourne (2002).

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Já o novo lançamento do conglomerado, Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis, recruta as artes marciais para dar uma cara nova ao filme de super-herói. Shang-Chi inicia sua narrativa como uma fábula da mitologia chinesa, com um belo prólogo narrado em mandarim explicando a origem mística dos dez anéis mágicos que dão título à obra. É um início majestoso, com paisagens bucólicas e uma cena de luta de kung fu com uma coreografia tão elegante que parece uma valsa entre os atores Tony Leung (muso do cultuado cineasta Wong Kar-Wai, de Amor à Flor da Pele) e Fala Chen — os pais do protagonista.

Então, o público é trazido para os dias atuais, contrastando o ar mítico dos minutos iniciais com uma apresentação do herói Shang-Chi. Vivendo em San Francisco, na Califórnia, sob o nome de Shaun, ele parece tudo menos o filho pródigo de um guerreiro mágico. Trabalhando como manobrista em um hotel e sem saber o que fazer de sua vida adulta, o protagonista parece ter colocado os dias de treinamento das artes marciais com seu impiedoso e cruel pai, Wenwu, no passado.

No entanto, como já era de se esperar, o bom filho à casa torna. Relutante como Thor, T’Challa de Pantera Negra e outros heróis, Shaun precisa parar de fugir do passado, honrar o legado de sua família e impedir seu pai, enlutado pela morte de sua esposa, de usar os dez anéis para concretizar um plano que pode destruir o mundo. O enredo segue exatamente os mesmos pontos de inúmeros outros filmes, tornando o desenrolar da narrativa previsível.

Se a história traz poucas surpresas, Shang-Chi tem alguns truques na manga para prender e cativar o público. O principal são as cenas de luta, que fogem do padrão Marvel. Com golpes de karatê, taekwondo e outras modalidades de luta, a fotografia e a montagem convidam o público a acompanhar cada passo das intensas coreografias, com planos e movimentos de câmera que exibem o combate em poucos cortes.

Apesar de ter um elenco fortíssimo — no sentido literal da palavra —, esse é um dos poucos filmes que de fato exploram essa força física de maneira memorável.

Além da valsa marcial do prólogo, algumas outras sequências de ação se destacam, como uma que se passa em um ônibus desenfreado nas ladeiras de San Francisco, e incorpora o cenário apertado e o senso de humor neurótico dos atores Simu Liu e Awkwafina para criar um equilíbrio entre tensão e diversão. Já um outro duelo, protagonizado por Michelle Yeoh (estrela de O Tigre e O Dragão, de Ang Lee), traz as artes marciais para um lado mais lírico e pacífico.

Para além da pancadaria, Shang-Chi também traz um elenco de personagens carismáticos e interessantes em meio à uma trama cheia de floreios da mitologia chinesa. Tony Leung, no papel do pai antagonista do herói e seu primeiro trabalho fora de Hong Kong, é o grande destaque. Seu Wenwu é um homem com uma moralidade cinza: mesmo capaz de amar incondicionalmente sua família, ele também é rígido e igualmente capaz de usar seus poderes para atingir fins gananciosos.

Imagem ilustrativa da imagem Shang-Chi e A Lenda dos Dez Aneis é sem dúvida divertido, mas escorrega na computação gráfica
Os astros chineses Tony Leung e Michelle Yeoh

Auge em CGI

Por outro lado, o protagonista Shaun / Shang acaba sendo engolido pelo escopo do filme, que apresenta inúmeros elementos mitológicos e fantasiosos. Apesar do trabalho carismático do ator Simu Liu, que dá conta tanto da ação quanto do humor, Shaun é o personagem menos interessante de seu próprio filme.

Seu arco dramático passa por conflitos já exaustos, e sua personalidade é semelhante demais à de sua melhor amiga e co-protagonista Katy (vivida pela rapper Awkwafina) – que se adequa a esses traços de maneira mais memorável.

E apesar da roupagem folclórica que traz beleza para o filme, com animais mitológicos estonteantes criados por efeitos especiais, Shang-Chi não consegue fugir da fórmula Marvel. O desfecho decepcionante e aquém da identidade do filme coloca os pontos fortes do longa – as artes marciais e os personagens – em segundo plano para uma sequência de ação completamente plástica e megalomaníaca. É difícil criar conexão com um duelo de criaturas de computação gráfica (CGI) gigantes.

O primeiro herói asiático da Marvel nos cinemas, Shang-Chi é um personagem promissor e cativante. No entanto, é uma pena que o filme ao seu redor acabe optando por decisões formulaicas, ao invés de se aprofundar em suas virtudes e originalidade. Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis é um longa divertido, mas que poderia ser melhor se não fosse a rigidez e falta de ousadia de seu estúdio.

*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.

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