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'Top Gun - Maverick' resgata original e foca na ação real

Sem nostalgia e mantendo a 'need for speed', filme engrandece a experiência na sala de cinema

Publicado domingo, 29 de maio de 2022 às 06:00 h | Autor: João Paulo Barreto | Crítico de cinema
O incansável Tom Cruise volta ao papel que alavancou a carreira como Pete Maverick Mitchell
O incansável Tom Cruise volta ao papel que alavancou a carreira como Pete Maverick Mitchell -

Há elementos na construção do cinema de ação que são imunes à passagem do tempo. Da prolífica década de 1980, diversos são os exemplos de obras cujas marcas fixadas na memória afetiva de seus espectadores, quando renovadas em filmes mais recentes, tendem a funcionar de modo preciso nesse resgate de emoções. E não se trata apenas de algo simplório como a nostalgia. Sabemos que ela vende.

Mas, aqui, a ideia é frisar um meio de utilizar tais elementos marcantes como meio de se construir novas identidades. Para citar alguns, basta pensar em Creed (2016) referenciando os treinamentos de Balboa em Rocky II (ok, ainda de 1979); ou mesmo o irregular Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008) trazendo a sombra de um Harrison Ford em quase reverência de respeito ao chapéu de seu protagonista quando este resgata a indumentária  da sarjeta suja; e, obviamente, vale citar toda uma nova trilogia (e universo) Star Wars a emular vários momentos simbólicos de seus filmes clássicos.

Deixando claro, não falo aqui dos comuns casos de falta de originalidade em ideias e tramas, o que, convenhamos, já não é novidade em Hollywood. Ao pontuar tais exemplos, quero abordar a percepção não somente do poder que certas marcas têm em um público já familiarizado com seus elementos dramáticos, mas, também, o desafio de captar a atenção de toda uma nova geração cuja proximidade corriqueira com o entretenimento frenético da ação cinematográfica a torna exigente e mais difícil de se cativar.

E foi justamente  a percepção desse poder contido na continuação de Top Gun - Ases Indomáveis (1986), lançada trinta e seis anos após seu original, que tornou a sessão de Maverick (2022) ainda mais especial. E isso para além do impactante espetáculo visual de suas sequências de ação e da porrada sonora que a obra (vista no cinema) possui. 

Trama azeitada

Na trama, o ainda capitão Pete "Maverick" Mitchell (Tom Cruise), agora piloto de testes de aviões supersônicos, precisa retornar à escola de aviação popularmente chamada de "Top Gun" para treinar jovens ases indomáveis (não deu pra resistir à autorreferência) em uma missão para eliminar material nuclear de um país anônimo e tão belicoso quanto os EUA. Curiosamente, mesmo trazendo todo futuro desfecho do longa esmiuçado em simulações do treinamento que são apresentadas de maneira didática para os aviadores e para os espectadores, Maverick consegue criar uma expectativa palpável em sua audiência por aquela antecipada conclusão da missão.

Claro que o que acontece no seu ato final, com a concretização dos planos, é algo que foge do controle dos aeronautas, com a possibilidade de um roteiro trágico ser colocado na prática. Mas é justamente por essa quebra de expectativa (um tanto previsível, vá lá) que sua estrutura funciona tão bem.

E tal estrutura não iria se equilibrar de maneira tão azeitada se não fosse pela comunhão do apelo emocional para a obra e pelos detalhes técnicos de suas cenas de ação. Com um desenho de som e efeitos sonoros a criar a perfeita impressão de estarmos dentro das cabines dos caças (friso: esqueça o streaming. Assista no cinema!), Maverick tem em seus aspectos de áudio um ponto chave para seu impacto. Sem contar a marca já conhecida das produções bancadas pelo astro Cruise, que são notórias por não usar tantos truques digitais de imagens, tornando o fato daquelas sequências serem, em sua quase totalidade, gravadas com caças reais, um ponto de ainda maior atração para seu espectador.

Junto à montagem de Eddie Hamilton, que trabalhou sob a alçada do produtor Tom Cruise nos dois últimos filmes da franquia Missão: Impossível, montagem essa que evita as armadilhas fáceis de cortes rápidos e de micro/nano segundos (tão comuns em filmes de ação dirigidos por Michael Bay, por exemplo), essa comunhão de elementos cria uma ação bem mais fluida em suas sequências aéreas. Sequências estas que, obviamente, perpassam o filme por completo, amarrando entre si os momentos de drama que o reencontro daqueles personagens clássicos requer. 

Peso emocional

E ao falar de aspecto emocional, claro, refiro-me à já divulgada participação de Val Kilmer no papel do, agora, almirante Tom "Iceman" Kazansky. Tratando-se, à época das filmagens, de um câncer na garganta que tomou sua habilidade de falar normalmente e restringindo sua voz a sussurros visivelmente dolorosos, Kilmer traz para sua única cena ao lado de Tom Cruise um dos momentos de maior sensibilidade e exemplo do que chamei de apelo para além da fácil nostalgia. Sejam com palavras escritas através de um teclado de computador que o ajuda a se comunicar, ou aquelas poucas que ele conseguiu falar em uma fraterna brincadeira entre seu personagem, "Ice", e o Maverick de Tom Cruise, aquele reencontro mais de três décadas depois dos eventos vistos no primeiro filme ajudou a compor um dos mais tenros momentos desta sequência.

Trata-se de um longa que, sim, reúne diversos clichês do gênero "filme de superação militar", como o alto escalão durão que precisa lidar com competentes subalternos rebeldes (Jon Hamm cumpre bem esse papel aqui), ou a precisa resolução no último segundo quando um dos personagens salva o dia de terminar de forma trágica.

Mas, junto aos créditos finais, que recriam precisamente o modo como os clássicos oitentistas traziam seus atores principais individualmente, Top Gun - Maverick, com sua marcante música incidental composta por Harold Faltermeyer, nos faz perceber como esse tipo de estrutura ainda funciona de maneira que, mesmo soando cafona em alguns momentos, cativa de maneira genuína seus dois públicos: aqueles que cresceram ouvindo Take My Breath Away, auge do romantismo meloso do primeiro filme, e aqueles jovens que, em tempo de Marvel Studios, estão interessados em algo bem mais enérgico em termos de ação.

Missão cumprida.  

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