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Vencedor da Palma de Ouro faz retrato grotesco da elite burguesa

“Triângulo da Tristeza”, de Ruben Östlund, não poupa ninguém com a sua metralhadora de críticas à hipocrisia

Publicado quarta-feira, 26 de outubro de 2022 às 17:36 h | Autor: Rafael Carvalho | Crítico de cinema
Cena "Triângulo da Tristeza”, novo filme do sueco Ruben Östlund
Cena "Triângulo da Tristeza”, novo filme do sueco Ruben Östlund -

É notável como certo cinema que versa sobre o grotesco tem se destacado e sendo reverenciado no campo cinematográfico mundial. É justamente isso que faz "Triângulo da Tristeza”, novo filme do sueco Ruben Östlund, atual vencedor da Palma de Ouro em Cannes apresentado na Mostra de Cinema de São Paulo. E não é um feito a se desprezar o fato dessa ser sua segunda Palma, seguida à de “The Square” anos atrás, filme que segue o mesmo tipo de proposta “denuncista” das falhas humanas.

Ostlund é o típico caso do cineasta que pensar estar fazendo um grande estudo humano quando não consegue perceber seu papel de manipulador de emoções. Neste caso, ri da desgraça alheia, criando um circo de horrores que se basta apenas por ser circo. Para começar, ele elege um casal que vive no mundo da moda. Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean) são modelos fotográficos, desfilam e mais brigam do que parecem se amar de fato; ela também é dessas influenciadoras digitais para quem curtidas e número de seguidores são moeda de troca.

Nada mais fácil do que atacar a futilidade desse tipo de personagem, justamente associando-os à superficialidade da moda. Se possuem um entrosamento interessante como casal, este é apenas uma forma jocosa de mostrar o quanto eles são mesquinhos um com o outro, como mostra a cena da discussão sobre quem deve pagar a conta do restaurante.

Mas eis que o casal ganha uma viagem num cruzeiro de luxo, cercado de passageiros milionários e esnobes, além dos empregados gananciosos, ainda que explorados como subalternos que são. O que se segue a partir daí é uma coleção de momentos constrangedores dos ricaços fazendo “burguesices” excêntricas, proferindo absurdos de classe ou se portando como crianças mimadas porque estão ali para serem servidos. Östlund não poupa ninguém da ignomínia, todos ali são pintados como pessoas desprezíveis.

E não demora muito para que a festa da fineza e da ostentação vire enterro porque o filme cria uma série de situações que apenas ridicularizam aqueles personagens – escatologicamente, inclusive. O fato de serem pessoas desprezíveis parece permitir ao filme todo tipo de castigo que é possível infligir a eles num cruzeiro em alto mar – a partir das muitas excentricidades que se acumulam ali.

O sueco Ruben Östlund, atual vencedor da Palma de Ouro em Cannes
O sueco Ruben Östlund, atual vencedor da Palma de Ouro em Cannes |  Foto: Reprodução
  

O maior problema desse tipo de tratamento é que o diretor, ao olhar para essas pessoas de modo tão desdenhoso, arma-se de uma prepotência julgadora e superiora. E ainda faz isso buscando a cumplicidade do espectador que se regojiza com todo aquele desastre que se pretende hilário, mas é apenas uma jogada fácil pela sua natureza “vingativa”.

Paisagens gélidas e humanas

Outro cineasta nórdico, este sim interessado de fato na investigação da alma humana, o islandês Hlynur Pálmason, lançou na Mostra seu mais recente filme, “Terra de Deus”. Também acostumado a fazer filmes mais duros e que leva seus personagens às últimas consequências, o diretor surpreende com este novo trabalho, muito mais cadenciado e sereno na forma, ainda que não necessariamente leve no seu conteúdo.

É apenas aparente certo sentimento de calmaria e singeleza. Na trama, um padre dinamarquês (Elliott Crosset Hove) recebe a missão de partir para o Norte, para uma região inóspita da Islândia, para fundar uma nova igreja para as pessoas que vivem ao redor. Acompanhado de seu aparato fotográfico, o padre deseja coletar uma série de retratos pelo caminho.

“Terra de Deus” é um filme de ficção, mas parte de uma faísca do real. Uma caixa contendo sete fotos tiradas naquela época (em finais do século XIX) foi encontrada tempos depois soterrada no gelo. É a partir dessas imagens, de autoria desconhecida, que o diretor construiu a história desse homem de fé que desbrava a gélida e tortuosa região para cumprir o seu objetivo missionário.

Pálmason filma a Natureza com certa reverência e respeito, à medida que a expedição à qual o padre se junta segue o seu difícil rumo estrada acima – em meio a muito gelo, trilhas montanhosas, rios ameaçadores e até mesmo vulcões em erupção.

Quando o filme encontra um respiro nessa dura empreitada (para falar o mínimo, evitando “spoilers” aqui), as coisas ganham um estado de aparente tranquilidade, para que os desafios do padre se tornem outros, não mais relacionados à força da natureza, e sim das vicissitudes humanas.

*O jornalista viajou com apoio da organização do evento.

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