HERANÇA DE BEM-ESTAR
Embrião do Aquarius remonta ao século XIX e à bucólica Fazenda Pituba
Loteamento foi totalmente urbanizado para favorecer a qualidade de vida dos moradores
Por Letícia Belém
A história do Loteamento Aquarius remonta à década de 1960, em um período em que as terras pertencentes à área foram adquiridas pelo maior banco de fomento de poupança imobiliária do Brasil à época, o Tradição S/A Crédito Imobiliário. Mas bem antes disso - de acordo com o Observatório dos Bairros de Salvador, vinculado à Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (Ufba) -, todas as terras onde hoje se localiza o bairro da Pituba, foram doadas por Tomé de Souza, o primeiro governador-geral do Brasil Colonial e o responsável por liderar a construção de Salvador, ao Conde de Castanheira, Dom Antônio Ataíde, que, por sua vez, as deixou de herança para o filho José Félix, o Barão do Rio Vermelho.
Em 1865, ele decidiu urbanizar as fazendas das quais a sua família era proprietária. À época, a fazenda Pituba era um imenso coqueiral com areia, vegetação de mata atlântica, praia, lagoas e dunas, distante da vida da cidade que acontecia no Centro Histórico, e completamente desabitado, à exceção de uma pequena vila de pescadores e a sede de um dos terrenos, onde a família morava.
Em 1881, o Barão do Rio Vermelho morreu, legando as terras à sua esposa e filhos, que, posteriormente, as venderam ao português Manoel Dias da Silva, que retornou à Portugal no início do século XX, transferindo a propriedade ao seu cunhado, Joventino Silva, que permaneceu sendo o único dono de toda a área que também se estendia a outros bairros. Era uma época de transformações urbanas no novo continente.
Com a intenção de desenvolver, na região da Pituba, um bairro voltado para pessoas de alta renda, a partir da segunda metade da década de 1920, Joventino começou a lotear as terras, dividindo a fazenda em lotes menores com o objetivo de construir e comercializar imóveis para urbanizar aquela área da cidade. Em paralelo, contratou um engenheiro para projetar e desenvolver o planejamento urbano da região, já que as vias da cidade estavam ainda restritas ao Centro Antigo. Em volta de suas terras, havia outras tantas fazendas e propriedades.
À época, para obter autorização municipal para a criação dos loteamentos, os donos das terras deviam seguir obrigatoriamente critérios urbanísticos definidos no Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador, de acordo com o Código de Urbanismo e Obras do município, como a dotação de infraestrutura mínima que permitisse a divisão de espaços para unidades residenciais, comerciais, educacionais, vias públicas, equipamentos públicos, de abastecimento e de serviços, áreas verdes, dentre outros.
Havia um incentivo à criação dos loteamentos para abrir novas áreas de moradia na cidade, definidos por lei como a subdivisão da gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes, sistema de escoamento de águas pluviais, rede para o abastecimento de água potável e soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar.
Mudança nos anos 1920
Segundo o historiador Rafael Dantas, a partir da segunda metade da década de 1920, muitas terras começaram a ser vendidas a particulares, que buscavam um local para veranear e fugir do centro abafado de Salvador, dando início à construção de casas e pequenas chácaras. Depois, esses terrenos começaram a ser buscados como local de residência, passando a ter casas de luxo e pequenos prédios de até três andares.
Naquela década, as construtoras e incorporadoras imobiliárias já vislumbravam que a cidade cresceria para esse eixo, a partir de um planejamento do governo do estado e do município, e começaram a adquirir grandes áreas de vegetação e dunas em um vetor de expansão da cidade, que se transformou no novo centro financeiro de Salvador nas décadas seguintes.
Exemplo disso foi que, no fim da década de 1920, a tradicional família Odebrecht adquiriu as terras onde posteriormente construiu o loteamento Caminho das Árvores e a sua residência, em uma imensa área que começa na área do futuro Loteamento Aquarius - que seria criado nos anos 1960 -, na Rua Clara Nunes, já vista como região privilegiada da cidade que começava a crescer.
Essa visão de futuro se mostrou acertada, já que ali surgiram os atuais bairros do Caminho das Árvores e Itaigara, além das avenidas Tancredo Neves, Antonio Carlos Magalhães e Magalhães Neto. Na mesma região, foram construídos o antigo Shopping Iguatemi - atual Shopping da Bahia -, o Terminal Rodoviário, o jornal A TARDE, a Casa do Comércio e outros estabelecimentos financeiros e comerciais de Salvador.
Confira o caderno desta quarta:
Apesar disso, no fim da década de 1950, a Pituba ainda era uma área quase despovoada, na qual se mantinham o vasto coqueiral e as casas dos pescadores, possuindo pouquíssimos edifícios e imóveis com moradores de outro perfil. A prefeitura municipal, à época, só estabeleceu a “zona homogênea da Pituba” em 1976, época em que o bairro tinha “grande quantidade de terra disponível, constituindo-se um extenso vazio urbano”, mas com características adequadas ao “desenvolvimento de grandes projetos de urbanização e incorporação imobiliária e ponto terminal no vetor da orla da ocupação contínua derivada do assentamento inicial da cidade”. Os dados estão no decreto-lei que definiu a zona homogênea.
De acordo com o Observatório dos Bairros da Ufba, alguns fatores foram importantes para a expansão da cidade no sentido do vetor norte da orla atlântica. Um deles foi a pavimentação, em 1949, da via que ligava Amaralina à Itapuã (Avenida Octávio Mangabeira). Outro foi a encomenda, por Joventino Silva, em 1954, do projeto e construção do que vem a ser a atual Igreja de Nossa Senhora da Luz, entregue em 1960, e o loteamento Parque Nossa Senhora da Luz. Tudo isso foi gerando desenvolvimento urbano significativo e potencializando a ocupação da região.
O historiador Rafael Dantas explica que foi na segunda metade do século XX que os herdeiros e donos de pequenos loteamentos, casas e terrenos começam a vender os seus imóveis para as grandes incorporadoras imobiliárias, fazendo surgir os novos empreendimentos que transformaram a paisagem urbana da cidade, além de terras públicas municipais que foram sendo vendidas com o plano de atrair parceiros privados e incorporadores. Foi um conjunto de ações do estado, do município e do poder privado o propulsor para o surgimento dessa nova centralidade - vetor Norte/Iguatemi - e sua expansão futura.
Avanços nos anos 1960
Outras grandes construções nessa década favoreceram a integração do bairro com o restante da cidade - Colégio Militar de Salvador (1961), Clube Português (1964) e Avenida Paulo VI, determinante para a interiorização do bairro e dos fluxos locais, interligando a Pituba ao Caminho das Árvores e possibilitando gradativamente o povoamento do miolo da cidade. Em 1966, a Pituba contava com apenas uma rua asfaltada e muitos problemas, como falta de calçamento, iluminação, arborização e esgoto.
A implantação das avenidas Tancredo Neves, em 1968, Magalhães Neto, em 1970,e Antonio Carlos Magalhães, em 1975, consolidaram os bairros da Pituba, Itaigara e Caminho das Árvores como áreas dinâmicas de crescimento e espaços nobres para moradia. Outros fatores de expansão e consolidação da região foram a implantação do Terminal Rodoviário de Salvador e do Departamento Estadual de Trânsito da Bahia (Detran-BA), em 1974, e do então Shopping Iguatemi (1975), que estabeleceram ali o embrião do novo centro comercial e financeiro da cidade.
As casas dos anos 1970 e 1980 eram grandes, avarandadas, de um andar, estilo chácara, com áreas verdes no entorno, e pequenos sítios. Rio Vermelho, Pituba, Itaigara e Caminho das Árvores passaram a ser um centro estratégico de moradia, bairros novos que atendiam às camadas mais altas da população, consumidoras do mercado formal de habitação, na segunda metade do século XX, época em que as matas foram derrubadas e lagoas aterradas para dar lugar aos prédios. Muitas invasões também foram se estabelecendo a partir da década de 1960 nessas áreas abertas ainda tranquilas.
Confira mais sobre o bairro, no vídeo abaixo:
Nasce o Aquarius
Segundo os registros municipais, foi nas décadas de 1950 e 1960 que grandes áreas de terra, em várias partes da cidade, foram adquiridas pela futura instituição financeira Tradição S/A Crédito Imobiliário. Em 1968, ela comprou as terras do futuro loteamento batizado de Aquarius. O nome estava na moda, influenciado pelo grande sucesso da música Age of Aquarius, do The Mamas and The Papas, que virou trilha sonora do filme Hair e influenciou toda uma geração. O movimento hippie e seus simpatizantes acreditavam estar entrando em uma nova era de paz e amor, igualdade, solidariedade e fraternidade.
O Loteamento Aquarius foi formalmente criado através do decreto 4.532 de 1973, como reserva de terras para investimento em uma futura especulação imobiliária para uma área que viraria uma região valorizada. Às margens da Magalhães Neto, era delimitado ao norte com o Hipódromo do Jóquei Clube do Salvador (Pituba, atual Pernambués), ao sul com o loteamento Cidade Luz (Pituba), a leste com a Avenida Magalhães Neto e a oeste com o loteamento Caminho das Árvores, da Construtora Norberto Odebrecht S.A (entre a Rua Clara Nunes e o Catabas, parte onde é hoje o Mc Donalds).
O plano de loteamento autorizado pela prefeitura obrigava a subdivisão das terras em lotes destinados à edificação, vias de circulação, sistema de escoamento de águas pluviais, rede para o abastecimento de água potável, soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar, logradouros públicos, áreas verdes, de escolas e comerciais.
A partir de 1973, o loteamento foi aprovado e criado, com a divisão dos lotes, abertura de vias públicas, e iniciou-se a construção de um empreendimento imobiliário de grande porte. A empresa Fator adquiriu os terrenos e imóveis da Tradição S/A em 1979, segundo a ex-diretora da Construtora e Incorporadora Imobiliária, Eldete Almeida, com o objetivo de desenvolver o Loteamento Aquarius a partir de um novo conceito para valorizar o local e consolidá-lo como um local de residência. Os arquitetos foram chamados a pensar os padrões de construção para o tipo de cliente que o grupo pensou para aquela localidade, com foco na qualidade de vida.
Os primeiros condomínios concluídos pelo grupo Fator na localidade foram entregues a partir de 1992. A construtora continuou o desenvolvimento do loteamento com a construção de novos e modernos condomínios, e investiu em iluminação e no embelezamento da Praça Aquarius para valorizar ainda mais a área como um espaço privilegiado e arborizado de convivência. Posteriormente, construiu o Hospital da Bahia e 90% dos empreendimentos do bairro, e vende os terrenos também para outras construtoras para valorizar o lugar.
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