A TARDE ESG
Potencialidades e fragilidades do sistema portuário
É fundamental a atuação do estado para promover a integração entre os modais e garantir o bom funcionamento dos portos
Por Eduardo Athayde* e Sérgio Faria**
A International Association of Ports and Harbors (IAPH), fundada em 1955, com sede em Tóquio, Japão, é uma aliança global de portos, representando 185 portos e 160 negócios relacionados a portos, em 88 países, que lidam com mais de 60% do comércio marítimo mundial e mais de 60% do tráfego mundial de contêineres. Representa globalmente os interesses de seus membros, no âmbito regulatório, na Organização Marítima Internacional, na Organização Mundial das Alfândegas, na Organização Internacional de Normalização e também atua no Fórum Marítimo Global e no Fórum Econômico Mundial.
Em status consultivo, a IAPH ainda trabalha com outros órgãos das Nações Unidas, como a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e o Pacto Global da ONU, como referência do setor para compartilhar as melhores práticas dos portos mais avançados e sofisticados do planeta, incluindo inovações em transição energética, descarbonização e redução de emissões nos portos e em todas as interfaces navio-terra.
O relatório internacional “Seatrade Maritime Global Ports Report 2023” analisa como os portos estão se adaptando ao mundo pós-pandemia, adotando princípios ESG e se preparando para operações automatizadas, revelando como estão ativamente preparando o terreno da transição para a energia verde, abordando as emissões e investindo em infraestrutura para enfrentar a responsabilidade compartilhada das mudanças climáticas.
Em um mundo sem fronteiras, o monitoramento constante do cenário externo, identificando os exemplos e os benchmarkings para o setor, é uma prática essencial para contribuir com o aperfeiçoamento contínuo do sistema portuário brasileiro.
Após três décadas do início do processo de modernização dos portos brasileiros, resulta inegável constatar a forte contribuição dos investimentos privados, o que, todavia, deve ser encarado com certa reserva, observados alguns pontos de atenção e fragilidades neste cenário.
Considerando que as relações de comércio internacional estão alicerçadas, fundamentalmente, no funcionamento do setor aquaviário, o fenômeno da globalização econômica provocou profundas alterações no segmento portuário e, em todo o mundo, teve início um amplo e acelerado processo de modernização dos portos, cujo objetivo maior foi o aumento da eficiência e a redução drástica dos custos na prestação dos serviços portuários.
A corrida pela modernização, por sua vez, ensejou o questionamento acerca da eficácia dos modelos até então adotados na gestão dos portos, sobretudo no propósito de abrir novas oportunidades de maior participação do capital privado.
O Banco Mundial criou uma classificação que permite agrupar os principais portos em atividade no atual cenário mundial em quatro modelos: service port (portos inteiramente públicos); toll port (admite a participação da iniciativa privada, mas preserva um alto grau de intervenção direta do estado); landlord port (o poder público detém a propriedade da área e transfere sua exploração para empresas privadas, normalmente mediante contrato de arrendamento por prazo determinado) e private port (todas as responsabilidades recaem para a iniciativa privada).
O sistema portuário brasileiro, atualmente regido pela Lei 12.815/13, sofreu profundas transformações ao longo dos últimos 30 anos, abandonando o modelo monopolista estatal (service port) e estabelecendo um novo cenário composto por portos públicos, denominados portos organizados, regidos pelo modelo landlord port, e terminais de uso privado (TUPs), que são instalações localizadas fora dos limites dos portos organizados e exploradas pela iniciativa privada mediante autorização, com modelo de gestão private port.
No caso do Brasil, a coexistência de dois modelos distintos não deve ser vista, em si, como uma contradição jurídica.
Sendo uma economia emergente, com baixa capacidade de investimento público, a abertura para que a iniciativa privada pudesse participar e dar uma contribuição efetiva no desafio de recuperar e modernizar os portos brasileiros mostrou-se uma medida acertada.
Entretanto, uma fragilidade do sistema portuário brasileiro é que, partindo-se do conceito mais amplo de porto como porta de acesso para as mercadorias, considerando que as mercadorias não se destinam e não se originam no porto em si, é condição absolutamente necessária para a consolidação de um empreendimento portuário a sua interligação com outros modais, notadamente o rodoviário e o ferroviário.
Como já é notório, um dos principais problemas que os portos brasileiros enfrentam nos dias presentes é justamente a questão da acessibilidade terrestre, de modo que, mesmo havendo apetite da sociedade para investir nos terminais de uso privado e nos arrendamentos dentro dos limites dos portos organizados, é fundamental a atuação do estado para promover a integração entre os modais e garantir o bom funcionamento do sistema portuário.
O fortalecimento dos modelos de gestão privados não deve significar a renúncia do estado às responsabilidades que lhe são inerentes. Se o Brasil optou por fomentar a participação da iniciativa privada na atividade portuária, ainda assim caberá ao poder público papel determinante, seja como investidor em infraestrutura complementar, seja como planejador, regulador e indutor do crescimento econômico.
É dever do estado brasileiro coordenar o planejamento com um enfoque mais amplo, pensando a estrutura logística de forma sistêmica, eliminando os gargalos e promovendo a necessária integração entre os modais.
A título de ilustração, cabe o exemplo da situação que se apresenta na Baía de Todos os Santos, a segunda maior baía do mundo, capital da Amazônia Azul, verdadeira dádiva da natureza, onde atualmente estão em funcionamento dez portos (dois portos organizados e oito terminais de uso privado), mas, por absurdo, inexiste acesso ferroviário e o acesso rodoviário é realizado única e exclusivamente pela BR-324, com péssimo índice de desempenho operacional.
Assim, sem a atuação do poder público, independente da forte participação de investimentos privados nos portos da Baía de Todos os Santos, a questão da deficiência de acessibilidade terrestre continuará sendo um fator de limitação para que se possa explorar na sua plenitude o extraordinário potencial da atividade portuária local, o que representa, sem dúvida alguma, uma das principais alternativas para se alavancar o desenvolvimento da economia do mar em nosso estado.
*Eduardo Athayde é diretor do WWI no Brasil, membro da Comissão de Economia do Mar da Associação Comercial da Bahia, [email protected]
**Sérgio Faria é membro da Comissão de Economia do Mar da Associação Comercial da Bahia, membro da Academia de Engenharia da Bahia, [email protected]
Saiba mais sobre Economia do Mar
Veja mais em A TARDE ESG
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes