A TARDE ESG
Trilhões de toneladas de carbono estão retidas no solo
Potenciais efeitos da liberação desse material na água e no ar são pouco entendidos e estudados
Por Yuanyuan Huang, Pep Canadell e Yingping Wang*
Dados sobre o carbono na atmosfera da Terra e o carbono contido nas plantas e nos corpos dos animais são conhecidos e estudados. Mas um montante substancial do carbono nos ecossistemas terrestres está retido em algo tão óbvio que chegamos a ignorar: o solo.
Mesmo quando se pensa no carbono no solo, geralmente ele é automaticamente associado ao carbono na matéria orgânica do solo, como lixo vegetal, bactérias ou resíduos animais. No entanto, o componente mineral inorgânico do solo também contém carbono. Um estudo publicado recentemente na revista Science mostra que há muito mais carbono inorgânico no solo do que se imaginava – e que este pode ser um interveniente surpreendentemente importante no ciclo do carbono da Terra.
Foram analisadas mais de 200 mil medições de solo de todo o mundo para calcular que os dois primeiros metros de solo contêm, globalmente, cerca de 2,3 trilhões de toneladas de carbono inorgânico. Isto é cerca de cinco vezes mais carbono do que o encontrado em toda a vegetação terrestre do mundo.
Estima-se que cerca de 23 bilhões de toneladas (1%) deste carbono podem ser libertadas nos próximos 30 anos, com efeitos pouco compreendidos nas terras, nas águas e na atmosfera da Terra.
O que é carbono inorgânico do solo?
O carbono inorgânico existe nos solos em várias formas. Pode ser gás dióxido de carbono retido, dissolvido em água ou outros líquidos, ou pode estar na forma sólida como minerais carbonáticos.
A maior parte do carbono inorgânico em peso são carbonatos sólidos, muitas vezes carbonato de cálcio (uma substância comum encontrada em materiais como calcário, mármore e giz). Eles dão ao solo uma aparência esbranquiçada, enquanto o carbono orgânico o torna escuro.
Os carbonatos do solo podem vir do intemperismo das rochas ou da reação dos minerais do solo com o dióxido de carbono atmosférico.
O carbono inorgânico tende a acumular-se mais no solo em ambientes áridos e semiáridos como a Austrália. Isso ocorre porque quando a água corre pelo solo, ela tende a levar consigo alguns dos carbonatos.
As estimativas mostram que os dois primeiros metros do solo da Austrália abrigam cerca de 160 bilhões de toneladas (7%) do carbono inorgânico mundial. Isto faz da Austrália o quinto maior reservatório de carbono inorgânico do solo do mundo.
Nas regiões mais úmidas, os carbonatos do solo também podem ser encontrados ao longo dos rios e à volta de lagos e zonas costeiras, sob a forma de depósitos aluviais ricos em cálcio ou de rochas calcárias. Os solos em regiões cársticas – áreas ricas em rochas como calcário, e muitas vezes caracterizadas por cavernas e sumidouros – normalmente contêm carbonato nas rochas. Em áreas como a Ásia Central, grandes depósitos de sedimentos levados pelo vento contribuem para a acumulação de minerais carbonáticos.
Por que deveríamos nos importar?
Este enorme reservatório de carbono é afetado por mudanças no ambiente, especialmente pela acidificação do solo. Os ácidos dissolvem o carbonato de cálcio, o que significa que o carbono se dissolve na água ou é liberado como gás dióxido de carbono.
Os solos em muitas regiões do globo (como a China e a Índia) estão a tornar-se mais ácidos devido à chuva ácida e a outras poluições provenientes de atividades industriais e da agricultura intensa.
Os cientistas têm visto os carbonatos no solo como um reservatório de carbono relativamente estável que muda apenas lentamente ao longo do tempo. No entanto, as atividades humanas tornaram o carbono inorgânico do solo mais móvel. A irrigação e a fertilização de terras agrícolas aceleram a taxa na qual o carbono inorgânico do solo é dissolvido e lixiviado do solo.
O carbono inorgânico acumulou-se no solo durante vastos períodos da história da Terra. As perturbações neste carbono terão um impacto profundo na saúde do solo. A interrupção deste carbono compromete a capacidade do solo de neutralizar a acidez, regular os níveis de nutrientes, promover o crescimento das plantas e estabilizar o carbono orgânico. O carbono inorgânico do solo não só atua como uma reserva de carbono, como também apoia muitas funções cruciais do solo nos ecossistemas.
Na pesquisa, descobriu-se que 1,13 bilhão de toneladas de carbono inorgânico são perdidas dos solos todos os anos para as águas interiores. Essa perda tem efeitos profundos, mas muitas vezes ignorados, no transporte de carbono entre a terra, as massas de água doce, a atmosfera e os oceanos.
O que fazer?
Há um reconhecimento crescente da importância do carbono do solo como parte fundamental das soluções baseadas na natureza para combater as alterações climáticas. No entanto, grande parte do foco até agora tem sido no carbono orgânico. A pesquisa mostra que o carbono inorgânico merece igual atenção.
Melhores práticas no uso da terra podem reduzir a perturbação do reservatório global de carbono inorgânico do solo e podem até aumentá-lo. Na agricultura, ajustar melhor a irrigação e a fertilização às necessidades de crescimento das plantas pode reduzir o impacto no carbono inorgânico. Em alguns solos, os corretivos orgânicos, como o composto e o esterco, podem proteger contra a acidificação, melhorar os níveis de cálcio e aumentar o carbono inorgânico do solo.
A investigação mostra que os esforços para mitigar as alterações climáticas por meio do sequestro de carbono no solo devem incorporar tanto carbono inorgânico quanto orgânico. O carbono inorgânico no solo está ligado a alterações globais, como as alterações climáticas, a poluição industrial e a utilização excessiva do solo, de formas diferentes das do carbono orgânico. No entanto, algumas estratégias para reter mais carbono no solo – tais como o aumento da meteorização das rochas, a florestação e a retenção de carbono orgânico nos minerais do solo – também podem servir para aumentar os níveis de carbono inorgânico.
Já existem programas internacionais de carbono no solo, como a iniciativa "4 por mil", que visa a aumentar o armazenamento de carbono no solo em 0,4% anualmente em todo o mundo. Esses esforços poderiam aumentar ainda mais sua ambição, considerando o papel crítico do carbono inorgânico na consecução da gestão sustentável do solo e no alcance das metas climáticas.
*Yuanyuan Huang é cientista pesquisador sênior da Academia Chinesa de Ciências; Pep Canadell e Yingping Wang são cientistas-chefes de pesquisa da CSIRO Environment.
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