AMAB EM FOCO
A importância dos Juizados Especiais e os desafios do mundo atual
Confira a coluna Amab Em Foco
Por Adiane Jaqueline Oliveira*
A criação do microssistema dos Juizados Especiais Estaduais, instituído pela Lei 9.099/95, representou um marco significativo na busca por um Judiciário mais célere e acessível no Brasil.
Norteado por princípios como da simplicidade e da informalidade, os Juizados foram concebidos com o propósito de garantir o acesso à justiça de forma mais eficiente e democrática, aproximando o Judiciário das pessoas, dando-lhes oportunidade de postularem até mesmo sem a necessidade de contratação de um advogado. A gratuidade de justiça, característica fundamental desse sistema, removeu barreiras financeiras, que, muitas vezes, impediam o acesso de grande parte da população ao Judiciário.
A sua importância para sociedade e para o Judiciário é inegável. Ao permitir a resolução de conflitos de menor complexidade de forma mais rápida, o sistema beneficia tanto os envolvidos nas causas, como contribui para desafogar as varas comuns, permitindo que estas se concentrem em processos mais complexos.
Atualmente, o volume dos processos que tramitam nos Juizados envolve questões de direito do consumidor. Neste contexto, os mecanismos protetores estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que visam equilibrar a relação naturalmente desigual entre consumidores e fornecedores, quando aplicados no contexto dos Juizados, potencializam a proteção ao consumidor e facilitam a resolução de conflitos.
Contudo, nas últimas décadas, os Juizados têm enfrentado desafios significativos, particularmente no que diz respeito às chamadas "demandas fabricadas". Este fenômeno tem sido observado com frequência crescente, a exemplo dos litígios envolvendo empréstimos bancários, ações indenizatórias por negativações em órgãos de proteção ao crédito e revisionais de contratos. Tais demandas, muitas vezes artificiais ou exageradas, sobrecarregam o sistema de justiça e desviam recursos e atenção de casos reais.
Na Bahia, podemos citar como exemplo a Nota técnica nº 010/2023, do Centro de Inteligência da Justiça Estadual da Bahia, que traz a situação de uma comarca que tinha 28.000 habitantes e acervo de quase 11.000 processos, dos quais 1/3 (mais de três mil e quinhentos processos) envolvia lides predatórias, demonstrando desproporcionalidade entre a realidade social e o quantitativo de ações distribuídas. Como consequência, a comarca ostentava mais de 7.000 processos paralisados há mais de cem dias, afetando as vidas de outras pessoas que, verdadeiramente, necessitavam de uma resposta judicial para o seu caso.
Com isso, a litigância predatória, caracterizada pelo uso abusivo e repetitivo da justiça em ações infundadas (qualificadas por elementos de abuso de direito ou fraude), valendo-se das tecnologias para forjar documentos e aproveitando-se das facilidades trazidas pelo processo virtual, tem se tornado uma preocupação crescente, por comprometer inclusive a eficiência dos Juizados, desviando o foco de sua missão original.
Diante desse cenário, é imperativa uma reflexão sobre a necessidade de utilização adequada do processo. É fundamental que aqueles que buscam a justiça estejam comprometidos com os princípios éticos, pois a má utilização do microssistema dos juizados coloca em risco a sua credibilidade. Ademais, quando o sistema é sobrecarregado com demandas fabricadas, mentirosas, existe o perigo real de que casos legítimos sejam negligenciados, resultando em decisões injustas ou na demora excessiva na resolução de conflitos.
É essencial que este instrumento de democratização do acesso à justiça no Brasil seja utilizado de forma responsável, ética, pautado no compromisso coletivo com a boa-fé processual e realização da justiça.
*Juíza de direito titular da 1ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais de Itapetinga-BA, mestre em Segurança Pública pela Ufba, ex-delegada de Polícia Civil do Amapá
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