AMAB EM FOCO
A Justiça Restaurativa e humanização na resolução dos conflitos
Confira a coluna Amab em Foco
Por *Marcela França
A Justiça Restaurativa vem sendo tratada como uma novidade no âmbito dos métodos alternativos de composição das disputas. Todavia as suas técnicas remontam culturas ancestrais, praticadas por comunidades tribais, nas quais os interesses da coletividade se sobrepunham aos individuais, e as demandas eram submetidas à apreciação de um ancião, com a participação da vítima, ofensor e da comunidade.
Com a elaboração de corpos normativos, as sociedades começaram a estruturar-se de acordo com os ordenamentos jurídicos positivados, e assim as condutas ofensivas passaram a ser vistas como violação às normas, ao contrato social que consubstanciava aquela comunidade, transferindo-se para o Estado a titularidade da posição de vítima.
No final do século XX, observou-se com maior proeminência um retorno aos métodos alternativos de composição dos conflitos, com novas formas de construir soluções, conferindo-se autonomia, por meio da emancipação das partes enquanto indivíduos livres e capazes de gerir suas relações.
No atual contexto da judicialização das relações sociais, vemos um Poder Judiciário sobrecarregado e descredibilizado, cenário no qual a Justiça Restaurativa emerge como uma “nova” possibilidade de abordar o conflito em suas múltiplas potencialidades.
Diante desse cenário, importa questionar se o modelo tradicional de justiça vem alcançando, tal como preconizado, a pacificação social dos conflitos ou se, para além de não lhes dispensar um tratamento construtivo, acaba por acentuar as divergências. E o conflito subjacente à demanda judicial vem sendo devidamente considerado na “solução” dada ao caso concreto?
Assim é que a Justiça Restaurativa vem apresentando soluções voltadas à maior satisfação das partes e com um nível de adesão subjetiva ao acordo muito maior do que a solução imposta por um agente externo ao conflito. Se um ato ilícito gera um dano, a preocupação da justiça, segundo a abordagem restaurativa, deve ser a sua reparação, por meio da devolução das partes (tanto quanto possível) ao status quo ante bellum e não apenas punir quem praticou o ato.
Por fim, não se pretende atribuir à Justiça Restaurativa o papel de tábua de salvação para todas as contradições do sistema de justiça atual, tampouco reduzi-la a um instrumento de resolução mais célere de demandas, voltadas a desafogar o Poder Judiciário. Seria uma simplificação injusta.
Busca-se, sobretudo, conferir um tratamento humanizador às relações processuais, criando-se ambientes favoráveis para que as partes construam, democraticamente, as soluções para os seus próprios problemas.
A Justiça Restaurativa, para ser efetivamente compreendida em seus limites e potencialidades, deve ser concebida não como um produto acabado, mas como um ponto de partida que pressupõe a humanização na resolução dos conflitos, recuperando o olhar empático e individualizador das questões inerentes às relações interpessoais. Esse processo de resolução não adversarial dos conflitos traz como proposta a abertura de janelas de possibilidades para ressignificação das relações, das pessoas, e do próprio conflito, o qual, muitas vezes, é deflagrado a partir de questões mais profundas e que não emergem no processo tradicional.
*Marcela França é juíza de Direito em Salvador
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