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AMAB EM FOCO

Caminhos de um juiz

Confira a coluna Amab em Foco

Daniel Serpa de Carvalho*

Por Daniel Serpa de Carvalho*

05/09/2025 - 2:27 h
Daniel Serpa de Carvalho, juiz de Direito
Daniel Serpa de Carvalho, juiz de Direito -

Naquela tarde, entre processos e audiências, minha atenção se dividia com a apreensão gerada pela expectativa do lançamento dos editais de promoção. Já fazia mais de uma década que eu judicava aqui e ali, por esses interiores. Tal qual um caixeiro-viajante, meu pouso em cada cidade era breve, porém intenso: pessoas, culturas, lugares. Tudo novo e sempre muito desafiador!

Apesar de a aventura ser fascinante, confesso que a idade já começava a pesar, e a necessidade de encontrar um lugar para chamar de meu — para além daqueles que sempre levei e levarei no peito — se fazia presente. Um grande centro? Um interior sertanejo? Ou quem sabe as belezas das praias do extremo sul da Bahia? Muitas eram as comarcas oferecidas, muitas as possibilidades de vida para um juiz. Onde encontraria a felicidade?

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A angústia causada pela ansiedade gerava desordem. Um turbilhão de pensamentos, memórias, cheiros e imagens dos diversos lugares que já havia conhecido passava pela minha mente. Me ocorreram então os vários casos que julguei, as vidas que transformei, as noites mal dormidas, as audiências aguerridas, os advogados inflamados, os servidores dedicados.

Mas, mais que isso, as partes: da pessoa mais humilde à mais instruída, da pobre à rica. Seres humanos que se revelavam inteiros em cada processo, de alma nua, na sua verdadeira essência e natureza. Heróis, crápulas, corruptos, santos. Simplesmente humanos.

Dos “causos” ruins, bastam aqueles estampados nas capas de jornais. Exalto aqueles que não viraram notícia, os anônimos. Do carinho de mãe de Zeni, ao receber cada criança sem mãe, sem família na casa lar — que nunca foi orfanato — à doce Ana, já prestes a se aposentar, que muito me ajudou a resgatar famílias do alcoolismo e das drogas. Sempre entendi que o melhor interesse da criança passava por inseri-la numa família saudável; resgatar as famílias é fundamental. Do querido Gelson, que nunca soube dizer não a qualquer missão impossível que lhe incumbisse: o adolescente, terror nas biqueiras, virou homem de bem. Não foi, meu amigo?

Foi então que percebi o quão humano eu era. Acertei? Errei? Fui justo ou injusto? E, em meio a esses pensamentos, o telefone toca. Não reconheci o número, mas ainda assim atendi. A voz, a princípio, também não me era familiar. A pessoa começou a falar, e o mistério desvendou-se. Meus olhos marejaram, e contive as lágrimas.

Mais de vinte anos antes, eu estagiava. O antigo escrivão, por aquelas coincidências que só a vida nos traz, passou a trabalhar com um novo juiz, do qual rapidamente se tornou amigo. E, papo vai, papo vem… et voilà! Não sei como, surgiu meu nome na conversa: de um lado, o estagiário comprometido; do outro, o compadre, amigo-irmão daquele juiz. O escrivão conseguiu meu número, e ali estávamos, conversando e recordando memórias doces de um passado remoto.

Na minha mente, passava um filme de toda a trajetória profissional até chegar aos dias atuais. A conversa terminou, a ligação se encerrou, e o sentimento que me invadiu foi o de gratidão. Gratidão pelo sonho que se concretizou, que se tornou realidade. Depois de tanta luta, tantas dificuldades, tantos obstáculos. E ali estava eu, juiz, escolhendo os novos rumos da minha vida.

A ansiedade cessou de imediato. Guardei os editais na gaveta. Dali em diante, sabia que seria feliz em qualquer lugar onde viesse a distribuir justiça, porque feliz é o juiz que está com toda a gente, a ouvir e a julgar, num dever quase divino de — ao menos tentar — fazer da sua cidade, da sua comarca, um lugar melhor, para si e para sua comunidade.

*Daniel Serpa de Carvalho

Juiz de Direito da 1ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais de Conceição do Coité (BA)

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