AMAB EM FOCO
Crianças e Adolescentes no contexto da violência doméstica
Confira a coluna Amab em Foco
Por Sandra Magali Brito Silva Mendonça*
A violência no ambiente doméstico se exterioriza como uma experiência de múltiplas repercussões, que extrapola a seara da pessoa violentada, alcançando os familiares que convivem direta ou indiretamente com a agressão, importando em diversas consequências para crianças e adolescentes.
A mera exposição dos filhos menores à violência doméstica, testemunhando ou convivendo em um lar onde sua mãe é agredida, implica em violência psicológica. Deste ambiente resvalam, ainda, outras situações periféricas e igualmente traumáticas para crianças e adolescentes, tais como: ser conduzida entre a mãe e o pai em uma viatura policial; assistir à prisão do pai; ser utilizado como estratégia para atingir sua mãe; ver sua mãe machucada e triste; acompanhar o medo que sua mãe sente e superar os desdobramentos da separação litigiosa dos pais.
Não sem razão, filhos de mães violentadas deflagram quadro de distúrbios próprios da experiência traumática que assistiram. A criança que faz parte desse microssistema familiar violento, ao ver ou ouvir cenas de agressões, poderá ser impactada em suas emoções e comportamentos, tendendo a sequelas análogas as da própria vítima direta.
Quando a criança experimenta reiteradamente a violência doméstica contra a mãe, em prazo mais extenso, observam-se transtornos psiquiátricos, pensamentos invasivos, depressão, ideias suicidas, fobias, isolamento, ansiedade intensa, medo, abuso de álcool e outras drogas, gravidez precoce, raiva, hostilidade, sensação crônica de perigo, imagens distorcidas do mundo e dificuldade de perceber a realidade e de resolver problemas interpessoais, além de transtornos comportamentais e prática de atos infracionais.
O poder e a dominação extravasada no lar pelo homem contra a mulher, pode ocasionar o que Saffioti (1987) denomina de “síndrome do pequeno poder”, pois a mulher, vítima da opressão e da violência do marido ou companheiro, tenderá a mudar de papel, tornando-se opressora e violenta contra os próprios filhos.
Além disso, estudos mostram que mulheres submetidas à violência na família de origem ou que testemunharam violência entre os pais durante a infância estão mais predispostas à vitimização em seus relacionamentos conjugais na vida adulta. Por outro lado, homens que vivenciam as mesmas circunstâncias quando crianças são mais tendentes a estabelecerem relacionamentos amorosos nos quais praticam violência doméstica contra suas companheiras ou esposas.
Tal constatação aponta para um ciclo contínuo do problema, que estabelece a dinâmica familiar da próxima geração (violência transgeracional). Ou seja, o sujeito reproduz o modelo apresentado pelos pais na infância, aprendendo a se comportar de forma agressiva, resultando na reprodução do ciclo de violência onde o comportamento, conteúdos, mitos, medos e traumas são levados de forma inconsciente de uma geração para outra, pela cadeia de transmissões psíquicas.
É imperioso, portanto, que o Estado, a sociedade e a família estejam constantemente implicados e atentos ao direito de crianças e adolescentes à convivência familiar saudável e isenta de qualquer modalidade de violência, nos termos da legislação que estabelece a promoção e amparo desses sujeitos em formação, de modo prioritário.
Assim, precisamos ampliar o entendimento da violência doméstica contra a mulher, encarando-a como ato agressivo contra os filhos, pelo potencial de ocasionar danos e sofrimentos às crianças e adolescentes e prejudicar a formação das gerações futuras.
*Sandra Mendonça é juíza da Vara da Infância e Juventude do TJBA
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