PROBLEMA SOCIAL
IA, contratos bancários e o endividamento do vulnerável
Confira a coluna Amab em Foco
Por Antônio Carlos de Souza Hygino*
Desde os tempos remotos até os dias atuais, as relações contratuais sempre fizeram parte do cotidiano das pessoas.
Na trajetória de evolução, o homem passou do escambo para o uso da moeda como instrumento de troca. A palavra empenhada gradualmente cedeu lugar à forma escrita de contratação. Com a Revolução Industrial, surgiu a sociedade de consumo. A livre discussão das condições foi substituída por cláusulas predeterminadas. Hoje, com o progresso tecnológico, os contratos são celebrados virtualmente, com o uso de inteligência artificial e na forma de adesão.
O contrato por adesão, ao limitar a possibilidade de discussão sobre as cláusulas contratuais, frequentemente se revela abusivo, pois não respeita o Princípio da Informação, que guia as relações de consumo.
A formalização digital de contratos de empréstimo firmados por idosos e pessoas vulneráveis com instituições financeiras, nos moldes atuais, tem se mostrado prejudicial ao conduzi-los ao endividamento, pois muitas vezes não recebem informações claras e precisas sobre o produto contratado, especialmente sobre juros e outros encargos.
Como ilustração, em levantamento junto a Procons da Costa do Cacau, em média 80% das reclamações apresentadas por idosos e outros vulneráveis versam sobre essa problemática. O órgão, que apenas exerce atividades administrativas, diante da resistência dos credores em buscar uma solução amistosa, leva a controvérsia ao Judiciário, resultando em um grande número de pedidos de nulidade ou revisão contratual.
A experiência de anos de judicatura e a observação prática da matéria em análise levaram-me à seguinte conclusão:
a) Quando os contratos são formalizados por agentes credenciados, há casos em que os dados pessoais obtidos virtualmente são utilizados sem o consentimento do vulnerável, resultando em fraudes. Isso configura falha na prestação do serviço e aplicação da teoria do risco do empreendimento.
b) Quando os contratos são formalizados via aplicativo ou site da instituição financeira, frequentemente o vulnerável pretende celebrar um contrato específico, mas acaba aceitando outro que não atende aos seus interesses.
A consequência desse desvio é o endividamento involuntário do vulnerável, que, pressionado pela necessidade, é levado a aceitar propostas que parecem ser uma salvação financeira, mas que, na verdade, o envolvem em um ciclo de endividamento prejudicial, que lhe retira até mesmo a dignidade.
Por outro lado, o Judiciário não acompanhou a evolução tecnológica ao não criar mecanismos que facilitassem uma prestação jurisdicional rápida. Além disso, as normas protetivas (como o CDC, a Lei do Superendividamento, o Desenrola Brasil, a Limitação de Juros, entre outras) não se mostraram eficazes, pois atuam de maneira predominantemente punitiva.
Diante desse cenário, considerando que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.338/2023, que trata da regulamentação da Inteligência Artificial no Brasil com o objetivo de proteger os direitos fundamentais e garantir a implementação de sistemas seguros e confiáveis em benefício dos contratantes, seria prudente que os órgãos de defesa das pessoas vulneráveis chamassem a atenção dos legisladores para adotarem medidas preventivas na formação dos contratos, visando evitar futuros problemas para os mais necessitados.
*Juiz de Direito e membro da Academia de Letras de Ilhéus
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