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Lisa Gherardini, la Gioconda

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Publicado sexta-feira, 17 de novembro de 2023 às 05:10 h | Autor: Cássio Miranda
Cássio Miranda, desembargador do TJ-BA
Cássio Miranda, desembargador do TJ-BA -

 Ao ser retratada por Leonardo da Vinci, a jovem esposa de Francesco del Giocondo, um afortunado comerciante de seda florentino, em 1503, contava com 24 anos de idade e tinha, pouco meses antes, dado à luz um menino chamado Andrea. 

O nascimento de um varão, aliado ao fato de que Francesco houvera adquirido uma nova casa, eram motivos suficientes, à época, em Florença e na Europa próspera, em pleno Renascimento, para a encomenda de um retrato. Leonardo, então com 51 anos de idade (viveria até os 67), aceitou a encomenda por conta dos laços de amizade de Francesco com sua família. Porém, o retrato nunca foi entregue porque ele o considerava incompleto. 

Da Vinci, um polímata, uma inteligência superior, era um homem atormentado pela perfeição e padecia do defeito grave de desinteressar-se tão rapidamente por um projeto quanto se entusiasmava abruptamente por outro. Se tivesse controlado essa inquietação, teria legado à humanidade muito mais obras de valor artístico incomensurável. 

Diz-se sobre o quadro da Mona Lisa que seria um autorretrato do artista a demonstrar homossexualidade; ou que o sorriso dela seria o resultado de uma paralisia facial. Bobagens. Da Vinci, de fato, assim como Miguel  ngelo, era homossexual, e isso não era segredo na sociedade florentina. Por outro lado, imaginar paralisia facial num belíssimo e enigmático sorriso é sinal de paralisia cerebral de quem elaborou essa teoria. 

Para Lamers-Schütze, o sorriso decorre do fato de Lisa ter casado bem, considerando que ela era de família menos abastada que a de Francesco, que demonstrava ser um bom marido, o que “já naquela época era razão mais que suficiente para sorrir” (Lamers-Schütze, Petra. Leonardo. Taschen: Colônia, 2000).

Da Vinci levou o quadro para a França e não se sabe se a obra teria retornado para a Itália depois do seu falecimento. Certo mesmo é que, após a sua morte, ocorrida em 1519, Gian Giacomo Caprotti, vulgo Salai, discípulo e amante de Leonardo, a vendera para representantes do rei da França por uma soma considerável. Daí a obra teria seguido para Versalhes, onde fora exposta na Petite Galerie du Roi, tendo sido registrada em 1695. Por fim, foi incorporada ao acervo do Museu do Louvre em 1797. Curiosamente, durante o Império de Napoleão Bonaparte, no século XIX, permaneceu decorando os aposentos da adúltera imperatriz Josefina, que tinha uma vida dissoluta quando conheceu Napoleão e depois de casar-se com ele, preservadas as aparências de estilo, restou confirmada a máxima do filósofo Martinho da Vila: “Quem é do mar não enjoa”. 

O certo é que admiramos e nos deixamos seduzir pelo sorriso singular da Mona Lisa, cuja sutileza pode significar muita coisa e comporta as mais fantasiosas interpretações e sensações, inclusive eróticas. O quadro em si mesmo, protegido com vidro à prova de bala no Museu do Louvre, em Paris, por seu tamanho relativamente pequeno (73 cm x 53 cm) quando visto frente a frente, provoca uma certa frustração inicial, até que seja observado sem pressa. 

Em 1984, durante a campanha das Diretas Já, um dos mais belos momentos de participação popular pela democratização do Brasil, afinal traída pela cúpula política comandada por Tancredo Neves, o poeta e artista plástico Nailson Chaves produziu várias camisetas sobre o tema. Numa delas tinha a estampa da Mona Lisa com um balão no qual ela advertia: “Não me venham com indiretas!”.

Cássio Miranda  é desembargador do TJ-BA

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