AMAB EM FOCO
Migração: uma decisão personalíssima
Confira coluna Amab em Foco
Por Juiz Eldsamir Mascarenhas*

Desde a entrada em vigor da Lei n° 14.807/24, que alterou o texto da Lei nº 13.222/15, o servidor público do Estado da Bahia tem se deparado com expressões até então desconhecidas, que o convidam a uma tomada de decisão.
A lei em referência passou a autorizar que servidores estatutários integrantes do quadro efetivo do Estado antes de 29/07/2016, com remuneração superior ao teto do Regime Geral de Previdência - RGPS, possam “migrar” para o Regime de Previdência Complementar – RPC - instituído em 2016, com o direito à compensação futura do benefício especial.
O caráter irretratável da decisão e a delimitação de prazo para sua realização (até 28/07/27) têm colocado o tema na ordem do dia, ante a necessidade de disseminar informações que possibilitem uma decisão segura e consciente.
Em princípio, vale destacar que, ao optar pela migração, o servidor não migra do RPPS (Funprev) para o RGPS (INSS). Sua vinculação previdenciária permanece com o Funprev, com a particularidade de que sua contribuição passará a incidir sobre parcela da remuneração equivalente ao teto do RGPS (hoje, R$ 8.157,41), sendo este também o valor máximo que receberá, no futuro, de benefício previdenciário (aposentadoria ou pensão).
Outra consequência legal da migração é a vinculação automática ao RPC.
Neste caso, o recolhimento previdenciário é feito a destinatários distintos e com diferentes bases de cálculo: é recolhido 14% sobre o teto do RGPS para o Funprev e 8,5% sobre a diferença entre a totalidade da remuneração e o teto do RGPS para o RPC, administrado pela PREVNORDESTE.
Vale salientar que embora a lei tenha instituído adesão automática ao RPC, o servidor pode optar pela desvinculação com ressarcimento integral das contribuições recolhidas no prazo máximo de 90 dias. Ou seja, mais uma decisão sobre a qual o servidor deve se debruçar.
A migração, ao mesmo tempo em que implica redução contributiva imediata para o servidor, e proteção contra eventuais futuras alíquotas extraordinárias e progressivas, aponta para um cenário de menor proteção previdenciária no futuro, já que menor contribuição acarreta menor aposentadoria e pensão.
A concessão do benefício especial, pago pelo Tesouro, busca compensar o servidor pelo recolhimento acima do teto realizado até a data da migração que não repercutirá no benefício previdenciário. Tratando-se de um benefício que se proporcionaliza de acordo com o tempo de contribuição de cada servidor, a expectativa é que o somatório de seu valor com a aposentadoria ou pensão no teto do RGPS ainda não se aproxime do valor percebido em atividade.
A previdência complementar surge, portanto, como opção para complementação previdenciária, contando com o aporte paritário do Estado até o percentual de 8,5%. É matemático que quanto mais o servidor contribua para o RPC, maior será a reserva a ser constituída para ampará-lo no futuro.
Traçado o breve esboço da situação do servidor pós migração, cumpre avaliar o que deve ser levado em consideração antes da tomada da decisão.
Sem dúvida, a primeira providência a ser tomada é a solicitação do cálculo simulado do benefício especial.
O conhecimento deste valor e do tempo faltante para a aquisição do direito à aposentadoria possibilitará a simulação de cálculo do benefício complementar, para comparação com o benefício previdenciário (com ou sem integralidade, caso a admissão tenha sido antes ou depois de 31/12/03) a que o servidor faria jus caso não optasse pela migração.
Mas, além de comparar eventuais proventos, é preciso avaliar outros fatores envolvidos na decisão.
Considerando o histórico de reformas previdenciárias, que agrega incertezas ao sentimento do servidor em relação a sua aposentadoria, parece claro que a opção pela migração oferece uma relativa blindagem a alterações futuras, ao limitar a parcela de proventos sujeita ao RPPS a uma pequena parte da sua remuneração de inatividade já que, ao optar pela migração e manutenção da adesão ao RPC, o servidor dilui os riscos futuros ao dividir a responsabilização do seu pagamento de inatividade entre três diferentes fontes: o RPPS, o Tesouro Estadual e o RPC.
A divisão traz também a vantagem de excluir tanto o benefício especial como o complementar da incidência contributiva de inativos prevista para o benefício pago pelo RPPS, já que apenas este conserva a natureza previdenciária.
De igual forma, apenas o benefício pago pelo RPPS estaria sujeito a proporcionalização, redutor de pensão, alíquotas progressivas e extraordinárias e quaisquer outras medidas gravosas que, eventualmente, sejam criadas no futuro pelo legislador.
Por outro lado, a migração também pode ser desvantajosa. É preciso lembrar que, com a exoneração, perde-se o direito ao benefício especial; também que a isenção de imposto de renda prevista para proventos decorrentes de aposentadorias por determinadas doenças incapacitantes não se estende ao benefício especial nem ao complementar; e que, estando o benefício complementar limitado ao saldo acumulado, há o risco de este se exaurir antes do óbito do servidor.
A incidência de imposto de renda também é um ponto a ser considerado, já que a redução da incidência previdenciária acarreta uma majoração da incidência tributária, a impactar no saldo líquido da remuneração.
Assim, é de se perceber que muitos fatores devem ser considerados na tomada da decisão: data de admissão do servidor, expectativa em relação à carreira no Estado, existência de tempo averbado, educação previdenciária, existência de cônjuge/companheiro servidor público, risco de acometimento de doenças graves, grau de tolerância a riscos...
Mais que oferecer respostas, o que o presente texto objetiva é mostrar os aspectos envolvidos na decisão de migração e sua importância para o futuro do servidor. Parece claro, portanto, que, quando se trata de migração, não havendo situações iguais a comportar soluções idênticas, a decisão é personalíssima.
*Vice-Presidente da Associação dos Magistrados da Bahia (AMAB)
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