AMAB EM FOCO
Violência: um câncer que se espalha
Confira a coluna Amab em Foco
Por Josemar Dias Cerqueira*
O brasileiro vem se ajustando à violência. Lenta e gradualmente adapta seus hábitos e se acostuma com a falta de segurança.
As pessoas na faixa de 60 anos recordam do tempo em que ao circular em ruas escuras se temia apenas fantasmas e qualquer pessoa que se avistava no mesmo trajeto era um alívio. Aqueles na faixa de 30 a 40 anos lembram que tinham certo receio de horários tardios, mas circulavam livremente durante o dia, sem temor, salvo em bairros tidos como “perigosos”.
As mudanças, para pior, foram acontecendo. No imaginário de grande parte da população, o espaço onde moram lembra um conjunto de anéis, um dentro do outro. As pessoas se iludem ao pensar que moram no centro do anel e que a violência acontece principalmente nos anéis externos. O que se vê, contudo, é que os atos violentos estão em todos os lugares, inclusive no centro dos anéis. Acontece um roubo na rua próxima, mas é esquecido logo. Levam o celular do amigo do filho a caminho da escola e nem pensamos mais no dia seguinte. Em uma rua próxima, daquele bairro tão tranquilo, sequestram uma mãe que esperava o filho na escola e fazem saques no PIX, mas só dizemos “ainda bem que ela não sofreu nada”! E logo o fato é esquecido.
A solução adotada: as pessoas param de andar com valores, as crianças não circulam com celulares e temos seguranças em escolas infantis.
Dentro de uma sociedade líquida, para usar um termo sociológico, as pessoas prestam atenção no que impacta, no que sai em redes sociais, o que acaba sendo a violência com aparência de novidade – como morte bárbara de crianças ou atiradores em escolas - ou a violência grotesca, que envolve problemas conjugais, por exemplo. E mesmo isto é esquecido em um ou dois dias.
Neste período, a violência “habitual” cresce. Os furtos se multiplicam, os pontos de tráfico se ampliam e novas Cracolândias aparecem. As facções chegam em lugares onde não atuavam e gírias criminosas – como “dar uns corres”, “pegar a visão” etc, incorporam-se ao vocabulário. O restaurante de antes não é mais seguro, assim como a padaria da esquina.
Na linha de frente do combate estão os policiais. Submetidos a normas e cobranças, além de usarem armas obsoletas. Pouca gente sabe, mas armas longas (fuzis, por exemplo) já fazem parte do cotidiano policial. Enquanto um bando criminoso não obedece a nenhuma regra, o policial atua preocupado com as cobranças posteriores: vão achar que passei dos limites? Vão entender que atirei na hora certa? Em muitos círculos, o profissional que trabalha para nos proteger é visto com desconfiança pelos protegidos.
Do ponto de vista acadêmico, não se gosta do termo “Guerra” ao se referir à violência, por diversos fatores, inclusive pelo objetivo de eliminação do outro que existe na guerra. Esquecendo aspectos teóricos, podemos associar a situação a um câncer neste corpo humano que é o Brasil. Depende de tratamento severo, senão se espalha e mata o paciente. Pode até regredir, mas retorna com muita facilidade. Migra facilmente de um lugar doente para um lugar sadio e atrai todo tipo de opinião de pseudoespecialistas quanto a curas milagrosas.
*Juiz de Direito; Mestre em Segurança Pública; Especialista em Ciências Criminais; Autor dos livros “Prisão em flagrante - Teoria, Prática e Questões de Concursos” e “O Município na Segurança Pública”; Coautor do livro “Princípios Penais Constitucionais”; Palestrante.
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