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ANIVERSÁRIO DE SALVADOR

Poder e cultura: os fortes de Salvador e sua versatilidade

Capital baiana é a cidade com mais fortificações do Brasil

Por Bianca Carneiro

29/03/2022 - 6:00 h
O Forte de Santa Maria, na Barra, que abriga o Espaço Pierre Verger da Fotografia Baiana
O Forte de Santa Maria, na Barra, que abriga o Espaço Pierre Verger da Fotografia Baiana -

Bem verdade é que Salvador tem quase duas igrejas católicas para cada dia do ano, mas o que também não falta na capital baiana são os fortes, construções históricas datadas do Brasil Colônia, que tinham como objetivo proteger a cidade de invasores. Não alcançam os 700, como é o caso das igrejas, templos e capelas mas, segundo o historiador, professor e pesquisador Rafael Dantas, a cidade já chegou a ter um por dia do mês, com 30 fortificações.

Com o passar do tempo, o número foi reduzindo até os 11 existentes atualmente. São eles: Forte de Santo Antônio da Barra, Forte de Santa Maria, Forte de São Diogo, Forte de São Paulo da Gamboa, Forte de São Pedro, Forte de São Marcelo, Forte da Jiquitaia, Forte de Santo Alberto (Lagartixa), Forte do Santo Antônio Além Carmo, Forte de Monte Serrat e o Forte do Barbalho.

“Esse número de 30 é considerado bem alto. Salvador é a cidade mais fortificada do Brasil porque, no passado, era a mais rica da colônia, sendo capital da América Portuguesa de 1549 a 1763, então era preciso defendê-la. Ao longo de todos esses anos, parte das riquezas da colônia saíram de Salvador para a Europa. O porto de Salvador, por volta de 1700, foi o de maior movimentação no hemisfério sul, isso é um feito muito grande”, explica o historiador.

As fortificações eram tão relevantes no passado, que ajudam a medir o nível de importância de uma cidade. Rafael conta que descrições e relatos de viajantes associavam a cidade de Salvador aos fortes da Barra, que ficavam no início da cidade. “Eles percebiam que era uma cidade importante pelos fortes que ela tinha”, diz. Ainda de acordo com o especialista, a primeira onda construtiva de fortificações ocorreu no início do século 16. Depois, a cidade passou a ter a segurança reforçada com mais fortes após a invasão holandesa de Salvador, em meados do século 17. “O Forte de São Marcelo, por exemplo, foi um dos construídos pós-invasão”, complementa o historiador.

Rafael explica como era a estratégia de defesa nos fortes. Conforme o especialista, militares moravam e se revezavam nas construções, que guardavam ainda uma série de equipamentos bélicos, entre eles canhões e armas. Era comum também que as construções - com vista privilegiada da Baía de Todos-os-Santos - atuassem juntas contra os ataques, uma estratégia militar bem sofisticada para a época.

“Alguns dos mais importantes fortes de Salvador, tendo em vista o calibre de seus canhões, eram o Forte de Santo Antônio da Barra, o Forte de São Pedro e o Forte do Santo Antônio Além Carmo. No centro de Salvador, temos o Forte de São Pedro, ali perto do Campo Grande, que foi projetado para atuar junto com o Forte da Gamboa. Enquanto o Forte de São Pedro disparava os canhões de cima, o da Gamboa disparava os de baixo. Foi um pensamento estratégico muito aperfeiçoado para a época: atacar os inimigos de duas formas seguidas para atingir algum navio que quisesse invadir a cidade”, afirma Rafael.

Defesa da cultura

Mas se, antes, os Fortes de Salvador eram pontos de defesa militar, hoje as armas deram espaço para a cultura. Segundo Rafael, a guinada veio no século 19, com a conquista da República. “Quando o Brasil se torna independente de Portugal, a partir de 1822, temos outra realidade político-militar, em que os fortes perdem a função de defesa da cidade e acabam se tornando ícones de uma velha Salvador, de uma velha Bahia”, ressalta.

Atualmente, parte dos 11 fortes funciona para atividades culturais e lazer, abrigando museus, exposições e restaurantes. Um dos mais famosos é o Forte de Santo Antônio da Barra, lar do Farol e do Museu Náutico da Bahia, que aborda fatos da história marítima baiana e brasileira. Quem administra o equipamento cultural é a Marinha e, ee acordo com o comandante Reuben Costa, a escolha do forte para a instalação do Museu foi natural devido a representatividade para o povo baiano, beleza arquitetônica e facilidade de acesso.

“O visitante pode ter a emoção de vivenciar a experiência de nossos antepassados na vigilância de nossas terras, além do atrativo de seu farol, que presta secular serviço à segurança da navegação com o Farol Santo Antônio, iluminando a entrada da baía desde 1698”, pontua Reuben.

Segundo o militar, antes da pandemia o Museu registrava uma média de 135 mil visitantes anuais. Ele diz que os indicadores atuais já mostram que, até o final do ano, a quantidade vai ser superada. Uma das pessoas que esteve no equipamento cultural no início de 2022 foi a estudante Amanda Fernandes, 27. Ela conta que ficou sabendo do local por meio de programas de televisão, e que recomenda o passeio.

“Achei muito legal e curioso, pois a gente pode observar como eram os navios, principalmente os da época do descobrimento do Brasil, além de alguns materiais que eram utilizados naquela época, como algumas louças por exemplo. Porém, apesar de ser curioso, bateu um clima pesado ao ver como era o navio negreiro, pois levei um choque de realidade ao imaginar como os negros eram transportados da África até o Brasil, muito triste”, afirma. “Gostei da vista do mar e de uma parta da Baía de Todos-os-Santos, é muito lindo contemplar aquela beleza natural”, completa ela.

A poucos metros do Santo Antônio, outros dois fortes na Barra, administrados pela Prefeitura de Salvador, também ofertam atividades culturais: o Santa Maria e o São Diogo. No Forte Santa Maria, funciona o Espaço Pierre Verger da Fotografia Baiana, projeto que destaca o trabalho de Verger e de mais 100 fotógrafos que tenham nascido ou fixado residência, ainda que temporária, na Bahia.

Já o Forte São Diogo abriga, desde maio de 2016, o Espaço Carybé de Artes, um centro tecnológico de referência da vida e obra do artista argentino naturalizado brasileiro. As obras são expostas utilizando recursos de mídia digital e realidade virtual, que tornam acessíveis mais de 500 trabalhos. Conforme a prefeitura, em média, 500 pessoas passam pelo equipamento por mês. Já o Espaço Pierre Verger de Fotografia recebe mensalmente em torno de 700 visitantes.

A lista de fortes que funcionam atualmente com algum tipo de atividade cultural inclui ainda o de Santo Antônio Além do Carmo, conhecido como Forte da Capoeira. Por lá, é possível encontrar academias do esporte afro-brasileiro, comandadas por tradicionais mestres. O local também funciona para visitação sobre a história da capoeira, através da Biblioteca Luiz Gama e das exposições permanentes da Galeria Memorial da Capoeira. Para além da expressão cultural, o público pode conseguir cessão de pauta para seminários, palestras, workshops, desfiles, ensaios fotográficos e filmagem de vídeos, desde que sejam relacionados à cultura popular e identitária.

Segundo dados da Secretaria de Cultura da Bahia (SecultBA), a média é de 500 alunos fixos das academias de capoeira. Quanto aos visitantes, o forte chegava a receber, mensalmente, cerca de 1.300 pessoas antes da pandemia. Desde a reabertura, para o público, em 22 de janeiro deste ano, o local passou a receber aproximadamente 700 visitantes por mês.

Perto dali, o Forte do Barbalho não possui atrações turísticas, mas abriga o escritório do Bahia Criativa, ligado à Superintendência de Promoção da Cultura da SecultBA, e o Bahia Film Comission, que faz parte da Diretoria de Audiovisual da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), além do Barracão das Artes, Barracão Wilson Melo e o galpão Boca de Cena.

  • Farol da Barra em 2001
    Farol da Barra em 2001 |
  • Forte São Diogo, na encosta do Morro de Santo Antônio
    Forte São Diogo, na encosta do Morro de Santo Antônio |
  • Porto da Barra no final do século 19
    Porto da Barra no final do século 19 |
  • Forte de Santa Maria, na Barra
    Forte de Santa Maria, na Barra |

Para o historiador Rafael Dantas, o número de Fortes com atividades para o público ainda é baixo. “Os que são bem aproveitados, dá para gente contar nos dedos, os outros não recebem a atenção devida. É uma pena, porque os fortes são construções importantíssimas para Salvador e para o Brasil, são testemunhas das ações e transformações humanas na cidade e da importância que Salvador tinha no Brasil Colônia”, ressalta ele.

Em alguns fortes, a exemplo do Mont Serrat, é possível entrar para conhecer e tirar fotos. Rafael dá algumas dicas: “observe a monumentalidade da construção, como eles foram construídos, a planta, a fachada, o uso de pedra, a portada (porta de entrada), os brasões e floreios. São objetos que mostram a força do Império Português no Brasil. Cada forte possui uma história além que pode ser vista e entendida”, afirma.

Para o aniversário de Salvador, nesta terça-feira, 29, Rafael irá conduzir uma palestra gratuita às 16h no Museu de Arte da Bahia. Na ocasião, ele vai abordar e analisar mapas antigos e cartografias, plantas da cidade nos séculos 18 e 19, mostrando, entre outras coisas, as fortificações. “Precisamos pensar no futuro de Salvador olhando para nosso passado. No aniversário, a gente lembra que estamos ficando velhinhos, mas o futuro de Salvador está no seu passado, na sua história, no turismo sustentável. É valorizar nossa identidade e os fortes fazem parte de tudo isso, e é preciso lembrar da sua importância para o cenário urbano da cidade”, pede.

Confira nosso guia de curiosidades e dicas sobre os Fortes com atrações em Salvador

Forte de Santo Antônio da Barra

Um dos mais famosos de Salvador, possui uma vista extremamente privilegiada, devido à localização na ponta da península, o eixo sul de Salvador. Foi o primeiro forte do Brasil e guarda uma curiosidade interessante em seu icônico farol, o mais antigo das Américas. “A gente conhece ele listrado preto e branco mas, na verdade, ele era branco e lilás. Depois no século 20 foi que ele mudou”, explica o historiador Rafael Dantas.

Além de ser um ponto 'instagramável' para fotos e local de encontro entre amigos e parte indispensável do circuito do Carnaval, o equipamento abriga o Museu Náutico da Bahia. O local funciona todos os dias da semana, das 9h às 18h.

São sete salas com a exposição de longa duração, que aborda a cartografia da Baía de Todos-os-Santos, instrumentos e embarcações, a história dos faróis e da sinalização náutica, o papel fundamental do mar para a chegada dos primeiros exploradores e a construção e consolidação do Brasil como Nação e Estado, entre outros.

Além do passeio pelos instrumentos de navegação históricos e suas réplicas, é possível visitar a Torre do Farol: uma subida de 82 degraus. O Museu dispõe, ainda, de uma sala onde são realizados trabalhos de artes plásticas, além da tradicional “Trezena de Santo Antônio do Forte da Barra", festejando o Protetor do Forte, Santo Antônio.

Ainda são realizadas oficinas, palestras, apresentações musicais, apresentações teatrais, e encontros de estudo como a Quarta da Oceanografia e a Sexta da Astronomia, montada pelo grupo de estudo parceiro do Museu, os Astrônomos Amadores da Bahia (AAB).

Santa Maria

“Irmão” do Forte Santo Antônio, o Santa Maria também se encontra na Barra, na região do Porto. Rafael lembra que, de lá, é possível avistar dois fortes ao mesmo tempo: o São Diogo e o Santo Antônio. No passado, funcionava junto com o Santo Antônio. “Se a embarcação passasse por ele, se deparava com o Santa Maria e seus canhões”, conta.

Atualmente, funciona no forte o Espaço Pierre Verger da Fotografia Baiana, projeto dedicado à fotografia baiana, que destaca o trabalho de Verger e de mais 100 fotógrafos que tenham nascido ou fixado residência, ainda que temporária, na Bahia. Além de uma exposição permanente, o local se amplia com a realização de Exposições Temporárias no Espaço FRAGMENTOS, instalado na Praça “Amigos da Marinha” em frente ao Forte.

A curadoria do Espaço Verger da Fotografia Baiana é de Alex Baradel, diretor técnico da Fundação Pierre Verger, que divide os créditos de pesquisa/curadoria com Célia Aguiar, fotógrafa e professora de fotografia. O projeto expográfico é assinado pelos arquitetos Fritz Zehnle Jr e Rose Lima.

A exposição funciona de quarta a segunda-feira, das 10h às 18h, com entrada até as 17h. Os ingressos custam R$ 20 a inteira e R$ 10 a meia, e há gratuidade nas quartas-feiras. Residentes de Salvador que apresentarem comprovante pagam meia todos os dias.

Além da exposição, o forte também abriga um restaurante, o Bistrô Mirante Forte Santa Maria, com opções de gastronomia e coquetelaria. O funcionamento é de quinta a domingo, das 17h às 23h.

Forte São Diogo

Construído entre 1609 e 1613, na encosta do Morro de Santo Antônio, o forte abriga, desde maio de 2016, o Espaço Carybé de Artes, um centro tecnológico de referência da vida e obra do artista argentino naturalizado brasileiro. As obras são expostas utilizando recursos de mídia digital e realidade virtual, que tornam acessíveis mais de 500 trabalhos.

E, finalmente, por meio de projeções na fachada do forte, que criam uma realidade fantástica, realizamos o sonho deste artista, que queria que seu trabalho pudesse ser visto livremente por quem lhe inspirou, o povo da Bahia e do mundo todo. A curadoria é de Solange Bernabó e o projeto expográfico, da empresa Blade Design (Joãozito Pereira e Lanussi Pasquali).

Assim como o Espaço Verger, a exposição funciona de quarta a segunda-feira, das 10h às 18h, com entrada até as 17h. Os ingressos custam R$ 20 a inteira e R$ 10 a meia e há gratuidade às quartas-feiras. Residentes de Salvador que apresentarem comprovante pagam meia todos os dias.

O forte abriga ainda o restaurante Bistrô Mirante Forte São Diogo, com opções de gastronomia e coquetelaria. O funcionamento é de terça-feira a domingo, das 15h às 22h. Não são cobradas entrada nem couvert artístico.

Forte de Santo Antônio além do Carmo/Forte da Capoeira

Construído para apoiar o Forte do Barbalho, na proteção do acesso norte de Salvador, reúne sete salões ocupados por academias de capoeira comandadas por tradicionais mestres. Os estabelecimentos funcionam em horários diferenciados durante todo o dia, as aulas são pagas e os valores variam de uma cada academia para outra.

Lá, é possível conhecer particularidades da história da capoeira através da Biblioteca Luiz Gama e das exposições permanentes da Galeria Memorial da Capoeira. O espaço é aberto para o agendamento de visitas por estudantes.

Segundo o Governo do Estado, para além de eventos específicos de Capoeira, se pode conseguir cessão de pauta para seminários, palestras, workshops, desfiles, ensaios fotográficos e filmagem de vídeos, desde que sejam relacionados a cultura popular e identitária.

Forte de Mont Serrat

Localizado na belíssima Ponta de Humaitá, o Forte de Mont Serrat ou Forte de Nossa Senhora de Mont Serrat oferece a vista perfeita para tirar fotos.

Forte de São Marcelo

Localizado em frente ao Mercado Modelo, próximo ao Terminal Turístico Náutico da Bahia, o forte foi construído nos primeiros anos do século 17, no estilo renascentista. É o único no formato circular que existe no Brasil e o segundo no mundo - o outro está situado em Portugal -, segundo o historiador Rafael Dantas.

A construção foi palco de grandes momentos, sendo ocupada pelos holandeses em 1624 e servindo como prisão política para o líder farroupilha Bento Gonçalves, que escapou com vida após sofrer uma tentativa de envenenamento. No entanto, a principal curiosidade aconteceu já na República, no ano de 1912, quando os canhões do Forte São Marcelo voltaram-se contra a cidade que deveriam proteger e bombardearam a capital baiana, por cerca de quatro horas. A ação foi autorizada pelo Marechal Hermes da Fonseca, então Presidente da República, devido a disputa entre as facções políticas do senador Ruy Barbosa e J. J. Seabra, ministro da Viação e Obras Públicas, apoiado pelo presidente.

“Nesse bombardeio, o palácio do governo foi destruído em um incêndio, e outros prédios da Rua Chile e Cidade Alta. Isso foi muito traumático para a cidade, perdemos um dos maiores acervos de livros raros que ficava na nossa biblioteca pública localizada no palácio do governo”, explica Rafael.

Possui selo de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, conquistado em 1938. Estava fechado desde 2011, mas o prefeito Bruno Reis anunciou, no início do ano, que o forte será lar do primeiro restaurante subaquático do Brasil. Segundo o gestor, a prefeitura passará a administrar o equipamento, que está sob a responsabilidade da Superintendência do Patrimônio da União na Bahia (SPU), e fará uma concessão à iniciativa privada. Ainda não há detalhes sobre o início da obra.

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