ARTIGOS
Até o Belzebu está reformando sua morada
Confira o artigo de Jolivaldo Freitas
Por Jolivaldo Freitas*
A notícia, economicamente falando, é boa, pois significa mais PIB, mais emprego, mais força para a economia. Refiro-me ao fato de o setor da construção ter crescido mais de 3% até o meio do ano. Mas, por outro lado, o preço do material de construção subiu mais de 1%, e o valor da mão de obra teve um aumento de quase 4%. Mas, pelo jeito, como há uma sanha de quebrar, refazer, lixar e pintar, e como também entrou uma grana a mais no bolso do povo, deu uma doideira geral e, desde a passagem do pico da pandemia da covid-19, todo mundo está fazendo algum tipo de reforma ou construindo.
Duvido que exista um edifício em Salvador onde não tenha todo dia alguém trocando uma pia, piso, pintando, esfregando e usando a maldita Makita. Onde moro é uma loucura imensa, porque parece que o vizinho do prédio quer fazer mais obras que o outro, e o prédio das imediações quer mostrar que faz mais obras, que é o campeão da rua.
Desde a pandemia, a vida em Salvador está boa para os pedreiros e um inferno para quem fica ouvindo a zoeira. Antigamente, até podia ser que houvesse obras em bom volume e barulho, mas nunca como agora. E sofre aquele que entrou no processo – uma boa parte dos trabalhadores – na tal de home office.
Na região da Barra, a situação é infernal e já vinha desde quando – dizem que teve autoridade levando bola, mas não tem como se provar – foi aprovada a mudança do gabarito de construção dos prédios, e o céu é o limite. Na Barra, contei 12 prédios em construção. Na Graça, tem um monte. No Rio Vermelho também. Na região de Armação, Piatã e Patamares são mais de 20 prédios novos crescendo a olhos vistos. E haja reforma em prédios mais velhos, e haja martelo, martelete, talhadeira, serra e quebradeira de paredes e azulejos, e por aí vai.
Mas não pense que está acontecendo somente nos bairros classe A. Se alguém se dispuser a prestar atenção, vai ver o monte de entulho que amanhece todos os dias de Lobato a São Tomé de Paripe. E tome laje, e tome puxadinhos, e tome barulho a qualquer hora do dia. Não só no subúrbio, mas também na Ladeira da Barra, no Itaigara e na Pituba são muitas as queixas contra os construtores que iniciam os trabalhos antes das 7 da manhã e invadem a noite, sem respeitar sábados e domingos. Uma conhecida me disse que há uma obra perto da casa dela, e que, a partir das 6 da manhã, os operários chegam e ela ouve cada conversa e cada palavrão de arrepiar véu de noviça. Fui retrucar dizendo que ela mesma solta palavrão nos jogos do Bahia na Fonte Nova, e ela ficou minha inimiga.
Joguei praga nela: que um caminhão betoneira pare às 10 da noite e descarregue o cimento na obra perto dela, bem na hora da novela. Dando muxoxo, ela disse que acontece com frequência e já se queixou às autoridades, mas nada aconteceu. “A cidade está entregue às incorporadoras e construtoras”, desabafou, me dando as costas e me deixando falando sozinho.
Sem paciência para tanto desenvolvimento econômico na área da construção civil, decidi fugir de Salvador e aluguei uma casa na Vila do Diogo, no Litoral Norte da Bahia. Uma zoeira só a vizinhança; não sei de onde surgiu tanta obra de repente. Entreguei as chaves e fui para o Sítio do Santo Antônio, mais à frente. Deu no mesmo: era obra de todo tipo de construção. Não dava para trabalhar, nem descansar. Teve um dia em que sonhei com o Diabo. Ele comprando toneladas de material de construção e levando para reformar o inferno. Ia ampliar os fornos. Na certa para quando chegarem os incorporadores imobiliários, construtores, donos de Makitas e betoneiras.
*Romancista e jornalista.
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