ARTIGOS
Da Ford à BYD em Camaçari
BYD sucede Ford, trocando o modular a combustão pela verticalização elétrica

Por Nilton Vasconcelos*

A implantação da Ford em Camaçari, no início dos anos 2000, foi concebida com base no modelo de condomínio industrial, privilegiando a produção modular e a coordenação logística para ganhos de eficiência. Duas décadas depois, a chegada da BYD ao mesmo local representa também alterações significativas na tecnologia e na organização da produção.
A transição do motor a combustão para a propulsão elétrica altera radicalmente a estrutura da cadeia automotiva. A nova configuração amplia a relevância de insumos associados à eletrônica, baterias e semicondutores, redefinindo o papel e o perfil dos fornecedores – tanto em conteúdo tecnológico quanto em requisitos de capital e pesquisa e desenvolvimento (P&D).
O modelo da Ford privilegiava a proximidade física dos fornecedores para viabilizar a entrega de componentes no tempo necessário e redução de estoques, além de representar menores investimentos em ativos fixos por parte da montadora. Era, no entanto, sujeito a interrupções de fornecimento e limitado para incorporação de ganhos provenientes de tecnologias emergentes.
A transição do motor a combustão para a propulsão elétrica altera a estrutura da cadeia automotiva
A BYD envolve pesados investimentos na produção de veículos elétricos, com intenção declarada de fabricar localmente componentes estratégicos – de início, no entanto, realiza-se apenas o processo final, a partir de partes semidesmontadas importadas. A principal característica da BYD é a integração vertical de componentes críticos, embora adote uma cadeia de fornecimento híbrida, em função de insumos externos de menor sensibilidade tecnológica.
Quanto ao modelo produtivo, a BYD retoma a lógica de controle interno sobre etapas produtivas estratégicas com objetivos e meios distintos: a verticalização contemporânea da BYD é orientada pelo controle tecnológico e pela gestão de riscos em uma cadeia de valor globalizada e volátil.
Desse modo, a presença da BYD tem o potencial de estimular desenvolvimento de competências locais avançadas. No entanto, a concentração interna da produção de componentes críticos implica que parcela substancial do conteúdo tecnológico e de alto valor agregado permanecerá centralizada na montadora ou em suas controladas. Essa dinâmica gera desafios significativos para as estratégias locais de desenvolvimento industrial, demandando políticas públicas voltadas para a qualificação profissional e incentivos a fornecedores capazes de integrar segmentos de eletrônica e software.
Essa configuração tem implicações cruciais para as políticas industriais e para a formação de uma base de fornecedores locais. A experiência de Camaçari ilustra, assim, não apenas a substituição de uma montadora por outra, mas a passagem para um novo paradigma produtivo, no qual a integração tecnológica torna-se central para a reindustrialização de economias como a brasileira.
*Nilton Vasconcelos é diretor de estudos avançados Brasil China
Siga o A TARDE no Google Notícias e receba os principais destaques do dia.
Participe também do nosso canal no WhatsApp.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes
