ARTIGOS
Emendas não podem ser “cheques em branco”
Chamada “emenda individual de transferência especial” é uma aberração
Por Adolfo Menezes*
As emendas parlamentares estão na Constituição, criadas por meio de Emenda Constitucional 105, de 2019. É a forma que deputados e senadores têm para participar da elaboração do orçamento anual, prerrogativa do Poder Executivo.
O objetivo é nobre e importante: proporcionar que os parlamentares possam influenciar no gasto do dinheiro público, atendendo às demandas das comunidades que representam.
Contudo, elas não podem representar um “cheque em branco” ao deputado ou senador. E, muito pior, sem nenhuma prestação de contas. Nos últimos seis anos, 360 deputados e 69 senadores extraíram R$ 186 bilhões – um montante equivalente a US$ 30 bilhões – do Orçamento, com origem e, principalmente, destino incertos.
A chamada “emenda individual de transferência especial” é uma aberração.
O jornalista José Casado, em artigo na Revista Veja, em dezembro do ano passado, diz que toda essa dinheirama “supera todo o gasto federal com Educação em 2024 e, no mercado privado, é o dobro das vendas anuais do Mercado Livre ou ao total do patrimônio líquido do Itaú Unibanco, o maior conglomerado financeiro do país”.
Como se fosse uma terra de ninguém, sem lei e sem obrigação de prestar contas, até hoje o país não sabe quem autorizou, operou e qual foi o destino de toda essa grana.
Recentemente, a Controladoria Geral da União fiscalizou, por amostragem, 26 de um total de 600 ONGs que receberam repasses via emendas parlamentares. Deste universo restrito de 26, apenas quatro apresentaram total transparência de informações. Essas organizações não-governamentais abocanharam R$ 5,5 bilhões.
A complexidade torna-se ainda maior quando a fiscalização recai sobre 5.565 municípios brasileiros. A cobrança na prestação de contas – também por amostragem, em regra geral – é praticamente inócua: a boiada sempre passa.
Como consequência, o dinheiro das emendas parlamentares provocou uma concorrência desleal nas urnas: 98% dos prefeitos se reelegeram nas cidades mais privilegiadas por elas, resultando em “obras eleitoreiras”, por intermédio de licitações fraudadas. E, mais gravemente, em “obras inexistentes”.
Com as emendas irrigando os cofres dos prefeitos que disputavam a reeleição, a limitação ao poder econômico nas eleições tornou-se um princípio apenas restrito à letra da lei.
A transparência, rastreabilidade e eficiência na destinação dos recursos provenientes das emendas parlamentares não devem ser vistos como um embate entre Executivo versus Legislativo, mas como uma exigência de todos os brasileiros e brasileiras que querem, de fato, um país regido pela legalidade.
A transparência é obrigatória na administração pública. E quem mexe com dinheiro público tem o dever de prestar contas à sociedade.
*Adolfo Menezes, economista e deputado estadual, é presidente da Assembleia Legislativa da Bahia
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes