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Natal constrangido

Confira a coluna de Medrado

José Medrado*

Por José Medrado*

24/12/2025 - 4:12 h

Há um certo constrangimento no Natal contemporâneo. Não se tratam de sandálias, mas na direção à mesa, para confraternização, evitam-se assuntos. Nas redes, escolhem-se palavras como quem pisa em terreno minado. Em nome da harmonia, pesa-se o ar, suspendem-se conversas, afetos ficam condicionados, vínculos se fragilizam.

O clima é de desencontro e desconforto — familiar, social, político. Costuma-se dizer que “o país está dividido”, como se isso explicasse tudo. Talvez explique menos do que imaginamos, pois somos o que nos aflora, buscando justificativas para germinar e se manifestar. O Natal, porém, quando levado a sério, nunca foi um convite à conciliação realmente, mas uma pausa. O nascimento de Cristo não pacificou seu tempo; ao contrário, instaurou uma crise. Ele acontece fora de casa, fora da cidade, longe do poder. Provoca medo, perseguição, fuga. Desde o início, o Evangelho evidencia desencontros. Não confirma ordens estabelecidas nem reforça identidades seguras. Romantiza.

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É curioso que, em nome do Natal, busquemos hoje exatamente o oposto: um consenso superficial, uma trégua emocional, um acordo tácito para que nada nos confronte demais. Como se celebrar fosse anestesiar. Como se a paz cristã fosse sinônimo de silêncio e fingimentos. Os desencontros atuais talvez não sejam um desvio ocasional, mas um sintoma. Revelam nossas fidelidades e vinculações mais profundas. Descobrimos, com desconforto, o quanto nossas convicções — políticas, morais, ideológicas — se tornaram inegociáveis. O outro deixa de ser alguém a ser escutado e passa a ser um erro a ser corrigido ou um perigo a ser evitado. Não raro, chamamos isso de coerência; o Evangelho chamaria de idolatria.

Viver o Natal cristãmente não é abdicar da verdade, nem fingir que tudo é equivalente. Também não é ceder ao sentimentalismo da “boa convivência” a qualquer custo. É algo mais exigente: sustentar a tensão sem transformar o outro em inimigo absoluto. Recusar a lógica da destruição. Aceitar que o Senhor nasce onde não controlaríamos, fala por quem preferiríamos não ouvir, e desestabiliza certezas que julgávamos piedosas.

Talvez o verdadeiro escândalo do Natal hoje seja este: celebrar o nascimento de uma sociedade vulnerável em uma cultura que só respeita os fortes, os que amedrontam. Valores não deveriam ser interpelados, mas naturalmente ajustados à prática da vida. Que não resolve disputas, mas questiona os critérios pelos quais escolhemos lutar. No fundo, a pergunta que o Natal nos devolve não é se estamos dispostos a concordar, mas se ainda somos capazes de sermos ajustados, a , pelo menos, conviver em respeito. E se, ao menos por uma noite, haveria lugar à mesa para um Senhor que professa inteireza e não divisões.

Mestre em família pela Ucsal e fundador da Cidade da Luz

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