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O Cortejo Afro foi vítima de racismo — vai ficar por isso mesmo?

Confira o artigo de Pedro Menezes

Pedro Menezes*

Por Pedro Menezes*

26/09/2025 - 5:00 h
Imagem ilustrativa da imagem O Cortejo Afro foi vítima de racismo — vai ficar por isso mesmo?
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Disseram que um homem negro foi contratado para proteger Wagner Moura do sol durante o protesto do último domingo. Milhões de pessoas acessaram conteúdos denunciando o que parecia uma suprema hipocrisia: um hollywoodiano, dito antirracista, parecia estar num retrato clássico do escravismo — foi essa a interpretação de muita gente pelo Brasil.

A fofoca parecia boa. Rendeu engajamento. Muitos tentaram desfazer o mal entendido, mas muita gente não acreditou. A maioria preferiu acreditar no que acha que viu. Mesmo ao ouvir que o homem do sombreiro era um artista, muitos retrucaram: “Essa é a desculpa que inventaram para justificar o guarda-sol de Wagner Moura!”.

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Caro leitor que quer muito acreditar no que acha que viu: posso provar que você estava errado. Cobri o protesto pessoalmente. Estive na área de imprensa do trio. Mesmo assim, nem precisa acreditar em mim: tenho centenas de fotos com horário preciso em que foram tiradas.

Quando o sombreiro subiu ao trio de Daniela Mercury, às 11:29, a cantora terminava um discurso contra o desmatamento. Ao reparar a presença, já no minuto seguinte, Daniela disse: “Chegou o Cortejo Afro!”. A cantora não mencionou sequer o nome do artista plástico Veko Araújo, criador e portador do suposto guarda-sol. Naquele momento, Veko representava um projeto coletivo, o Cortejo Afro.

Por incrível que pareça, o suposto guarda-sol nada tinha a ver com o sol. Os baianos estão acostumados com a presença daquele mesmo objeto em estúdios de TV, shows a noite e outros locais sem demanda por sombra. Aquele objeto e seu portador não serviam ao refresco de ninguém.

Por ainda mais incrível que pareça, a relação do sombreiro com Wagner Moura parecia ainda mais irrelevante. O ator só chegaria 19 minutos às 11:48, e ficou à frente do trio por 23 minutos, até 12:11. Vale ressaltar que, apesar do horário, a temperatura de Salvador variou entre 23 e 27 graus naquele domingo, e o sol estava cheio de nuvens. Nada intolerável para um baiano.

Fiz vários registros do período em que Wagner esteve no palco, mais de um por minuto. Ele aparece fora do sombreiro em todos. Se o leitor voltar aos posts que viralizaram, é possível reparar a execução da música “O Canto da Cidade” ao fundo. O corte tem 12 segundos bem específicos. A cena durou menos de 1% do tempo em que o intérprete do Capitão Nascimento ficou no trio.

Quando Wagner desceu do trio, Veko continuou por lá com seu sombreiro. Imagens no fim do protesto, com o trio mais próximo ao Farol da Barra, mostram que o representante do Cortejo Afro acompanhou Daniela em todo o percurso, mas a cantora não usou a obra de Veko para se proteger do sol. Aquele sombreiro não existe para servir gente branca.

Leitor forasteiro, pare pra pensar: quando você lembra do Olodum, qual imagem vem à mente? Provavelmente o símbolo do movimento hippie estilizado com as cores do movimento rastafári, ou um tambor listrado com as mesmas cores. Na cultura dos blocos afro da Bahia, as estrelas são os símbolos de um movimento coletivo, da ideologia coletiva.

Nos dias em que o Brasil joga na Copa do Mundo, no exato instante em que o Olodum entra ao vivo na Globo, os percussionistas erguem seus tambores listrados, mas nenhum indivíduo se destaca. A estrela é o símbolo coletivo que representa uma ideologia.

Enquanto o Olodum é rasta, o Afoxé Filhos de Gandhy tem trajes tradicionais que simbolizam a paz e o Ilê Aiyê afirma a beleza negra sem baixar o nariz. Todos são cheios de símbolos que remetem ao projeto artístico e ideológico de cada grupo.

O mesmo vale para o Cortejo Afro fundado por Alberto Pitta, que foi diretor artístico do Olodum, do Ilê e do Gandhy. O Cortejo Afro tem a arte visual em seu DNA e o sombreiro de Veko simboliza esse projeto artístico coletivo. Enquanto o Olodum levanta seus tambores ao ser anunciado na Globo, o Cortejo Afro deu destaque ao sombreiro quando foi anunciado por Marcos Mion no início do ano, durante o programa especial de homenagem aos 40 anos de axé.

Apesar de ser um objeto inanimado, o sombreiro representa todos os animados sujeitos que formam o Cortejo Afro. Quem segura é Veko Araújo, que também se fantasia, mas a Cidade da Bahia raramente lembra do indivíduo. Aquele é o “sombreiro do Cortejo Afro”.

É por isso que vale a pena reconstituir os minutos do últimos domingo e esclarecer minuciosamente: o sombreiro estava lá para comunicar um posicionamento político do Cortejo Afro. Nas redes sociais, Veko se mostrou indignado com a ofensa ao sombreiro. Sinal de grandeza: ele foi apenas o indivíduo mais ofendido nesta polêmica.

Destrinchada a polêmica, vale refletir. Por que tanta gente se apegou a um corte de 12 segundos e ignorou todos os outros momentos do protesto? Por que tanta gente insistiu na narrativa após ouvir que uma coisa nada tinha a ver com a outra?

Conheço gente progressista e bem intencionada (e branca) que tratou “esse Cortejo aí” como pretexto inventado pra Wagner Moura ficar em baixo do sombreiro. Outro, com o mesmo perfil, questionou-me: se é artista, por que estava atrás de Wagner Moura, como se existisse uma hierarquia? Ora, a atriz Nanda Costa ficou na mesma área. O humoristas Matheus Buente também. Curiosamente, só Veko foi interpretado como serviçal.

O problema está nos olhos de quem vê — e os olhos não enxergaram por acaso. Essas pessoas quiseram ver um estereótipo racista. Não cabe a mim interpretar a motivação de cada indivíduo. Ainda assim, seria absurdo considerar muitos desses comentários como injúrias de origem racial? Na minha opinião, foi precisamente o caso.

Ninguém é obrigado a conhecer o Cortejo Afro, Veko, o sombreiro ou nem mesmo a cultura dos blocos afro baianos. Ainda assim, todos somos obrigados a ter um pouco de noção antes de comparar um homem negro a um escravo.

O que se disse sobre Wagner Moura pode até ser tratado como algo menor, fofoca errada, mas Veko e o Cortejo Afro não são instrumentos que podem ser usados para criticar um ator famoso. O que se disse foi extremamente ofensivo, e esse tipo de ofensa atinge apenas a cultura negra, sempre com a maior naturalidade. Chamemos a coisa pelo nome: racismo. Após a devida contextualização, ninguém tem desculpa pra fingir que se trata de outra coisa.

PS - Todos os registros citados serão apresentados no A TARDE da Noite, programa transmitido às 21h no YouTube pelo A TARDE Play, e depois publicados em vídeo nas outras redes sociais do A TARDE.

*Pedro Menezes é analista político do Grupo A TARDE

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Tags:

blocos afro Cortejo Afro cultura negra Olodum racismo Veko Araújo wagner moura

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