OPINIÃO
O tempo se curva a Gil
Leia artigo de Bruno Monteiro, Secretário de Cultura da Bahia
Por Bruno Monteiro*

Entre risos, lágrimas e uma saudade anunciada, a Arena Fonte Nova foi palco, no sábado (15), do primeiro show de uma turnê que vai ficar na história da cultura brasileira: Gil-Tempo Rei.
Um show memorável em que o Gil-da-gente revisita a sua vasta e rica obra, bem como os vários momentos históricos nela refletida. Abarcando desde a dimensão afetiva, com suas histórias de amor aos seus familiares, afetos e amigos; passando pela linda exaltação à Bahia; até a dimensão política, como o seu repúdio à ditadura militar que se abateu sobre o Brasil (1964-1985) e que o exilou do país por dois anos e meio (1969 -1972).
Transbordando a beleza que dá essência à sua humanidade irrequieta, questionadora, criativa, sempre desejosa de expansão, Gil subiu ao palco com a alma cheirando a talco. Fazendo Cristo ou Oxalá, santo ou orixá se arrepiar! Provando que, mesmo depois de quase seis décadas de sucesso, ele mantém viva a verve inovadora que sempre orientou o seu trabalho sem, no entanto, perder de vista a essência daquilo pelo qual ele sempre sonhou: virar esse mundo em festa, trabalho e pão. Ou seja, um mundo de justiça e de uma existência estética possível.
E foi justamente o esboço desse projeto de mundo - cantado e musicado por Gil – o que se viu no show: diferentes gerações cantando e se emocionando junto, comungando de um sentimento coletivo de alegria, pertencimento e orgulho desse eterno doce bárbaro.
O entrelaçamento de diferentes temporalidades ali presentes era o evidente reflexo de um trabalho sólido, alternado entre um tom político e o dom poético; mas também um gesto de reverência e gratidão pelo legado deixado por esse orixá vivo. Afinal, ao traçar o seu caminho pelo mundo, Gil ajudou muitos de nós a traçar o nosso próprio mapa, a deslocar pontos de vistas, andar com fé, refletir de forma generosa, acreditar na possibilidade transformadora da arte e da cultura, além de nos convidar a não apenas viver a vida, mas especular o sentido dela.
Essa pode até ser a derradeira turnê, mas a genialidade de Gil é eterna. Ela seguirá reverberando em cada um de nós que o ama e admira. Quando a última nota for dada e o último holofote apagado, sobrará o Gil do mundo, da história, do baião, da bossa, do reggae, do axé e do samba. O Gil metade gente, metade entidade. O homem de quase 83 anos de vida cuja disposição e lucidez parecem desafiar o tempo. Esse tempo que é rei e se curva a tamanho brilhantismo.
Nem adianta nos abandonar, Gil, porque os mistérios e as poesias sempre hão de pintar por aí. Por aqui dentro em nós! O seu modo esplêndido de estar no mundo seguirá moldando o nosso pensamento. Esse que, como você bem escreveu, é o fundamento mesmo singular do ser humano.
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