ARTIGOS
Zuavos Baianos: uma saga inglória
Confira o artigo de Jolivaldo Freitas

Por Jolivaldo Freitas*

Sempre me perguntam, como ocorreu recentemente em palestra na Academia de Cultura da Bahia, duas coisas: o que me levou a escrever um romance sobre a história dos soldados Zuavos Baianos e o que é Zuavo. Explico: o tema veio para mim de forma incidental. Estava pesquisando na Biblioteca Central para escrever o livro “A Engenharia e a História da Bahia”, para os 80 anos do Crea-Ba quando me deparei com apenas uma linha, uma frase falando que um batalhão de soldados baianos, formado por negros alforriados ou não, tinha se engajado nos Voluntários da Pátria para lutar contra os paraguaios (gaúchos).
Achei interessante e anotei, achando que no futuro poderia servir para alguma coisa e com o tempo, depois de muita pesquisa pois era pouca coisa, quase ninguém, nem historiadores davam conta sobre quem eram os Zuavos, saiu o livro. Deu trabalho e depois de dois anos de labuta eram mais de 600 páginas e eu pensei “ninguém vai ler”. Qual minha surpresa que lançado em 2023 ainda chama a atenção dos leitores.
“Os Zuavos Baianos Contra Dom Pedro, os Gaúchos e o Satanás”, eu posso, humildemente, dizer que representa um marco na literatura brasileira por ser o primeiro romance a abordar a saga do lendário Batalhão de Zuavos Baianos. A obra combina história e ficção, reconstituindo um dos capítulos mais heroicos e esquecidos da participação baiana nos conflitos do século XIX. Dava um filme. Mas não sou roteirista.
Procurei mergulhar não apenas na trajetória militar desses combatentes, mas também no contexto humano e cultural que moldou o Brasil desde suas origens. A estrutura narrativa de Os Zuavos Baianos buscou transcender o relato bélico: é uma viagem pelo gênesis nacional, retratando a gente que se fundiu na formação do povo brasileiro — indígenas, africanos e europeus —, e discutindo temas como a escravidão, as tensões políticas do Império, a transição republicana e as ditaduras que se sucederam até os anos 1970.
Ao retratar o Brasil, dei destaque especial ao Vale do São Francisco, cenário simbólico onde se cruzam fé, cultura e resistência. Os valores ribeirinhos, a religiosidade popular e a vida sertaneja ganham corpo na narrativa, transformando o romance em uma verdadeira celebração da identidade regional. Fui misturando aventura, lirismo e crítica social, sem perder a densidade histórica.
O termo “zuavo” vem dos Zouaves, unidades de infantaria formadas por soldados argelinos e berberes a serviço do exército francês no século XIX. Reconhecidos por sua bravura, uniformes únicos, coloridos e espírito indomável, os Zuavos tornaram-se símbolo de coragem e disciplina. Inspirado nesse modelo, por orientação do abolicionista e herói do 2 de Julho - Quirino Antônio do Espírito Santo -, criou-se o Batalhão de Zuavos Baianos,
A Guerra do Paraguai foi o maior conflito da América do Sul, envolvendo Brasil, Argentina e Uruguai contra o governo de Solano López. Nossos Zuavos se destacaram pela coragem em combates sangrentos, lutando em condições precárias e com bravura. Apesar de sua importância, a história dos Zuavos Baianos permaneceu por décadas relegada ao esquecimento, eclipsada pelos relatos oficiais que privilegiaram oficiais do Sul e do Sudeste. Até hoje o Exército Brasileiro mantém o batalhão esquecido, engavetado.
Unindo o real e o ficcional arrisquei com a obra acender um debate sobre o papel das raças, notadamente dos negros na construção da nação brasileira. O livro é um sucesso, mas o assunto ainda não despertou a opinião pública, notadamente intelectualidade negra. Por sorte com a expansão das pesquisas digitais e o acesso crescente a documentos históricos pela internet o tema dos Zuavos Baianos vem ganhando nova visibilidade. Tentei ser pioneiro nesse contexto, resgatando uma epopeia esquecida e oferecendo ao leitor uma reflexão sobre as origens, as contradições e a resistência do povo brasileiro. Espero que você que lê estas linhas tortas veja a questão como gesto de memória e justiça histórica. Os Zuavos Baianos merecem sua atenção, das autoridades e dos movimentos negros. Vamos à luta. De novo.
Jolivaldo Freitas é jornalista e escritor*
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