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A TARDE BAIRROS

A Pituba, pra sempre

Confira crônica do A TARDE Bairros

André Curvello*

Por André Curvello*

17/09/2025 - 6:11 h
Imagem ilustrativa da imagem A Pituba, pra sempre
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“Ela está se transformando, cuidado… Ela está se transformando”. Ainda escuto aquela voz grave, em alto som, anunciando a transformação de uma mulher em gorila. Era uma das atrações do parque de Jaime, na Pituba dos anos 1970. Para nós, crianças, era um misto de medo e curiosidade. E para onde foi aquela mulher transformada em macaca? Era a pergunta que fazíamos.

O parque de Jaime, armado nas proximidades da Praça Nossa Senhora da Luz, era uma das atrações da Festa da Pituba, que tinha alvorada, procissão, novena e barracas, num misto de religioso e profano que unia as famílias do bairro. Era uma festa que tinha comissão organizadora e planejamento. Nós esperávamos ansiosos, todos os anos, pela chegada daqueles dias.

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A festa era um momento de glória para aquele bairro repleto de casas à beira-mar, situadas na Avenida Octávio Mangabeira e banhadas pelo mar da Salva Vidas, uma das melhores praias de Salvador. Naquela praia, reinava Lourival Medrado, representante comercial da Tubos e Conexões Tigre e barraqueiro nos finais de semana.

A barraca do Tio Medrado era ponto de encontro de amigos e também membros da comissão organizadora da Festa da Pituba. Figura musculosa, longe de finos tratos, Medrado, ao lado da sua Waldete, conseguia unir as famílias ao redor de mesas improvisadas e de disputas acirradas pelo melhor caranguejo ou mesmo pelas fêmeas dos siris. Dois dos maiores consumidores eram meu pai e o Almiro Daltro. Décadas depois, o destino me apresentou ao seu filho, Cacá.

Atrás daquela figura rude, Medrado escondia a inocência, a fraternidade e a doçura de um ser humano amigo. Certa vez, lançou-se candidato a vereador, encantado com a popularidade da sua barraca. A votação foi pífia, mas nenhuma derrota parecia vencer aquele guerreiro da Pituba.

A Pituba, da fazenda de Joventino Silva, tinha ruas de barro, que foram gradativamente asfaltadas e interrompidas pelos ‘gelos baianos’. O bairro foi atraindo o mercado imobiliário e, de repente, viu a chegada rápida do Parque Júlio César e de prédios dos mais diversos tamanhos. O progresso trouxe o crescimento vertical, trouxe mais gente, mais carros e mais linhas de ônibus. Os anos passaram, e o tempo foi trazendo menos tempo para as pessoas, que se afastaram da Festa da Pituba, que, silente, foi definhando e se despediu sem dizer adeus.

A Pituba onde cresci continua viva na memória. E também seus personagens, que marcaram minha infância e adolescência. Nós morávamos próximos ao colégio Nossa Senhora da Luz, tão bem administrado pela Irmã Fátima, uma educadora visionária e religiosa, que viveu para fazer o bem. Era tia de dois grandes amigos de infância e da vida: os irmãos Berg e Braz. Tinha também o padre Miguel, espanhol, que enxergava a vida muito além do interior da paróquia. Era próximo do povo, desenvolvia um projeto social no Nordeste de Amaralina e já naquele tempo ajudava a recuperar adolescentes infratores. O padre Miguel gostava da movimentação da Festa da Pituba.

Tinha o campo de futebol do Calu, tinha Reginaldo Tavares e seus filhos, Rafael e Rogério. A mãe deles, dona Lolita Tavares, nos dava carona a bordo de um Dodge Dart vermelho. Tinha Lomanto Júnior, a sua esposa Detinha e sua casa com uma piscina fantástica, que ele permitia que fosse usada pelos vizinhos, sob a supervisão do caseiro leal, o seu Deli.

Todas as noites de Natal, meu pai recebia a visita do ex-prefeito Clériston Andrade, que lhe presenteava com uma garrafa de whisky. Doutor Clériston era evangélico e não bebia. Era casado com dona Ceci. Morreu num acidente de helicóptero em 1982, quando era candidato a governador da Bahia. Meu pai ficou arrasado.

Tinham as famílias de Letieres Leite, nosso eterno maestro, e do seu Ribeiro, residentes do edifício Beethoven. Além da família do Dr. Leal e seus filhos, entre eles o ‘super Zé’, craque de futebol. Tinha o clube Português, o baile de Yemanjá, o Galo Vermelho, a Casa de Madeira, o Hugs, o Sancho Pancha… Tinha a Escola Pernalonga e o clube Sírio-Libanês. Tinha tanta coisa boa! A chegada do supermercado Paes Mendonça foi uma festa.

Um pouco mais distante, na Rua Ubaranas, ficava a casa de Jairo Arruda e Maria Laura. Ele se tornou um dos melhores amigos de meu pai. Ela, uma das melhores amigas de minha mãe. Lembro de tê-la visitado num dos leitos do Hospital Espanhol, surpreendida por um câncer agressivo. Suas filhas, Lica e Cris, sempre mereceram atenção dos meus pais.

Meus melhores amigos eram o Braz, Luís Cláudio e Edmar. Éramos companheiros de tudo e também dos ‘babas’ sobre o barro e depois sobre o asfalto da Rua Amazonas. O futebol era jogado com a bola dente de leite e com as traves feitas pelo carpinteiro Epaminondas, da Empresa Gráfica da Bahia.

Com certa frequência, continuo indo à praia da Salva Vidas, onde o banho de mar continua maravilhoso. Não tem mais a barraca do Tio Medrado, é verdade, mas o vaivém das ondas não consegue apagar a melancolia e as memórias. É sempre um banho de mar rápido, diferente daqueles anos, nos quais o tempo não era um adversário da vida. Antes, eu saía da praia e ia andando para casa. Hoje, atravesso a Octávio Mangabeira em direção ao meu carro. Hoje, entro no carro e sigo para minha casa, que também fica na Pituba, mas longe da Rua Amazonas, 148, esquina com a Rua Rio Grande do Sul. Endereço da felicidade.

*Jornalista e diretor de Comunicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

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