A TARDE BAIRROS
Costa Azul: do antigo território pesqueiro à verticalização planejada
A praia da região era conhecida como Chega Nego em referência a um período posterior à proibição do tráfico de escravizados
Por Joana Lopo

Quando nasceu, no bairro do Costa Azul, há 43 anos, o empresário Silvan Franco Lima, encontrou um cenário bem diferente do que se vê hoje. Ruas tranquilas, poucas construções e o mar como referência de lazer eram parte da rotina.
“Podia brincar em qualquer rua e jogar bola sem preocupação. O fluxo de carros era pequeno”, lembra. Ao longo de quatro décadas, ele acompanhou a demolição do antigo Clube Costa Azul, a instalação do Colégio Estadual Thales de Azevedo e o surgimento do parque que leva o nome do bairro, transformando a paisagem e a dinâmica local.
Nos anos de sua infância, a infraestrutura era limitada. “No início não havia quase nada. Lembro da padaria Costa Azul, que já passou por gerações e continua funcionando, e da antiga escola Babel, que deu lugar a uma galeria comercial”, conta.
Com o tempo, vieram pequenos centros comerciais como o shopping Costa Azul, já demolido, e outros que permanecem, ainda que com estruturas envelhecidas, como o Blue.
“Cheguei a ter uma assistência técnica de notebooks no shopping Blue, mas o baixo movimento me fez fechar”, conta o empresário.
O lazer antes da consolidação do Parque Costa Azul estava ligado à orla e ao Jardim de Alah, que reuniam famílias, esportistas e banhistas.
“A praia sempre foi um atrativo, especialmente para surfe e esportes. Com a poluição, esse uso foi reduzido. Precisamos discutir soluções, como tratamento de esgoto e limpeza das praias”, defende. Ele cita ainda o abandono de áreas como o antigo clube do Baneb, que já foi palco de festas e atividades esportivas e hoje aguarda um destino.

A história que Silvan viveu nos últimos 40 anos é apenas o capítulo mais recente de uma trajetória longa. O historiador Rafael Dantas explica que a compreensão do Costa Azul exige um retorno aos séculos XVIII e XIX, quando a região não tinha as divisões urbanas atuais e era marcada por pequenas comunidades pesqueiras.
“Era uma área voltada ao mar. Não havia intensa circulação de pessoas ou veículos. A ocupação era singela”, afirma.
Segundo ele, a praia era conhecida como Chega Nego, e avançava por onde hoje se encontra parte do bairro, que recebeu esse nome em referência a um período posterior à proibição do tráfico de escravizados, quando embarcações aportavam clandestinamente, trazendo pessoas traficadas.
A pesca era uma das principais atividades, inclusive no Rio Camurugipe - também conhecido como Camarajipe - que é o maior rio urbano de Salvador, com 14 km de extensão. Ele atravessa a cidade e deságua na Praia do Costa Azul. Á época, as águas eram limpas, e o rio tinha papel central no abastecimento e na ligação fluvial entre a orla atlântica e áreas mais internas de Salvador.
“O rio e o mar são características fundamentais. Com o tempo, o curso do Camarajipe foi alterado, a poluição aumentou e a relação da população com o rio se enfraqueceu”, observa Dantas.

Ele conta, ainda, que a transformação do bairro começou a se intensificar a partir da década de 1950, com a construção das Avenidas da orla. A Avenida Octávio Mangabeira atraiu novos moradores e ampliou o acesso à região.
“Nos anos 1970, a instalação do Centro de Convenções da Bahia consolidou a importância estratégica do entorno, que passou a ser visto como uma área de ligação entre a orla e o novo núcleo financeiro da cidade, formado pelas avenidas Tancredo Neves, Magalhães Neto e pela região do Iguatemi”.
O nome Costa Azul, de acordo com o historiador, surgiu oficialmente em 1974, quando moradores do edifício Pedra de Allah I, localizado na então Rua dos Maçons, decidiram criar uma identidade própria para a área. Inspiraram-se no Clube Costa Azul, que funcionava nas proximidades e que mais tarde seria desapropriado para dar lugar ao parque.
Antes disso, a região integrava o loteamento Cidade da Luz, vinculado à Pituba, e o “loteamento ampliação Cidade da Luz”, do outro lado do rio Camarajipe.
Transformações urbanas
O crescimento urbano trouxe novos moradores e transformou a ocupação, substituindo gradualmente casas simples por construções de maior porte.
Ao longo das décadas de 1980 e 1990, a verticalização começou a ganhar força, impulsionada pela proximidade com o centro empresarial e pela disponibilidade de terrenos próximos à orla. Nesse período, a infraestrutura educacional se expandiu com escolas públicas e privadas, enquanto o comércio ganhava padarias, mercados e pequenos shoppings.
Segundo Dantas, esse processo não foi isolado. “O crescimento de Salvador nos anos 1970 e 1980 superou a marca de um milhão de habitantes, e as reformas urbanas seguiram uma lógica que priorizou novas formas de ocupação, muitas vezes deixando de lado referências históricas e ambientais”, avalia.
Nas últimas duas décadas, o movimento imobiliário alterou de forma definitiva o perfil do bairro. O arquiteto e urbanista André Pavie descreve um cenário em que prédios residenciais modernos dominam a paisagem.
“Hoje predominam condomínios com estúdios, apartamentos de um a três quartos, infraestrutura de lazer completa e integração com a orla, mas antigamente é bem diferente. Predominavam os prédios baixos e casas”, explica.
Essa mudança reflete um salto na verticalização. Antes, predominavam casas térreas e sobrados, em um traçado urbano mais aberto, segundo o arquiteto. Mas o avanço da construção civil levou ao bairro empreendimentos com fachadas contemporâneas e atenção à funcionalidade, que incorporam soluções de sustentabilidade e áreas comuns para convivência.

“A criação do Parque Costa Azul foi um marco, porque equilibrou a expansão imobiliária com a valorização de um espaço público e ambiental”, afirma Pavie.
Para ele, a localização estratégica, próxima ao mar e com acesso direto a vias que conectam bairros residenciais e empresariais, consolidou o Costa Azul como área de interesse para o mercado. A tendência, segundo Pavie, é de continuidade da verticalização planejada, alinhada a conceitos de cidade inteligente, com foco em mobilidade, acessibilidade e qualidade de vida.
“O desafio é manter o equilíbrio entre crescimento e preservação ambiental, garantindo que o bairro permaneça integrado ao seu entorno natural e urbano”, analisa.
O arquiteto finaliza observando que o Costa Azul de hoje é resultado de um processo que começou com comunidades pesqueiras, passou por décadas de urbanização acelerada e chegou a um modelo de bairro verticalizado e integrado à malha urbana de Salvador.
“Entre o rio, o mar e o parque, a história da região é marcada por camadas de transformações que revelam não apenas mudanças arquitetônicas, mas também as adaptações sociais e econômicas de seus moradores”.
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