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A TARDE BAIRROS

Pelourinho: coração de Salvador, celeiro de cultura, palco de resistência

Brilhantismo do povo negro segue refazendo o bairro: moradia, arte, amor e sonho dão substância às pedras que cobrem seus caminhos

Por Leonardo Coutinho e Joana Lopo

18/06/2025 - 5:49 h
Com o tema ‘Maior que a festa, só o nosso amor’, o São João 2025 no Pelourinho aposta na valorização da tradição nordestina
Com o tema ‘Maior que a festa, só o nosso amor’, o São João 2025 no Pelourinho aposta na valorização da tradição nordestina -

“Preservar para perpetuar”, repete há décadas o escritor e jornalista Clarindo Silva, símbolo de fé e resistência do Centro Histórico, em especial do Pelourinho, sobre o Patrimônio Mundial da Humanidade, nossa joia rara de história e cultura. Conhecido nacional e internacionalmente como o coração de Salvador, e além disso, uma das mais reconhecíveis imagens da Bahia, o bairro transpira gente: elemento indispensável para fazer o esplendor do lugar ser reconhecido e visitado.

No núcleo do Centro Histórico da capital, a cultura pulsa a cada esquina, com os sons dos tambores ecoando entre as ladeiras de pedra, dançarinas com os pés no chão, e ensaios públicos sob as luzes amarelas dos largos. Tudo isso não é apenas paisagem: é afirmação, é pedagogia coletiva, é resistência negra em estado de arte.

Foi esse palco vivo que o governo da Bahia escolheu para transformar no grande ‘arraiá’ de Salvador durante o período de festas, que, este ano, se estende desta quinta-feira (19) até a próxima terça (24). Por lá, desfilarão artistas talentosos, locais e de outros estados, que compõem uma programação ampla e diversificada para todas as idades.

Com o tema Maior que a festa, só o nosso amor, o São João 2025 no Pelourinho aposta na valorização da tradição nordestina com espaço para a inovação. Os largos receberão atrações de peso, mesclando veteranos e jovens artistas da música nordestina. Entre os nomes confirmados estão Flávio José, Geraldo Azevedo, Adelmario Coelho, Alceu Valença, Limão com Mel e Mestrinho, entre outros. A programação busca unir o ‘forró raiz’ às novas batidas da música afro-baiana, com influências de pagodão, samba-reggae e música eletrônica percussiva.

Imagem ilustrativa da imagem Pelourinho: coração de Salvador, celeiro de cultura, palco de resistência
| Foto: Uendel Galter | Ag. A TARDE

Apresentações itinerantes de trios de sanfoneiros, pequenas quadrilhas e atrações infantis também ocuparão as ruas, promovendo ocupação lúdica e plural dos espaços públicos. Grupos do Recôncavo, como ternos de reis e filarmônicas, reforçarão a conexão entre as culturas do interior e da capital.

É ali, entre igrejas seculares e casarões coloridos, que os artistas sentem, ano após ano, a emoção de se reconectar com suas raízes e com o público. Não é à toa que tocar no Pelourinho, para muitos, é mais que uma apresentação – é um rito, um reencontro, uma consagração.

O cantor e compositor Del Feliz diz que, este ano, o São João do Pelourinho tem um significado muito especial.

“O governo do estado, que já vem investindo fortemente na valorização dessa festa tão simbólica, transforma o Pelourinho em um verdadeiro cenário dos sonhos. Considero essa edição um exemplo para o Nordeste e para o Brasil, pelo cuidado em exaltar nossas raízes, tradições e matrizes culturais. É uma festa exuberante, com grandes atrações, mas que mantém viva a essência do São João: o forró autêntico e a alma nordestina pulsando em cada apresentação. Estou profundamente honrado em integrar uma programação que respeita e celebra a nossa cultura”, afirmou.

Já para o cantor e compositor Genard Melo, da banda Cueca Branca, o Pelô – como é chamado carinhosamente pelos soteropolitanos – é o cenário que catapulta os artistas para o resto do Brasil e do mundo.

“Eu digo sempre que Ivete Sangalo se prepara o ano inteiro para o Carnaval e a gente se prepara o ano inteiro para o período junino. E no Pelourinho, então, meu Deus! Se não fosse tocar no Pelourinho ia pensar que não tinha São João, porque acho que todo mundo que faz forró aqui em Salvador espera tocar lá. É o lugar que projetou, e projeta, artistas para o mundo inteiro. Muitos artistas baianos começaram no Pelourinho, então tem uma importância muito grande. Fico muito feliz de tocar no Pelourinho, não só no São João, mas durante o ano inteiro, está no meu coração mesmo”, festeja.

Imagem ilustrativa da imagem Pelourinho: coração de Salvador, celeiro de cultura, palco de resistência
| Foto: Uendel Galter | Ag. A TARDE

Para o cantor, compositor e sanfoneiro baiano Jó Miranda, o local é a casa do forró, do São João e da cultura. “Estou feliz demais em estar mais um ano no São João do Pelô. Aqui é o berço da cultura soteropolitana, da Bahia, do Brasil e do mundo. O Pelourinho respira, transborda cultura. Então, imagine para a gente, que faz forró autêntico, a gente que ama o São João, estar de volta ao Pelourinho por mais um ano. Desejo um excelente São João para todos!”, disse, empolgado.

Adelmo Casé e a Negra Cor não ficarão de fora. Este ano, ele conta que preparou um grande show com a banda: “Tocar no Pelourinho tem um sabor especial. As representatividades da música baiana e nordestina se fortalecem nesse lugar mágico e histórico. É uma honra para qualquer artista. Vamos levar o show Tributo a Gonzagão e Dominguinhos, que nasceu da minha vontade de revisitar a obra desses nordestinos gigantes, que tanto fizeram pela música brasileira. Essa vontade veio depois de participar do filme Gonzaga, de pai para filho (2012), o que me inspirou ainda mais a seguir fazendo música que vem da alma. O show da Negra Cor vai ser muito lindo, ainda mais no Pelourinho, que é mágico”.

Quem também promete uma noite animada é o cantor e compositor Jairo Barbosa. “Estaremos no Forró do Pelô no dia 24 para comemorar essa data tão importante, nesse lugar onde a cultura e a tradição permanecem vivas. E devem permanecer vivas ao longo do ano inteiro! Agradeço a todos os envolvidos na organização do São João no Pelourinho, agradeço ao governo do estado que preparou essa festa maravilhosa. Estou muito ansioso para fazer o melhor forró para todo mundo!”, disse.

Atividade permanente

Longe dos foguetórios juninos, o Pelourinho pulsa o ano inteiro, com uma agenda intensa de atividades permanentes, projetos formativos, ensaios abertos e manifestações artísticas conduzidas por grupos tradicionais da sociedade civil, em diálogo com iniciativas do governo do estado.

Mais do que ações pontuais, esses movimentos refletem a herança ancestral e a luta cotidiana de um povo que ocupa com dignidade e criatividade o território do Centro Histórico. Quase todas — senão todas — as iniciativas culturais permanentes que mantêm o Pelourinho vivo são idealizadas, produzidas e sustentadas por pessoas negras: mulheres, homens, jovens, mestres e mestras da cultura popular que fazem da arte um instrumento de resistência, educação e emancipação.

Entre os destaques está a Banda Didá, fundada há mais de 30 anos, composta exclusivamente por mulheres negras percussionistas. Em janeiro e fevereiro de 2025, o grupo realizou uma série de apresentações abertas e oficinas formativas no Pelourinho — incluindo aulas semanais de canto, dança afro, corte e costura, capoeira e percussão, transformando sua sede em um polo vivo de produção cultural e empoderamento feminino.

Outro coletivo essencial é o Bloco Afro Muzenza, que manteve a tradição dos ensaios abertos no período pré-carnavalesco, com destaque para o Baile Afro realizado no Largo Pedro Archanjo, em fevereiro de 2025. Os encontros vão além da preparação artística: funcionam como espaços de afirmação identitária e celebração da musicalidade afro-baiana.

Filhas de Gandhy, A Mulherada, Swing do Pelô e outras entidades culturais do bairro também seguem com agendas próprias de oficinas, ensaios e eventos, muitas vezes abertas ao público. Em 2024 e 2025, todas foram contempladas pelo edital Carnaval Ouro Negro, que garantiu apoio a blocos afro, afoxés, escolas de samba e entidades culturais negras. O edital viabilizou oficinas de percussão, cortejo, figurino, e fortalecimento de narrativas ancestrais.

O Pelourinho ainda abriga programações formativas como o Agosto Negro, que reúne shows de reggae, rodas de capoeira, saraus, performances e debates sobre ancestralidade e luta antirracista. E recebe iniciativas internacionais, como o workshop Badauê Batucada, que promoveu intercâmbio com artistas de diversos países em fevereiro de 2025.

Todas essas iniciativas reforçam a natureza Centro Histórico: um território vivo, onde cultura e cidadania caminham juntas. É neste contexto que o Governo do Estado da Bahia, por meio da Secretaria de Cultura (Secult-BA), do Centro de Culturas Populares e Identitárias (CCPI), e da Superintendência de Fomento ao Turismo (Sufotur), atua com editais e parcerias para manter e ampliar essa potência.

Imagem ilustrativa da imagem Pelourinho: coração de Salvador, celeiro de cultura, palco de resistência
| Foto: Rafaela Araújo | Ag. A TARDE

Quando o Pelô respira São João

O mês de junho chega como um fôlego novo. Com o São João 2025, o Pelourinho se transforma em uma cidade junina dentro de Salvador. A proposta da Sufotur é transformar o Centro Histórico em um verdadeiro circuito de forró, com bandeirolas coloridas, comidas típicas, quadrilhas, fogueiras cenográficas e palcos espalhados pelos largos.

Segundo o governo estadual, foram destinados R$ 3,4 milhões exclusivamente para o Pelourinho como parte do pacote de R$ 100 milhões investidos no São João em toda a Bahia. As ações incluem contratação de artistas, decoração temática, infraestrutura e serviços públicos.

Só o Concurso de Decoração Junina do Pelourinho, por exemplo, recebeu R$ 500 mil por meio de edital. Já a contratação de artistas e grupos culturais consumiu R$ 1,77 milhão, com shows de forró, samba junino, trios, quadrilhas e apresentações infantis nos largos Tereza Batista, Pedro Archanjo, Quincas Berro d’Água e Cruzeiro de São Francisco.

Além disso, uma iniciativa inédita em 2025 é o Ônibus do Forró, que transportará visitantes entre os principais circuitos juninos da cidade, com estrutura de som, música ao vivo e monitoria animada. A operação, feita em parceria com a Agência Filuca, visa facilitar o acesso ao Centro Histórico, integrando mobilidade urbana e cultura popular.

Segurança e acesso

Para garantir tranquilidade ao público durante as festas, o Governo da Bahia reforçou a segurança pública em Salvador, com foco nos eventos do São João no Pelourinho. A Polícia Militar atua com efetivo ampliado, apoio de drones, câmeras de videomonitoramento e patrulhamento a pé nos largos e ruas adjacentes.

A Polícia Civil intensificou as ações de prevenção com delegacias móveis e reforço nos plantões da Delegacia do Turista. Além disso, a Sufotur organizou um plano especial de sinalização, instalação de banheiros químicos, iluminação cênica e serviços de limpeza urbana. A operação também conta com a Guarda Civil Municipal e agentes da Secretaria Municipal de Ordem Pública, garantindo fiscalização de ambulantes e acesso de veículos autorizados.

Essas medidas integram o planejamento que tem como foco o bem-estar da população local, dos artistas e dos cerca de 1,7 milhão de visitantes esperados em Salvador no período de festas juninas.

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| Foto: Rafaela Araújo | Ag. A TARDE

Terra de memória, saber e futuro

Ao lado das festas, o investimento em ações de cidadania também marcou os últimos anos. A Caravana de Direitos Humanos do Pelourinho, realizada em março, mobilizou quase R$ 12 milhões para atendimento jurídico, emissão de documentos, orientação psicológica e ações voltadas à população vulnerável do Centro Histórico.

Diversas ONGs e coletivos culturais atuam no bairro com apoio de editais estaduais, promovendo oficinas de grafite, danças urbanas, audiovisual, fotografia, empreendedorismo criativo e ações de memória. Essas ações têm como foco a juventude do bairro, moradores em situação de risco social, artistas e trabalhadores da cultura.

A ideia é consolidar o Pelourinho como um ecossistema cultural e criativo, em que arte, cidadania e geração de renda caminhem juntas, ampliando as possibilidades de permanência digna no território para os que sempre estiveram ali.

Em cada passo de dança, batuque ou quadrilha, o Pelourinho reafirma seu lugar como território de luta, festa e herança viva do povo negro da Bahia. Vale para o bairro: “o povo que não preserva o passado, não vive o presente e jamais poderá conseguir o futuro”, como sempre repete Clarindo Silva, da Cantina da Lua, em seu canto de luta e integridade.

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| Foto: Shirley Stolze | Ag A TARDE

LINHA DO TEMPO — Memória viva do Pelô

Primeiro registro público de evento ou ação cultural no bairro

Os primeiros registros oficiais de manifestações culturais no Pelourinho remontam ao final do século XVII e início do XVIII, quando a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos — criada em 1685 — organizava celebrações religiosas que combinavam sincretismo, canto, procissões e elementos africanos, mesmo antes da construção da igreja em 1704. Essas práticas religiosas articulavam teatro litúrgico e rituais que podem ser interpretados como os precursores da cultura popular ali.

Primeiro espaço cultural oficialmente aberto no Pelourinho

O Museu da Cidade, vinculado à Fundação Gregório de Mattos, foi o primeiro equipamento cultural formalmente inaugurado no bairro, em 5 de julho de 1973. Instalado em um casarão histórico no Largo do Pelourinho, reúne acervo que vai do antigo ao moderno.

  • 1962 | Gravação do filme O Pagador de Promessas no Centro Histórico de Salvador, vencedor da Palma de Ouro em Cannes.
  • 1979 | Criação do Olodum, então como um bloco afro carnavalesco, a partir da iniciativas de moradores do bairro e ativistas do movimento negro.
  • Década de 1980 | Abertura de espaços culturais populares no Pelourinho, impulsionados por movimentos negros e pelo fortalecimento dos blocos afros.
  • 1990 | Paul Simon grava clipe no Terreiro de Jesus com participação do Olodum, marcando o início da projeção internacional do grupo.
  • 1990 (jun.) | Criação do Projeto Axé, com oficinas de música e arte para crianças em situação de rua no Centro Histórico.
  • Década de 1990 | Início das ações de restauração arquitetônica do Pelourinho pelo Governo da Bahia, com foco em patrimônio e turismo cultural.
  • 1996 | Michael Jackson grava “They Don’t Care About Us” com Spike Lee e Olodum nas ruas e na sacada do Pelourinho, ampliando a visibilidade internacional do bairro.
  • 1997 | Inauguração do Teatro XVIII, com foco na dramaturgia baiana e na valorização da cultura negra.
  • 1997 | Inauguração da Casa de Jorge Amado, reunindo o acervo do escritor e se tornando referência literária e cultural.
  • 2006 | Ruas do bairro viram palco exclusivo para gravação do filme Ó Paí, Ó, celebrando o cotidiano e a resistência cultural do bairro.
  • 2007 | Lançamento do projeto Pelourinho Cultural, com oficinas, shows e exposições permanentes em largos e ruas históricas.
  • 2013 | Criação do Agosto Negro, mês dedicado a ações culturais em homenagem à resistência afro-baiana no Centro Histórico.
  • 2015 | Início do Projeto Pelourinho Dia & Noite, com ações de revitalização cultural e estímulo à ocupação artística no Centro Histórico.
  • 2017 | Primeira edição da Flipelô (Festa Literária Internacional do Pelourinho), que se consolida como evento nacional da literatura negra.
  • 2019 | Roda de samba feminina “A Mulherada” firma-se como manifestação permanente e autônoma no calendário cultural do Pelô.
  • 2024 | O São João do Pelourinho promovido pelo governo Jerônimo Rodrigues reuniu mais de 300 mil pessoas ao longo de quatro dias, com mais de 50 atrações diárias espalhadas por palcos no Centro Histórico de Salvador. O evento impulsionou a economia local, gerando aumento de até 150% no faturamento de comerciantes e ambulantes, e contou com infraestrutura reforçada de segurança e transporte. Foi a maior edição já realizada, consolidando o Pelourinho como um polo junino de destaque na Bahia.
  • 2024 | Celebração dos 30 anos da Banda Didá, com ensaios e oficinas semanais, fortalecendo o protagonismo de mulheres negras na percussão.
  • 2025 (fev.) | Fechamento do Teatro XVIII, mas continuidade das atividades no anexo e reabertura simbólica como Centro Cultural Makota Valdina.
  • 2025 (jun.) | Pelourinho recebe R$ 3,4 milhões em investimentos para o São João, com valorização de artistas locais e infraestrutura cultural e cidadã.

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