AGRONEGÓCIO
Produtores baianos fabricam de doce à biomassa com flora da caatinga
Semiárido do estado é rico em uma biodiversidade que inclui culturas como mandacaru e licuri
Por João Vitor Sena*
O avanço das pesquisas científicas, aliado ao estudo das rotinas e tradições das comunidades localizadas no semiárido baiano, apontam para um grande potencial de uso dos recursos naturais da caatinga, como o mandacaru e o licuri, no desenvolvimento socioeconômico destas regiões. Estas mesmas comunidades já começaram a implementar práticas sustentáveis seguindo os princípios da bioeconomia, gerando novas oportunidades de renda ao mesmo tempo em que valorizam a biodiversidade local.
A bioeconomia é um modelo de produção que utiliza a matéria-prima vinda de recursos naturais, como plantas e microrganismos, para gerar produtos que podem ser comercializados tanto no varejo quanto no setor industrial, produzindo desde cachaças e doces em comporta até biomassas que podem ser aproveitadas para a geração de energia elétrica.
Segundo Magno Carvalho, presidente da Cooperativa Regional de Agricultores Familiares Extrativistas da Economia Popular Solidária (Coopersabor), este conceito já é praticado por produtores rurais que vivem próximos à caatinga, nos municípios de Monte Santo e região.
“Nossa cooperativa trabalha com diversos produtos naturais. Alguns deles vêm da cadeia produtiva do licuri, onde a gente consegue extrair não só a amêndoa, de onde vem o óleo, mas também vários outros subprodutos. A gente utiliza a polpa do licuri para fazer ração animal, mas também comercializamos a biomassa da casca para as casas de cimento, que a utilizam no lugar de petróleo e carvão mineral para gerar energia”, comenta.
Um estudo publicado pela Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI) no ano passado aponta que este modelo de produção pode gerar um faturamento anual de U$ 284 bilhões no Brasil até o ano de 2050, por meio da produção de biomassas ou fertilizantes naturais. Porém, Diogo Denardi Porto, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), destaca que as discussões sobre a implementação da bioeconomia em comunidades rurais ocorrem desde 1980, mas focavam em apenas substituir os derivados do petróleo por produtos de origem biológica.
“Hoje, encaramos a bioeconomia como atividades que são baseadas em recursos biológicos e, com o aporte de conhecimento técnico-científico, conseguimos agregar valor a esse produto biológico. No Brasil, damos muita ênfase para a biodiversidade nativa, porque a gente tem uma biodiversidade com um valor muito grande, mas ainda é inexplorada por falta de conhecimento. Isso pode se desdobrar em agregação de valor em novos produtos. Junto da diversidade biológica, também falamos em diversidade de culturas, práticas tradicionais e conhecimentos dos povos originários”, pontua.
Remédio e artesanato
Robson Rodrigues, sócio-fundador da Cooperativa de Trabalho e Assistência à Agricultura Familiar Sustentável do Piemonte (Cofaspi), relata que óleos produzidos a partir do licuri e o babaçu, além de gerarem produtos comestíveis, são utilizados na fabricação de sabonetes, amaciantes e hidratantes. Algumas plantas da caatinga também são utilizadas para a fabricação de remédios naturais e artesanatos.
Porto ainda complementa que usos inéditos para a flora local da caatinga estão sendo descobertos com a evolução das metodologias. Uma pesquisa recente da Embrapa identificou uma bactéria que se aloja nas raízes do mandacaru e pode ser útil para combater a seca, por exemplo. “Ela ajuda o mandacaru e outras plantas a superar as crises de seca, formando um gel protetor em torno das raízes, que absorve água. Isso pode funcionar muito bem como um bioinsumo para fazer outras plantas, como o milho e a soja, a aguentarem melhor os períodos de estiagem”, explica.
Além de gerar novos produtos e renda em comunidades mais isoladas, o presidente da Coopersabor destaca que ensinar práticas de bioeconomia aos cooperados ajudou a desenvolver uma consciência ambiental e um sentimento de pertencimento em relação à flora local. “Em 2006, o desmatamento estava muito acelerado porque o licuri não era bem-visto pelas famílias, justamente porque ele estava com preço muito baixo no mercado”, comenta.
Edvaldo Filho, especialista em Agroecologia na Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater), completa que desenvolver esta sustentabilidade é essencial para a atividade produtiva no semiárido. “O desflorestamento descontrolado da caatinga, o uso de agroquímicos e o manejo inadequado do solo, comprometem a biodiversidade, os recursos hídricos e a fertilidade do solo, provocando a redução da produtividade e o empobrecimento dos agricultores”, explica.
Por outro lado, Robson pontua que a sensação de pertencimento em relação à flora local também foi responsável por engajar mais mulheres na cadeia produtiva, tradicionalmente ocupada por homens.
*Sob supervisão da editora Cassandra Barteló
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