AUTOS
Perspectivas para o mercado automotivo
A falta de semicondutores e de peças ainda criará problemas e oferta de carros de entrada será cada vez menor

Por Núbia Cristina
O ano começa com nuvens carregadas de incertezas que encobrem o horizonte da indústria automotiva. Analistas de mercado são unânimes ao afirmar que a escassez de semicondutores e de autopeças ainda vai criar muitos obstáculos ao longo de 2022. A aposta é que a solução para essa crise virá no último trimestre de 2023.
A análise de cenário aponta que o consumidor ainda vai se deparar com altos preços de novos e seminovos, filas de espera do carro zero, além do custo mais alto do financiamento automotivo. Outro detalhe é que os carros compactos de entrada, de menor preço, serão cada vez mais raros.
Vários hatchs compactos e sedans - a exemplo do Fiat Uno Mille, Volkswagen Up!, Volkswagen Fox e Toyota Etios - foram descontinuados em 2021, e a lista de nomes no fim de linha pode aumentar este ano. Enquanto os modelos mais baratos iam saindo de cena, houve muitas estréias de SUVs e picapes, de várias marcas. Segundo especialistas, esse show vai continuar.
Queridinhos
“Na verdade, 2021 foi o ano dos SUVs e das picapes pequenas e médias. Vamos seguir essa tendência. As montadoras precisam se rentabilizar e para isso apostam em produtos de maior valor agregado, que geram mais lucratividade”, afirma o economista Raphael Galante, que trabalha no setor automotivo há mais de 20 anos e atua como consultor na Oikonomia Consultoria Automotiva.
“O segmento de hatchs pequenos está morrendo, muitos saíram de linha, como o Fiat Uno, outros vão sair. Carro pequeno não dá mais rentabilidade para a montadora, por mais que elas tenham um parque circulante para produzir cinco milhões de veículos. Neste momento, o fabricante não precisa de volume, mas de dinheiro no bolso, de lucratividade”, explica.
O sócio da MRD Consulting, Flávio Padovan, tem a mesma opinião. “É uma tendência irreversível. Cada vez mais, veremos menos sedans e mais SUVs e pick-ups nas ruas e estradas de nosso pais”, destaca. Padovan foi diretor de operações da Ford na América do Sul, ocupou o cargo de vice-presidente na Volkswagen do Brasil e foi presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa).
“Os carros populares ou de entrada tendem a diminuir de volume, dando espaço para os modelos de maior valor agregado. O preço desses modelos cresceu muito, principalmente em função do cambio desfavorável, que impacta os componentes importados e provocou a redução da oferta por parte das montadoras”, resume Padovan.

Proconve L7
Alguns modelos com baixo volume de vendas estão saindo de produção (Uno, Doblò e Gran Siena) porque não vale a pena investir em melhorias para adequá-los às exigências mais rigorosas de limite de emissões da fase L7 do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que entrou em vigor no início deste mês.
“A Fiat acaba de anunciar o fim de linha do Uno, um ícone da indústria brasileira. Os carros populares só não vão desaparecer completamente, porque o consumidor brasileiro médio está cada vez mais pobre, e um carro básico, de R$ 90, 100 mil reais, ainda é um investimento alto. Então, algumas montadoras vão manter seus carros mais populares: a GM, a Renault, a Volks, mas não aqueles bem baratinhos, que vão deixar de existir, por uma série de fatores”, prevê Galante.
E por que os SUVs caíram no gosto dos brasileiros? “Principalmente em razão da configuração que oferece mais espaço e devido à sensação de segurança, ofertada pela posição mais alta de dirigir. As pick-ups médias têm a preferência dos consumidores nas regiões fora dos grandes centros, em áreas rurais, onde a robustez é mais valorizada. Por outro lado, as pick-ups menores são ágeis nas áreas urbanas e modelos como Fiat Strada e VW Saveiro vêm ganhando melhorias importantes, como maior espaço na cabine e mais conforto para os ocupantes, principalmente os modelos com cabine dupla”.
Semicondutores
O ano de 2021 foi marcado pelos desafios impostos pela escassez de semicondutores. E a crise continua. “Faltou todo tipo de peça, não apenas chips. Faltou o papelão para fazer a caixa para despachar a peça. Teve muita montadora trabalhando logística reversa, implorando pela devolução da caixa para embalar as peças, os componentes”, lembra Raphael Galante.
“Houve falhas no planejamento das montadoras, que não esperavam um bom ano de vendas. Todo mundo comprou menos do que precisava. E a indústria de semicondutores não responde do dia pra noite”, comenta. Outro detalhe é que os produtos da Ford deixaram de ser fabricados em 2021.
“Foi um aumento abrupto de demanda de aproximadamente 150 mil consumidores, que migraram para outras marcas, mas as montadoras que não puderam atender ao antigo cliente de Ford Ka e Ecosport”. Galante acredita que esse problema de escassez de peças será resolvido apenas no último trimestre de 2023.
“Teremos um primeiro trimestre fraquíssimo este ano, certa melhora a partir do terceiro trimestre. A alternativa seria tentar desenvolver uma indústria de semicondutores aqui; o que não é fácil. Não é feira: dá-me duas laranjas e três maçãs. Então as montadoras precisam rever, revisar o planejamento, uma pisada de bola pode estragar tudo”.
Em relação às vendas, Galante acredita que repetir o desempenho do ano passado já seria ótimo. “Em 2021, havia crédito fácil. Mas neste ano vai haver aumento da taxa de juros, a taxa básica referencial, a Selic, tem viés de alta para conter a inflação, pra completar, é ano eleitoral e ainda há falta de peças e componentes. São muitas variáveis que colocam as projeções para baixo”.
Eletrificação do mercado brasileiro em 2022
Um aspecto importante do mercado brasileiro em 2021 foi o crescimento das vendas de carros eletrificados, sejam eles os 100% elétricos ou os híbridos (plug-in ou não). A participação de 1,76% sobre o total de carros novos vendidos, a primeira vista não parece expressiva, mas foi importante. “O crescimento da demanda por esse tipo de veículo ao longo dos últimos anos vem acontecendo (sempre) de forma exponencial”, comenta o economista Raphael Galante.
“Em cinco meses deste ano a participação dos carros eletrificados passou a casa dos 2% no mercado nacional. Em dezembro, se usarmos o arredondamento matemático de uma casa decimal, esse índice chegou a 2,5%. O que é uma bela marca”, diz. Na Europa, as vendas de carros eletrificados vêm batendo a marca de 20%. Em países como Portugal, por exemplo, em alguns meses elas já bateram a casa dos 25%.
Até o momento, o consumidor brasileiro vem preferindo o híbrido, em vez do carro 100% elétrico. “Em números totais, temos até agora quase 2,7 mil carros elétricos vendidos e 31 mil de carros híbridos, num universo de 1,911 milhão de carros vendidos”.
Galante explica que existe uma pulverização em 12 marcas que concentram quase 96% das vendas de carros elétricos. A líder absoluta é a Nissan, graças a sua parceria com as locadoras (com destaque para a Movida). Já as vendas dos veículos híbridos estão centralizadas em quatro marcas, que detém mais de 95% desse segmento. “Toyota, com o Corolla híbrido (seja o sedã médio ou o SUV) como líder absoluta e, na sequência, a Volvo. De fato, só as duas correspondem por 85% do mercado de carros híbridos, o restante fica com a BMW e a Porsche”.
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