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22/10/2023 às 6:00 • Atualizada em 22/10/2023 às 9:23 - há XX semanas | Autor: Madson Souza e Priscila Dórea

CIDADANIA

Arte afasta jovens da criminalidade e abre portas para o novo

Promoção da cultura muda narrativas e dá noção de pertencimento às comunidades

Beneficiado pelo FazCultura, Capoeiragem Mirim é um projeto sócio-educativo do Instituto CTE Capoeiragem
Beneficiado pelo FazCultura, Capoeiragem Mirim é um projeto sócio-educativo do Instituto CTE Capoeiragem -

O poder transformador da arte e as muitas formas de promover cultura têm papéis fundamentais na formação e na inclusão social de pessoas e comunidades – e, consequentemente, na luta contra a criminalidade. “À medida que os espaços culturais são ocupados, cria-se uma sensação de pertencimento, de proteção ao bem comum, o que acaba causando um impacto muito grande na segurança real e também na sensação de segurança”, explica o pró-reitor de extensão da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Guilherme Bertissolo. “Desse modo, acredito que a questão da segurança está de fato conectada à dimensão cultural e a gente não pode dissociar um tema do outro”.

Com ações, projetos e editais, como os do FazCultura, os do Fundo de Cultura da Bahia (FCBA) e os da Lei Paulo Gustavo, o governo da Bahia, por meio da Secretaria de Cultura da Bahia (SecultBa), promove e incentiva a instalação de espaços e projetos seguros, artísticos e educativos para jovens em todo o Estado. O FazCultura, por exemplo, apoiou financeiramente 26 projetos, que receberam aporte financeiro de R$ 6,53 milhões em diversos setores culturais como teatro, música, dança e audiovisual. O FCBA, que apoia espaços e ações culturais continuadas, resultou em investimentos de R$ 5,8 milhões.

Já os 26 editais da Paulo Gustavo Bahia, que disponibilizou R$ 150 milhões de investimentos em ações e premiações culturais em todo o Estado, vão ter suas inscrições encerradas na próxima quarta-feira (25), e oferecem cotas de 50% para pessoas negras e 10% para pessoas indígenas, além de reserva de vagas para contemplar todos os territórios de identidade do Estado.

Fundado em 1994, o Capoeiragem Mirim (@capoeiragemmirim) é um projeto sócio-educativo do Instituto CTE Capoeiragem que foi beneficiado pelo FazCultura pela primeira vez em 2019. Desde aquele ano, com base na Lei 10.639/03 – que determina que as escolas ensinem história e cultura afro-brasileira –, o projeto tem levado aulas de capoeira com acompanhamento pedagógico para as salas de aula. “A capoeira é um terreno fértil para as crianças e uma grande ferramenta educacional”, afirma o coordenador-geral do projeto, Ricardo Santos Carvalho, o Mestre Balão.

A capoeira, salienta Carvalho, é uma ferramenta transformadora muito forte, que consegue adesão mesmo em comunidades tidas como violentas. “Os moradores entendem o quanto aquilo é importante para as crianças – e veem na prática os resultados dos trabalhos que fazemos”.

Ricardo, o Mestre Balão, do projeto Capoeiragem
Ricardo, o Mestre Balão, do projeto Capoeiragem | Foto: Lucas Barbosa / Divulgação

Há 23 anos participando do projeto – primeiro como aluno, depois como professor –, Neriton de Araújo Ferreira, o Contramestre Coruja, hoje trabalha 100% do tempo com capoeira e dá aula até na comunidade onde nasceu, a Bate Facho. Ele afirma que a capoeira mostrou a ele um outro caminho e hoje ele passa todos os aprendizados que teve para as crianças. “A capoeira forma cidadãos e mostra um novo mundo para as crianças da periferia”, afirma. “Ela mudou a minha vida, mas tenho amigos que não tiveram tanta sorte e hoje não estão mais aqui”.

Além disso, as atividades vão além da arte e gingado da capoeira. “A capoeira me ensina a ser uma pessoa melhor com minha família, com meus amigos, e é bem legal porque tem várias brincadeiras diferentes”, afirma a capoeirista de 9 anos, Evellyn Freitas, a Brilho. O monitor juvenil Thomas Vinicius, o Talento, de 15 anos, acrescenta: “A capoeira afasta as crianças da criminalidade, pois ocupa a mente e o tempo, não dando espaço para que fiquem na rua”.

PERTENCIMENTO

Especialista em segurança pública e porta-voz da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia, Larissa Neves aponta que arte e cultura são ferramentas para “reconstruir a narrativa” de comunidades ditas ou consideradas violentas. “Quem produz a violência não são os moradores do bairro – e a arte e a cultura são uma tentativa de reconstruir esse discurso”.

Larissa Neves é especialista em segurança pública
Larissa Neves é especialista em segurança pública | Foto: Renato Cafuzo / Divulgação

Na missão de alcançar esses territórios, o projeto Pé de Feijão (@projetopedefeijao), com aporte financeiro do FazCultura, abraçou tanto crianças e adolescentes quanto os professores e agentes comunitários da Sussuarana e outros bairros distantes do centro para viver o lúdico. Entre levar a comunidade para assistir a peças no Teatro Vila Velha e promover atividades comunitárias nas escolas, o Pé de Feijão reforça a importância de tornar os espaços culturais mais acessíveis à população.

“A gente quer contribuir para uma ideia de formação mais ampla promovendo a questão do pertencimento a esses espaços (como o Teatro Vila Velha), porque isso mexe com toda a comunidade: se sentir seguro, se sentir parte do coletivo, parte da cidade”, explica a idealizadora e diretora da atividade, Cristina Castro. A mais recente edição do Pé de Feijão apresentou o espetáculo Dandara, que traz um texto que fala sobre identidade, raça e bullying.

A eficiência da arte na socioeducação tem sido tema de vários estudos e congressos científicos, aponta a doutora em Ciências Musicais e docente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Ariana Perazzo. Em sua tese, ela tratou sobre o efeito da aprendizagem musical em projetos sociais, analisando o Neojiba e a Orquestra Geração (Portugal). “Esse estudo mostrou o impacto do ensino da música no contexto de projeto social e como isso levou a transformações significativas na vida dos participantes, trazendo novas perspectivas na sua trajetória pessoal e profissional”.

MÚSICA

Esse é o caso de Lívia Sansil, fagotista da Orquestra Neojiba e estudante de música da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Ela conta que não sabia sequer que poderia seguir uma carreira acadêmica na área, mas que foi inspirada pelas aulas de música no colégio e que contou com o apoio da mãe, que sempre buscou mantê-la afastada das ruas e ocupada com atividades extracurriculares.

“Acho de extrema importância ter um espaço como o Neojiba, principalmente para gente que não tem muito acesso a esses instrumentos”, testemunha. “O instrumento que toco, o fagote, conheci aqui”.

Lívia Sansil é fagotista da Orquestra Neojiba
Lívia Sansil é fagotista da Orquestra Neojiba | Foto: Olga Leiria / Ag. A TARDE

A história de Lívia é uma entre as de mais de 12 mil crianças, adolescentes e jovens que já passaram pelo Neojiba ao longo de seus 16 anos de atividade. “A fórmula não é complexa: basta fornecer condições para uma boa prática musical coletiva e, aliado a isso, ter um olhar na área social, com a atuação de assistentes sociais e psicólogos”, avalia o diretor musical do Neojiba, Eduardo Torres. “Um grupo musical assim logo se transforma em comunidade e coletividade, da qual os integrantes se orgulham de fazer parte”, completa.

Vinculado à Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos e gerido pelo Instituto de Desenvolvimento Social Pela Música, o Neojiba é parceiro da Secretaria de Cultura da Bahia. Atualmente, o programa beneficia 2.300 integrantes diretos em seus 13 núcleos em Salvador, região metropolitana e interior do estado, além de 6.000 indiretos em ações de apoio e iniciativas privadas.

Com humor, Grupo de Teatro da PM sensibiliza comunidades

Elenco do Grupo de Teatro da PM reunido após apresentação
Elenco do Grupo de Teatro da PM reunido após apresentação | Foto: Divulgação

Circulando pelo Estado há 25 anos, o Grupo de Teatro da Polícia Militar da Bahia (@teatrodapmba) foi criado por uma demanda pontual em 1998, diante da necessidade de uma campanha no bairro da Pituba. À época, foi registrado o aumento de queixas sobre o comportamento de jovens da região, principalmente relacionadas ao uso de drogas. Então, uma peça teatral foi criada para sensibilizar esses jovens… E deu muito certo.

“O teatro se tornou uma ferramenta de facilitação e sensibilização”, explica o Major Bandarra, coordenador da Seção de Artes da Polícia Militar da Bahia. “Essas apresentações se tornaram um tipo de abordagem social, com as artes cênicas fazendo o papel de um agente de prevenção ao crime e à violência contra a mulher, criança e adolescente, alertando sobre o uso de drogas e muitas outras temáticas. São policiais que, por meio da atuação e do humor, sensibilizam, educam e orientam a população”.

Todas as idades

Se apresentando para públicos de todas as idades – até dentro da própria PM –, o Grupo de Teatro da PMBA é singular no Brasil. A Noite de Beleza Negra do Ilê Aiyê, o programa da apresentadora Ana Maria Braga e um evento sobre projetos inovadores nos Estados Unidos são alguns dos lugares por onde o grupo já passou, além de muitas escolas públicas e privadas pelo estado.

O grupo ainda tem investido no audiovisual – vídeos das apresentações podem ser encontrados no YouTube e no Facebook.

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