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Artigo: Alétheia da psicanálise

Publicado quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020 às 07:52 h | Atualizado em 26/02/2020, 07:53 | Autor: José Medrado*
Foto: Divulgação
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Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês, defende que estamos vivendo tempos que são líquidos, porque tudo muda tão rapidamente, nada é feito para durar, para ser sólido, ou seja, não se busca manter a mesma forma por muito tempo. Coisa alguma parece guardar consistência ou importância, em uma espécie de vácuo de essência, é o que depreendemos do pensamento do autor de Tempos Líquidos. Na dimensão dessa senda, recebi do amigo Caires Araújo, meu psicanalista há décadas, sem abandono – eles nunca o deixam de ser –, o seu último livro: Lugar do Dito, Inaudito. Em agradabilíssima leitura Antônio Carlos nos conduz – assim sempre o chamei e chamo – certamente ele verá algum sentido nesta minha consideração – a uma visão histórica de sua terra e arredores, como fundo de sua narrativa romanceada. Vejo, no entanto, que o livro trata mais do que lembranças, em um misto de possível ficção e realidade, mas uma conclamação à necessidade de retomada da linguagem, do discurso, como ele mesmo pontua, como palavra ordenada na fala em curso.

Antônio Carlos nos faz refletir, sempre como pano de fundo uma história circunscrita em um lugar (lugar sempre grafado com inicial maiúscula), em que a sua narrativa nos parece um efeito repercussivo de restauro de possíveis verdades estruturadas na linguagem, advindas de uma simbologia, alétheia (do grego desvelamento, verdade), sobre o seu torrão de nascimento e de seu próprio pai, na construção da forma ou “fôrma” da sua linguagem. Heidegger, filósofo alemão, retomou o termo alétheia para definir a tentativa de compreensão da verdade, tão ao gosto dos debruçados na psicanálise.

Do livro Lugar do Dito, Inaudito há uma espécie de vazamento da própria narrativa pessoal do autor, para uma exortação da importância do discurso tão esfrangalhado nos dias atuais pelos emojis, que tentam subtrair a importância da fala, do lugar em que nos fizemos, da posse simbólica do chão em que caminhamos, bem como da nossa própria raiz-história, em especial tendo no pai a posição que ocupa na existência dos filhos.

Há um momento deveras provocativo aos que temos fé em Deus, onde o psicanalista-escritor visitando Lacan indica que é o Nome-do-Pai que cria a posição paternal, não sendo ele uma figura e sim uma função, inclusive religiosa, quando desamparado nesta função paternal biológica, buscamos o amparo em Deus Pai. Muito interessante a abordagem.

Vê-se claramente em toda a narrativa romanceada de Caires Araújo a defesa da importância freudiana na compreensão da noção de que todo ato psíquico é uma realização de desejo, como princípio constitutivo, na formulação de uma espécie de fundamento da realidade, concebendo a linguagem como caminho para a indicação destes desejos.

*Mestre em família pela Ucsal e fundador da Cidade da Luz

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