SEM BARREIRAS
Assista: A ascensão do público de maior idade nas universidades
No Brasil, o número de estudantes idosos na graduação aumentou 56% entre 2012 e 2021
Por Isabela Cardoso
Em uma demonstração clara de que a busca pelo conhecimento é uma jornada atemporal, há um número crescente de pessoas com mais de 40 anos que estão retornando às universidades em busca de novas graduações. Elas provam que a sede por se reinventar e o desejo em aprender não tem idade.
No Brasil, o número de estudantes idosos na graduação cresceu 56% entre os anos de 2012 e 2021. De acordo com o Censo da Educação Superior de 2012, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), naquele ano, havia 28.041 estudantes com 60 anos ou mais regularmente matriculados no ensino superior; já em 2021, o número havia aumentado para 43.722 matrículas.
Na Universidade Federal da Bahia (UFBA), por exemplo, há 3.366 alunos ativos com mais de 40 anos de idade no semestre 2023.2, um total de 2.649 deles estão matriculados em componentes curriculares nos cursos de graduação.
De acordo com a instituição, o aluno com mais idade matriculado tem 79 anos e faz o curso de Filosofia. Ele ingressou como diplomado no semestre 2018.2, através do processo seletivo de vagas residuais. Já a aluna com mais idade tem 78 anos, que também é do curso de Filosofia, ingressou na UFBA no semestre 2017.1.
“A interação entre alunos mais jovens e alunos mais velhos possibilita a troca de experiências entre as gerações, tanto entre os colegas quanto com os docentes, possibilitando o fortalecimento do espaço democrático da universidade e de diferentes saberes e subjetividades”, afirmou a assessoria da UFBA.
A baiana Simone Maria Evangelista Salles teve sua primeira formação em Odontologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 1994. No entanto, o gosto pela língua inglesa e tradução foi se tornando mais forte com o passar dos anos e, em 2016, aos seus 48 anos, ingressou no curso de Licenciatura em Letras - Inglês.
“Em 2016, vi uma notícia sobre as vagas residuais na UFBA, paguei a inscrição e comecei a estudar para fazer a prova de seleção, mas não falei com ninguém sobre a inscrição. Não queria frustrar a mim e outras pessoas que viesse compartilhar. Somente no dia da prova que falei com meu namorado, na época, que me deu a maior força e me acompanhou no dia. Quando estava fazendo a prova, vislumbrei que minha motivação era estudar para aprender e aperfeiçoar na área da tradução. Queria realmente adquirir o máximo de conhecimento possível no campo que tanto adoro e admiro, tinha que agarrar aquela oportunidade”, conta.
Para Simone, o período da graduação teve muitas oportunidades e grandes desafios. Ela conta que, mesmo com sua timidez, sempre foi bem acolhida por todos.
“Aprendi muito sobre a vida, sobre pessoas, sobre inclusão, sobre o momento que a gente vive, sobre empatia, sobre nós mesmos [...] As dificuldades que senti foram geradas unicamente pela minha timidez que, por sinal, com a faculdade, eu melhorei muito. Passei por experiências inimagináveis que fizeram com que eu superasse. Outra coisa é que nunca gostei de falar da minha idade, mas isso nunca foi questionado por colegas ou professores. Sempre fui muito bem acolhida”, ressalta.
O empresário Manoel Benício, de 54 anos, ingressou no curso de Comunicação Social com ênfase em Cinema e Vídeo na Faculdade de Tecnologia e Ciência (FTC) aos 49, para complementar seus conhecimentos na área de audiovisual e aplicar em seu trabalho.
“A minha motivação em fazer graduação foi em função de já fazer teatro. Me interessei em melhorar meus conhecimentos e, na época, fui fazer uma peça que acabou se transformando em um curta. Através desse curta de natal eu quis estudar cinema [...] Eu já estava sem estudar há quase 20 anos e foi muito interessante porque eu pude conhecer novas pessoas também, aumentar meu networking. Montamos um canal de cinema, então isso me ajudou muito agora pra poder tocar o projeto de cinema”, diz.
Manoel contou que, durante a graduação, não teve problemas de convivência com os alunos mais novos e se relacionava bem com todos. Ainda assim, a sua maior dificuldade foi na criação de grupos.
“Eu consegui um bom entrosamento, da parte deles [alunos mais novos] também aceitaram de braços abertos. A maior dificuldade foi, de certa forma, criar um grupo mais próximo. No primeiro semestre, os grupos já estavam praticamente formados, as pessoas já se conheciam. Mas consegui depois de um tempo ter um grupo pra fazer os trabalhos, desenvolver as matérias”, comenta.
Já Rione Cássia Loureiro, formada em Estudos Sociais e Pedagogia, realizou um sonho ao ingressar no curso de Psicologia no ano de 2007, aos 51 anos. Hoje, com 67, ela destacou que alguns sonhos valem a pena ‘pagar mais caro’ por causa da realização e do conhecimento que adquire.
“Pagamos caro por alguns sonhos, mas vale a pena. Atualmente, ganho 3 vezes mais do que ganharia com as 2 profissões anteriores. Para realização e conhecimento não existe idade. Muitas vezes a idade e a maturidade ajudam bastante. O conhecimento transformado em sabedoria é algo extremamente gratificante para a psiquê humana, é algo que nos valoriza e ninguém pode nos tirar, por isso, em qualquer idade, vale a pena a aquisição”, detalha.
Para Rione, a nova graduação foi um momento maravilhoso e ao mesmo tempo complexo, tinha que conciliar trabalhos e estudos, entender a didática dos professores, além de perceber que o foco dos alunos mais novos era diferente do que pensava.
“Senti mais dificuldade na didática de alguns professores que tinham doutorado e pós-doutorado, mas não sabiam transmitir o conhecimento, além da administração do tempo para equilibrar família, trabalho e estudos. Outro fator foi, nos últimos anos do curso, encontrar tempo para fazermos os estágios, que são importantes para nossa formação. E também ver colegas tão jovens, com tanto tempo, não ter a maturidade de levar a sério a vida estudantil, a ponto de nós, com família e trabalho, tirarmos melhores notas”, relatou.
A mestra e doutoranda em gerontologia, Lilian Cliquet, explica que a intergeracionalidade é fundamental não apenas em ambientes universitários, mas também nos estímulos em outras áreas da vida.
“As trocas geracionais estimulam a cooperação, a empatia, as parcerias além das trocas de experiências que enriquecem ambas faixas etárias. O mercado de trabalho tem conseguido entender que pessoas experientes junto com chefes jovens tem surtido um bom efeito. Mas ainda passamos por essa transição e tudo que é novo leva tempo para ser assimilado”, detalhou.
Barreira do Etarismo
A população acima dos 50 anos é a que, atualmente, mais cresce no Brasil. Segundo uma estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão de pesquisas ligado ao Governo Federal, até 2025, 30% dos brasileiros terão mais de 60 anos.
Em 2021, a Organização das Nações Unidas (ONU) classificou a discriminação por idade como um desafio global. Quatro de suas agências e fundos, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgaram um relatório conjunto estimando que uma em cada duas pessoas no mundo tenha atitudes discriminatórias que pioram a saúde física e mental de pessoas idosas e reduzem sua qualidade de vida.
A ONU identificou ainda o envelhecimento populacional como uma das quatro megatendências globais, mas muitas empresas ainda estão na contramão deste fato, já que só no Brasil, mais de 700 mil pessoas com mais de 50 anos perderam seus empregos entre 2020 e 2021, sendo que essa é a única faixa etária que continua perdendo espaço no mercado de trabalho após a reabertura da economia.
Uma pesquisa das consultorias Ernst Young (EY) e Maturi, que ouviu 191 empresas, mostra que 80% das companhias não possuem políticas específicas de combate à discriminação etária em seus processos seletivos. O resultado disso está em corporações com pouca representação etária em seus quadros de funcionários, além de um discurso em favor da diversidade etária que pouco reflete as reais ações conduzidas pelo setor de recursos humanos.
A pesquisa também evidencia que poucas empresas inserem o quesito geracional como um dos pilares que compõem a estratégia de diversidade e inclusão como um todo – apenas 45% das companhias brasileiras adotam essa postura.
Confira a reportagem produzida pelo A Tarde Play sobre a ascensão do público de maior idade nas universidades:
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